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Guerra Israel-Hamas

Irmão de refém português queixa-se de falta de resposta do Governo em Lisboa

16 nov, 2023 - 22:45 • Catarina Santos

Idan Shtivi estará entre os três reféns com nacionalidade israelita e portuguesa que se acredita terem sido levados a 7 de outubro para a Faixa de Gaza. Omri Shtivi diz à Renascença que os contactos com as autoridades portuguesas têm partido sempre das famílias das vítimas.

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Irmão de refém português queixa-se de falta de resposta do Governo
Vídeo: irmão de refém português queixa-se de falta de resposta do Governo

Passaram 40 dias desde que Idan Shtivi, de 28 anos, desapareceu do festival Supernova, junto à Faixa de Gaza. É um dos três reféns com cidadania portuguesa que se acredita estarem nas mãos do Hamas. Omri Shtivi, o irmão mais velho, diz que nunca recebeu “nenhuma resposta oficial” do governo português e que a iniciativa de estabelecer um contacto partiu sempre das famílias.

“Tenho mantido contacto com o embaixador português em Israel, mas precisamos de apoio do Governo. Sei que agora estão a lidar com outra situação envolvendo o primeiro-ministro de Portugal, mas estamos à espera de uma visita do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal” a Israel.

À Renascença, o gabinete de João Gomes Cravinho não confirma se essa visita acontecerá, mas sublinha que a embaixada portuguesa em Israel tem mantido contacto com as famílias de reféns e com o governo israelita. Adianta ainda que ações diplomáticas estão a ser concertadas com os restantes estados-membros da União Europeia.

Mas, para a família de Idan, o tempo parou há 40 dias. “Está a tornar-se cada vez mais difícil”, afirma Omri, de 30 anos, que aguarda com a mãe e com a irmã mais nova por qualquer pista de que o irmão possa regressar. "Nenhum de nós regressou à vida normal, é muito difícil dormir à noite. É uma situação traumática para todos nós.”


Governo de Israel e militares "têm a responsabilidade de os trazer de volta, está nas mãos deles."

A forma que Omri encontrou para lidar com a ausência e a falta de respostas foi desdobrar-se em contactos diplomáticos, por todas as vias possíveis. Adianta à Renascença que está a ser preparada a visita de uma delegação a Portugal, com apoio da embaixada de Israel em Lisboa, que deverá incluir encontros com a comunidade israelita e, sobretudo, para conseguir “uma reunião com o Governo.”

As autoridades israelitas acreditam que cerca de 240 pessoas estão ainda em cativeiro em Gaza. Da parte do governo e do exército israelitas, Omri diz que tem havido “apoio burocrático” aos familiares de reféns e desaparecidos, mas que são escassas as informações sobre os esforços no terreno para localizar os reféns. Só lhe resta confiar que o resgate dos capturados “seja a sua principal missão”. Essa deveria ser, defende, “a única prioridade”: “Têm a responsabilidade de os trazer de volta, está nas mãos deles.”

“Sentimo-nos sozinhos nesta situação, ninguém pode compreender o que é ter um irmão ou um filho refém. É muito difícil lidar com isto. Espero e aceito que o Governo está a fazer o seu melhor para trazer o Idan de volta e para nos apoiar”, afirma

A “certeza” de que Idan está vivo

No último mês, o Hamas tem divulgado a espaços gravações com reféns. O último caso foi o da militar Noa Marciano, de 19 anos, que servia no corpo de defesa na fronteira. O vídeo mostrava-a, primeiro, com vida, e depois exibia uma suposta imagem do seu corpo, com o grupo a alegar que tinha sido morta por um ataque israelita em Gaza. Israel confirmou a morte da refém, afirmando que a conclusão não se baseava no vídeo mas em dados recolhidos pelos serviços de Informação.

"Não sei se a mataram ou o que lhe aconteceu, mas tenho a certeza de que é algo muito duro para a família ver”, diz Omri Shtivi. Admitindo que seria reconfortante ter “algum sinal” do irmão, sabe também que há muita “propaganda do inimigo” nestas comunicações que chegam de Gaza. “Alguns destes vídeos libertados pelos terroristas do Hamas, por vezes, foram filmados há três ou quatro semanas”, afirma, pelo que, mesmo quando os reféns aparentam estar vivos, não são "necessariamente uma fonte de esperança.”

Pai de Noa Marciano, militar morta enquanto refém do Hamas, deixou um aviso ao gabinete de guerra israelita: "Cansamo-nos de ser simpáticos, vamos calçar as luvas e vamos lutar contra vocês. Deveriam ter vergonha." Foto: Adar Eyal
Pai de Noa Marciano, militar morta enquanto refém do Hamas, deixou um aviso ao gabinete de guerra israelita: "Cansamo-nos de ser simpáticos, vamos calçar as luvas e vamos lutar contra vocês. Deveriam ter vergonha." Foto: Adar Eyal
Mãe de Noa Marciano: “Fomos abandonados a 7 de outubro, fomos abandonados quando nos notificaram da coisa mais terrível que podíamos imaginar e não podemos permitir que nos abandonem uma terceira vez!”. Foto: Adar Eyal
Mãe de Noa Marciano: “Fomos abandonados a 7 de outubro, fomos abandonados quando nos notificaram da coisa mais terrível que podíamos imaginar e não podemos permitir que nos abandonem uma terceira vez!”. Foto: Adar Eyal
Família de Noa Marciano, de 19 anos, militar morta enquanto refém do Hamas. Foto: Adar Eyal
Família de Noa Marciano, de 19 anos, militar morta enquanto refém do Hamas. Foto: Adar Eyal

Uma semana depois do ataque do Hamas, Omri foi pessoalmente ao recinto do festival Supernova para tentar encontrar pistas do paradeiro do irmão.

Idan tinha jantado com a família na véspera do atentado e partira de madrugada para Re'im, a escassos quilómetros da vedação para a Faixa de Gaza. Era fotógrafo amador e tinha aceitado à última hora o convite de amigos para fotografar workshops de yoga e música que iam desenvolver no recinto.

Pouco tempo depois de chegar, Idan deu conta à namorada, por telefone, de que estavam a ser lançados rockets sobre o local. Não tardou muito a juntar-se o som de tiros. Rapidamente, Idan começou a preparar-se para partir. Avistou um amigo ferido e ofereceu-se para guiar o seu carro, transportando também outra rapariga. Perceberam que a estrada principal tinha sido cortada por membros do Hamas, conseguiram prosseguir viagem por outro caminho, mas cerca de quatro quilómetros depois estavam debaixo de fogo.

Os corpos dos dois amigos foram depois encontrados, Idan desapareceu.

Todas estas informações foram recolhidas cruzando os telefonemas que Idan fez com a namorada naquela manhã, os dados de localização do seu telemóvel e várias imagens que começaram depois a surgir do que aconteceu naquele recinto.

"Havia sinais de que Idan tinha estado ali, vimos o sangue e os vestígios de tiros”

Omri acabaria por encontrar no local o carro onde o irmão tinha viajado, junto a uma árvore na beira da estrada. “Havia sinais de que tinha estado ali, vimos o sangue e os vestígios de tiros”, conta. Essa viagem permitiu-lhe “perceber a dimensão do que aconteceu ali”: "Os carros queimados, os corpos perto da estrada, as balas... É um cenário que não consigo sequer imaginar, nem nas piores circunstâncias.” “Sei que há informação que o exército não pode partilhar connosco", acrescenta, mas acredita que o irmão está vivo. "Nós temos a certeza de que ele está vivo porque o sentimos. Sei que ele está vivo, sei que é um sobrevivente.”

Um “sobrevivente” que deveria viajar para o Gerês em breve

Idan Shtivi tem 28 anos e deveria ter iniciado o segundo ano de um curso de ambiente e sustentabilidade. Era amante de desportos aquáticos e da natureza. Costumava praticar mergulho livre com Omri.

“Quando vejo o mar, penso sempre nele. Tentamos manter-nos fortes, mas é muito difícil. A dor... é algo que não tinha imaginado que poderia sentir, este nível de dor.”

Poucos dias antes de partir para o festival, os dois tinham tido uma “última conversa profunda” e Idan partilhou que "queria fazer algo com impacto, tinha-se inscrito num programa de voluntariado com crianças em África”, conta Omri.

“Acima de tudo, confio nele, porque sei que é forte e é um sobrevivente.”

Os bisavós dos irmãos Shtivi tinham vivido em Portugal e, agora que tinha a cidadania, por ser descendente de judeus sefarditas, Idan planeava visitar o país em breve. “Ele gosta de viajar, eu tinha estado no norte e no sul de Portugal e falei-lhe de um sítio chamado Peneda-Gerês, perto do Porto, onde fiz um trilho. Disse-lhe que ele tinha de ir lá."

Idan obteve a cidadania portuguesa nos últimos anos, Omri não sabe precisar a data exata. Nem a motivação. Mas não acredita que o objetivo do irmão fosse garantir um porto seguro em caso de a situação piorar em Israel. “Não acho que esse seja o caso da maioria dos israelitas”, diz, sem hesitação. “Vamos ficar aqui, estamos aqui há milhares de anos e vamos ficar. Pode haver quem faça essa relocalização, mas não este não é um desses casos.”

A vida em suspenso

Fundador de uma startup que ajuda pequenas comunidades a adaptar-se à economia do mundo moderno, Omri costumava ter dias longos e muito preenchidos, que começavam sempre com um telefonema de Idan, à hora do café. Omri conta que ainda fica a olhar para o telemóvel todos os dias, à mesma hora, a tentar lidar com “um buraco, com esse vazio.”

A irmã é designer e só tem canalizado esforços para desenvolver merchandising com o rosto de Idan – “t-shirts, chapéus, posters” – e a mãe não regressou ao trabalho num serviço de saúde.

O caso dos Shtivi assemelha-se ao de muitos outros familiares de reféns ou desaparecidos desde 7 de outubro. Os movimentos que os representam têm vindo progressivamente a aumentar o tom dos protestos contra a ação do governo israelita, exigindo que se esgotem todos os recursos para os trazer de volta – incluindo a hipótese de um acordo de troca por prisioneiros.

Desde a última quarta-feira, centenas de pessoas integram uma marcha de solidariedade, que está a percorrer a pé os 70 quilómetros que separam Telavive de Jerusalém, para se concentrarem em frente ao gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

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