16 nov, 2023 - 08:30 • Marta Pedreira Mixão
A fundadora da empresa de comunicação digital Génération Politique, Hind Ziane, e Naomi Hirst, da Global Witness, debateram o papel da tecnologia para a democracia, na palestra "Está a tecnologia a prejudicar a democracia?".
Hind Ziane defende que a tecnologia “pode ser de grande ajuda para a democracia”, mas que, em alguns casos, “por causa de crenças particulares ou determinados ideais, pode tornar-se uma ferramenta muito prejudicial”.
Ziane levanta ainda a questão: “são as pessoas que tornam a tecnologia perigosa ou é a própria tecnologia que é perigosa? Não tenho uma resposta definitiva”.
“As pessoas construíram sistemas políticos que existem há séculos e temos a responsabilidade de garantir que as nossas ferramentas tecnológicas se adequam aos nossos ideais e aos nossos valores”, defende, salientando que "os países e as nações não são construídos com base em ferramentas, são construídos com base em pessoas e a tecnologia é apenas uma ferramenta".
“Temos uma responsabilidade. Somos responsáveis e podemos controlar a tecnologia e fazê-la funcionar para as nossas democracias”, elucidou.
Naomi Hirst aludiu também à responsabilidade associada ao uso das tecnologias como expressão de ideias e valores dos participantes políticos.
“Ao longo dos últimos anos, na Global Witness, temos testado repetidamente empresas e plataformas tecnológicas quanto à sua capacidade de detetar e moderar o discurso de ódio, o abuso online, a desinformação, a linguagem extrema em torno da misoginia e da transfobia, as ameaças, o incitamento à violência e eles falham”.
“Não sei quantas pessoas aqui sabem, mas, no próximo ano, mais de 65 países vão às urnas", refere, salientando que as" pessoas terão a oportunidade de votar para conseguir uma transição justa para um futuro de combustíveis fósseis, para fazer frente ao crescimento do populismo e do extremismo”, argumentou. Hirst defende que “precisamos de mais democracia” e que “o modelo de negócio das grandes empresas de tecnologia está a estrangular esse apelo à ação”.
“Estas empresas sabem qual é o problema. Inventaram barreiras de proteção em torno da moderação de conteúdos. Sabem que este é um problema e estão a tentar resolvê-lo”.
“Estamos a descobrir uma e outra vez, a audácia destas empresas para entrar em mercados onde não têm os recursos, não têm a tecnologia para moderar adequadamente estes abusos, que estão a envenenar o nosso discurso. Estão a criar ameaças aos indivíduos, aos políticos e aos eleitores. Também está a ter um efeito inibidor”.
Sobre se a tecnologia a prejudica a democracia, refere que é “uma questão de saber de quem é a voz que está a ser ouvida, de quem são as vozes que se perdem”.
“Precisamos mesmo de sair deste modelo de negócio, desta atenção voraz, desta procura faminta de envolvimento, que é tão corrosiva”.
Ziane constatou que os avanços tecnológicos também têm alterado a política “a vários níveis”, destacando três: a forma como se consome notícias, o contacto e envolvimento com os eleitores e a forma como os atores políticos comunicam os seus feitos.
“Mudou a forma como as pessoas vivem, como trabalham, como vivem o seu dia-a-dia e os políticos têm de se adaptar em termos de governação”, refere.
Mas a tecnologia também afetou a maneira a política funciona e o contacto com os políticos, já que as pessoas “não acedem às notícias como antigamente, muitas não leem sequer notícias, consultam o Twitter ou o Facebook".
“Mudou a forma como entramos em contacto com os políticos, a forma como os políticos veem os cidadãos. Mudou a forma como recebemos as notícias políticas. Atualmente, a maioria das pessoas recorre às redes sociais para obter notícias sobre política”, detalha Ziane.
Para a fundadora da empresa de comunicação digital, isto “mudou todo o ecossistema, político e social” e, atualmente, a tecnologia também é usada como uma ferramenta para envolver os eleitores na atividade política, em especial "os menos politizados, por exemplo os jovens, que mais facilmente são motivados a votar ou participar através de publicações”.
A comunicação dos sucessos dos atores políticos aos cidadãos tem como objetivo criar ponte de confiança entre os mesmos, mas Ziane questiona: “será que é suficiente se a única coisa que os políticos têm para se relacionar com os outros cidadãos, é um ‘tweet’ ou um ‘post’ no Facebook? Que tipo de democracia é essa?”.
“Se quisermos envolver as pessoas e, em última análise, chegar à auto-organização, precisamos de tecnologia. E, muito rapidamente, a última forma como a política foi alterada pela tecnologia é a forma como os políticos em geral comunicam sobre os seus feitos. Penso que as pessoas esperam que os políticos falem sobre o que fazem e o que não fazem”, justifica.
Naomi Hirst alertou para os riscos associados ao uso das redes sociais por parte dos atores políticos.
“Tenho a certeza de que todos os presentes sabem que as jornalistas, uma espécie de bastiões da democracia, são totalmente afectadas pelo abuso online. E esse tipo de abuso tem uma lente interseccional ao género, pessoas de outras comunidades marginalizadas", afirmou.
Os políticos precisam de usar a tecnologia para chegar aos seus eleitores, mas, segundo Hirst, a questão é se os políticos estão "a chegar às pessoas certas".
“As plataformas principais estão a decidir não comunicar sobre o que precisamos de saber".
"Os políticos estão a jogar com a sua retórica para terem presença nas redes sociais e ganharem tração. Este feedback, entre o que corre bem e o que se torna viral e o discurso político é verdadeiramente preocupante", adiantou.
A Global Witness faz parte da Global Coalition for Tech Justice, uma aliança da sociedade civil com 200 organizações a nível mundial que se preparam para as eleições do próximo ano.
"Estamos a pedir às plataformas que publiquem planos de ação que integrem as normas eleitorais dos direitos humanos, que sejam totalmente dotadas de recursos e transparentes e que possam responsabilizar estas pessoas", refere Hirst.
Ziane acredita que é necessário ir além das eleições: "Estamos sempre a pensar no ciclo eleitoral, então os nossos esforços vão ser sempre direccionados para esse ciclo eleitoral. E acredito que com a tecnologia, mas também com a prospeção, indo de porta em porta e falando com as pessoas, temos de fazer mais do que nunca nessas eleições, porque é aí que se constrói a confiança", defende.
Ziane refere que isto "tem a ver com envolvimento, mas também com transparência". "Se formos eleitos e não tivermos uma visão específica, um caminho, para onde vamos? Não creio que as pessoas queiram tomar todas as decisões sozinhas. Penso que as pessoas querem ter bons líderes e também querem poder participar de uma forma significativa, especialmente em assuntos relacionados com questões que lhes interessam".
Esta é melhor maneira de envolver pessoas, através de "coisas muito pequenas e práticas que têm um impacto nas suas vidas".
"Temos de compreender que a transparência, especialmente na política, não é uma fraqueza, mas o oposto. Se não se cumprem as promessas ou não mostram o que fazem, é muito difícil criar confiança", acrescentou, reiterando que a tecnologia é apenas uma ferramenta no contexto político.
"As nações são feitas de emoções, de pessoas que se preocupam e que querem construir um futuro para todos. A tecnologia é apenas uma ferramenta", conclui Hind.