01 fev, 2024 - 08:45 • Guilherme Correia da Silva (jornalista) e André Peralta (sonorização)
São muitas incoerências. O partido alemão Die Grünen (Os Verdes) prometeu, nas eleições passadas, que nunca enviaria armas para zonas de conflito. Agora, está no governo e é um dos maiores defensores do fornecimento de armas a Kiev.
Os Verdes também prometeram uma "nova era energética" na Alemanha. No entanto, o partido encontra obstáculos a cada esquina, alguns deles criados pelos parceiros da coligação governamental. E muitos militantes dos Verdes começam a ficar impacientes.
Sem poder importar gás russo, por causa da guerra na Ucrânia, o ministro da Economia e Ação Climática, Robert Habeck (dos Verdes), teve de mandar construir terminais de gás liquefeito (GNL) junto à costa, no norte do país, e foi à procura de novos vendedores - no Qatar, por exemplo, um país acusado de desrespeitar os direitos humanos.
Mais: Os ativistas do clima não perdoam que vários líderes dos Verdes, incluindo Habeck, tenham concordado em destruir uma aldeia no oeste da Alemanha para expandir uma mina de carvão a céu aberto. Para os ambientalistas, Lützerath é um símbolo das incoerências entre a ideologia e o pragmatismo no partido Os Verdes.
"O verde tem muitos tons" é o segundo episódio do podcast Renascença sobre "a guerra ali ao lado", na Ucrânia, que colocou a política alemã em rebuliço. Enquanto os partidos no governo perdem popularidade, a extrema-direita AfD aproveitou a confusão e está em segundo lugar nas sondagens. Há, entretanto, quem tente encontrar um "antídoto".
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Página principal - A guerra ali ao lado
Som do congresso dos Verdes em Münster
Felix Banaszak não anda, o deputado alemão dos Verdes corre de um lado para o outro e é difícil apanhá-lo.
De t-shirt cor-de-rosa, calças e sapatilhas brancas, Banaszak, de 34 anos, sobe e desce os degraus do centro de congressos da cidade de Münster em alta velocidade; gira pelas mesas dos colegas, conversa com alguns deles, e é com a mesma rapidez que entra em palco, para discursar.
Felix Banaszak: "Caros colegas, tenho uma lista de perguntas para fazer a uma certa ala do FDP, à ala que está a colocar em causa o governo, de que faz parte. A minha lista só tem três perguntas: Vocês fazem mesmo parte do governo? A segunda pergunta é: Querem mesmo continuar neste governo? E a terceira pergunta é: O que planeiam fazer para que isso aconteça?"
Os Verdes fazem parte da coligação no governo, na Alemanha, juntamente com os sociais-democratas do SPD e os liberais do FDP. Mas há muitas brigas dentro da coligação. Ora os Verdes se queixam do FDP, ou o FDP se queixa dos Verdes. Sentem-se limitados um pelo outro.
No caso dos Verdes, o problema em concreto é que o combate às alterações climáticas não está a ser rápido. É disso que o deputado Felix Banaszak se queixa, no congresso em Münster. Apanho-o num à parte.
Felix Banaszak: "Podemos alcançar mais. Por isso é que é importante que os nossos parceiros de coligação percebam que a proteção do clima não é só do interesse dos Verdes. A questão central é saber se nós, os nossos filhos e netos, vamos ter um planeta onde valha a pena viver. E o setor dos transportes, em particular, tem contribuído muito pouco para a proteção do clima, para reduzir as emissões. Este é um problema que o ministro dos Transportes [dos liberais] tem de resolver."
A guerra na Ucrânia alvoroçou a política alemã. O país era altamente dependente do petróleo e do gás russos. E quis usá-los para desligar as centrais nucleares e começar a apostar em fontes renováveis.
Essa foi, aliás, uma das justificações dadas para construir o gasoduto Nord Stream 2, que ligava a Rússia à Alemanha. O gasoduto era a menina dos olhos de vários políticos alemães. Em 2016, o antigo chanceler Gerhard Schröder, amigo de Vladimir Putin, foi inclusive chefiar o conselho de administração da empresa que construiu o gasoduto, que entretanto foi sabotado, sem se saber ainda por quem.
Agora, com a guerra ao lado, a Alemanha inaugurou uma "nova era".
A chamada "Zeitenwende" foi anunciada oficialmente pelo chanceler Olaf Scholz a 27 de fevereiro de 2022, três dias depois da Rússia invadir a Ucrânia. Na "nova era", Scholz (que é do mesmo partido do ex-chanceler Schröder) distancia-se da Rússia de Putin, incluindo no capítulo da energia.
Olaf Scholz: "Os acontecimentos dos últimos dias e semanas mostraram-nos que é crucial ter uma política energética responsável e voltada para o futuro, não só para a nossa economia e para o nosso clima, mas também para a nossa segurança. Sendo assim, quanto mais depressa avançarmos com a expansão das energias renováveis, melhor."
Esse dossier tem sido gerido em grande parte pelo partido os Verdes. Mas falta tempo e dinheiro. Uma política energética "voltada para o futuro" implica construir parques e centrais de energias renováveis, aumentar a eficiência energética dos prédios e das empresas e desenvolver novas tecnologias e combustíveis alternativos.
Nada disto se faz de um dia para o outro.
Enquanto isso, é preciso aquecer as casas e garantir que a maior economia europeia tem energia suficiente para funcionar. Ao desligar a torneira do gás russo, o ministro da Economia, Robert Habeck, do partido Os Verdes, teve de procurar rapidamente outros parceiros - e mandou construir terminais de gás liquefeito junto à costa, no norte do país.
Robert Habeck: "Começámos cedo a construir rapidamente as infraestruturas necessárias, as plataformas de LNG; começámos cedo a comprar gás com dinheiro dos contribuintes, para ter o necessário para o Inverno."
Além do gás, a Alemanha continua a usar energia a carvão. E Habeck foi também confrontado com a notícia de que faltava dinheiro para a transformação energética. O Tribunal Constitucional proibiu o Governo de usar 60 mil milhões de euros de fundos que sobraram do combate à pandemia para projetos ambientais; Berlim teve de ir à procura de alternativas.
A popularidade de Habeck caiu a pique. As críticas ao ministro aumentam, fora e dentro do partido.
"O verde tem muitos tons" - é o segundo episódio do podcast da Renascença "A guerra ali ao lado", sobre a invasão da Ucrânia da perspetiva da Alemanha. O meu nome é Guilherme Correia da Silva, sou jornalista e correspondente da Renascença na Alemanha.
Som do congresso dos Verdes em Münster
O porta-voz dos Verdes na Renânia do Norte-Vestfália recebe-nos pessoalmente na sala de imprensa do centro de congressos em Münster. Daqui a pouco temos encontro marcado com Yazgülü Zeybek, uma das líderes dos Verdes no estado federado.
O porta-voz pergunta se está tudo bem e confirma a entrevista.
Na sala de imprensa há café, fruta, pequenos copos com uma salada fria de massa. Temos também vista privilegiada para a sala da conferência dos Verdes. Os delegados começam a chegar.
No lado oposto ao palco, foi pendurada uma bandeira gigante azul e amarela, com a frase: "Estamos com a Ucrânia".
Nas eleições passadas, em 2021, os Verdes (pacifistas) tinham cartazes em que diziam "não às armas para zonas de conflito". Dois anos depois, são dos maiores partidários do envio de armas para a Ucrânia.
Annalena Baerbock, a chefe da diplomacia alemã, dos Verdes, explicou que é uma questão de princípios.
Annalena Baerbock: "Não olhamos para o lado, não optamos pelo caminho mais fácil, desejando [meramente] que não haja guerra. Não, vamos defender as pessoas na Ucrânia o melhor que podemos, fornecendo-lhes armas."
Quando nos sentamos para falar com Yazgülü Zeybek, a co-líder dos Verdes na Renânia do Norte-Vestfália explica que essa decisão foi tomada de forma bastante consciente.
Yazgülü Zeybek: "Os Verdes não fizeram isso de ânimo leve. E, antes demais, foi uma decisão tomada pelo próprio governo federal em conjunto com os parceiros europeus e internacionais. Em primeira linha está o direito da Ucrânia à soberania, à integridade territorial e à autodefesa."
Rênas Sahin, da juventude dos Verdes, também diz que não vê contradição nenhuma.
Rênas Sahin: "Não creio que os Verdes tenham traído os seus princípios pacifistas."
Esta é uma discussão tão velha quanto o próprio partido, que foi fundado no início dos anos 80.
Houve sempre desavenças entre os chamados "Fundis", os "fundamentalistas" guardiães dos ideais originais dos Verdes, e os chamados "realistas" ou "Realos". Segundo o politólogo e historiador alemão Karlheinz Niclauß:
Karlheinz Niclauß: "Isso não aconteceu só com a guerra na Ucrânia, é algo muito mais antigo. Por exemplo, no final dos anos 90, houve uma discussão acesa sobre a missão da NATO no Kosovo, em que também estavam envolvidos aviões alemães. Era a primeira mobilização de militares alemães desde a Segunda Guerra Mundial. E houve um congresso dos Verdes em que atiraram um saco de tinta ao então ministro dos Negócios Estrangeiros, Joschka Fischer (risos)."
Era tinta vermelha. Os críticos acusavam o ministro dos Verdes (pacifistas) de belicismo. O episódio ficou para a história - e é também lembrado pelo politólogo Jakob Schwörer.
Jakob Schwörer: "Não foi uma imagem bonita, o saco de tinta, que explodiu no tímpano de Joschka Fischer. É um episódio que revela a polarização no partido sobre a missão no Kosovo. E Fischer disse uma frase que ficou famosa: 'afirmámos nunca mais à guerra, mas também afirmámos nunca mais a Auschwitz.’ Ou seja, era uma decisão que tinha a ver com valores que era necessário defender. E sobre a questão do fornecimento de armas à Ucrânia, é claro que houve discussão, houve desentendimentos, mas não foi nada de substancial."
Vingou nos Verdes a ideia de que fornecer armas a Estados democráticos, que defendem os Direitos Humanos, pode ser parte da política externa alemã, acrescenta Schwörer.
O historiador Karlheinz Niclauß diz mais:
Karlheinz Niclauß: "Eu diria que, na política externa, os Verdes tornam-se cada vez mais realistas, enquanto na área da política climática ainda há outros bastiões (risos). Isso é um problema para o partido."
Vamos até ao Jardim Botânico, na cidade de Colónia. Passamos por um enorme repuxo com canteiros de flores à volta e chegamos a um palácio do século XIX em tijolo, ferro e vidro. É aqui que Sahra Wagenknecht vai falar, num festival de filosofia.
Wagenknecht, de 54 anos de idade, é deputada, escritora e causou um pequeno alvoroço em outubro, quando anunciou que ia deixar a sua formação política, a Esquerda, e criar um novo partido antissistema. Ela é contra o fornecimento de armas a Kiev, é contra a entrada da Ucrânia na União Europeia e a favor de negociações de paz com a Rússia.
É isso que deviam pedir os partidos de esquerda, diz Wagenknecht, mas quem o faz na Alemanha tem sido o partido de extrema-direita AfD.
Sahra Wagenknecht: "A postura da direita foi sempre resolver os problemas militarmente, com armas, e a postura da esquerda tem sido sobretudo procurar soluções diplomáticas, alcançar um entendimento. Os próprios Verdes, no último programa eleitoral, eram contra o fornecimento de armas a zonas em conflito. Houve uma inversão [de papéis] da esquerda e da direita."
Ao lado de Wagenknecht, o colega de painel começa a agitar-se na poltrona.
Sahra Wagenknecht: "E a AfD viu [uma oportunidade] nesta questão da Ucrânia. Quer que se aposte em negociações de paz, porque esta guerra não se resolverá militarmente. Isso é algo que mais ninguém defende. A AfD descobriu aqui uma lacuna. E se dois terços dos eleitores da AfD dizem que votam no partido, não por convicção, mas porque estão desiludidos com os outros partidos, afirmar que estes eleitores são todos meio nazis é a maior parvoíce que se possa imaginar."
Em vez de chamar nomes aos eleitores, o resto dos partidos devia perguntar porque é que as pessoas votam na AfD, acrescenta Sahra Wagenknecht. Isso aplica-se tanto na política externa como em questões sociais, como as reformas ou as ajudas às famílias. A AfD está em segundo lugar nas sondagens, a seguir aos conservadores da CDU e acima de todos os partidos da coligação no governo.
Wagenknecht propõe agora um "antídoto" de extrema-esquerda para a extrema-direita.
Ao lado da deputada, o historiador Per Leo pede para intervir.
Per Leo: "Você defende uma posição de esquerda, perfeitamente compreensível… Mas dizer que só a esquerda defende negociações, em vez da guerra… Desculpe, o Exército Vermelho não era de esquerda? A Frente Nacional para a Libertação do Vietname não era de esquerda? A Organização para a Libertação da Palestina não era de esquerda? […] O que eu quero dizer com isto é que é errado reduzir o tema das armas a uma questão de esquerda ou de direita."
Som do Congresso dos Verdes em Münster
De volta ao congresso dos Verdes, em Münster, sobe ao palco Rênas Sahin. Vai com o primeiro botão da camisa desabotoado.
O porta-voz da juventude dos Verdes na Renânia do Norte-Vestfália faz um apelo aos colegas de partido, para acelerar o combate às alterações climáticas. Diz que as metas atuais não são corajosas o suficiente. Pede que se atinja a neutralidade climática já em 2035, em vez de 2045.
Rênas Sahin: "A situação lá fora piora cada vez mais. Há fogos florestais, cheias, também aqui no nosso estado. Há milhões de pessoas afetadas e esse número aumenta todos os dias. E não sei o que trará o futuro, nem para mim, nem se eu tiver filhos. É por isso que estou aqui, porque não me satisfaço com esta perspetiva."
O pedido é negado, por pouco. Os delegados no congresso estão divididos. Tão divididos que é difícil perceber se o pedido foi aprovado ou rejeitado, porque o voto é com as mãos no ar. O "chumbo" da proposta é justificado com o medo de comprometer negociações futuras com outros partidos, ao exigir a neutralidade climática na Renânia do Norte-Vestfália dez anos mais cedo. Este é o estado mais populoso da Alemanha - fica no oeste do país - e é também onde fica uma das maiores regiões industriais da Europa.
Depois da votação, no congresso dos Verdes em Münster, Rênas Sahin diz que está bastante desapontado com o resultado.
Rênas Sahin: "O governo federal não está a ser suficientemente rápido, o governo da Renânia do Norte-Vestfália não está a ser suficientemente rápido. O problema é que a crise climática continua, piora dia após dia. E no mundo, na Europa, na Alemanha, falta a força e faltam as maiorias para acelerarmos o ritmo."
Para Yazgülü Zeybek, co-líder dos Verdes na Renânia do Norte-Vestfália, este é um debate normal.
Yazgülü Zeybek: "Não sei já esteve noutros congressos nossos, mas faz parte da nossa cultura. É quase da natureza dos Verdes discutirmos todos estes pontos. Será que os nossos objetivos são os corretos? Porque, a longo prazo, temos de analisar qual a melhor forma de nós, como estado, podemos ajudar a limitar o aquecimento global a um máximo de 1,5 graus."
Mas pergunto: qual seria a data certa, 2035 ou 2045?
Yazgülü Zeybek: "Não se trata de uma questão de certo ou errado, mas de como avançar o mais rapidamente possível."
Insisto: 2035 é demasiado cedo para os Verdes? O partido está preso aos compromissos com os parceiros?
Yazgülü Zeybek: "Nós não agimos sozinhos. Temos de pensar sempre nos cenários políticos, em termos de maiorias parlamentares, e organizá-las. A nível federal, os outros partidos democráticos também são a favor da neutralidade climática, mas quando se trata de medidas concretas [como o fim do aquecimento a gás e óleo em novos edifícios], os objetivos ambiciosos passam talvez para segundo plano."
Quando Yazgülü Zeybek fala nos outros partidos democráticos quer dizer todos os partidos no Parlamento, menos a AfD.
O partido de extrema-direita acusa os Verdes de "ditadura ecológica", particularmente com uma nova lei que prevê a eliminação progressiva de sistemas de aquecimento privados a óleo e gás, a partir de 2024. É uma lei que, segundo a AfD, prejudica ainda mais o bem-estar das famílias alemãs, numa altura em que o poder de compra já é baixo por causa da inflação e da crise energética, com a guerra na Ucrânia.
O partido resume tudo a uma questão de prioridades: o que está em primeiro lugar? Pagar as contas no fim do mês ou fazer a transição energética? Aos jornalistas, em setembro, Alice Weidel, uma das líderes da AfD, disse que duvida da capacidade do governo federal de continuar a gerir o país.
Alice Weidel: "Para este Governo verde enlouquecido, não há problema em importar eletricidade da Ucrânia ou que a Ucrânia continue a usar as suas antigas centrais nucleares, mas o ministro da Economia e Ação Climática [dos Verdes] fecha centrais nucleares modernas na Alemanha."
As três últimas centrais nucleares da Alemanha foram encerradas em abril de 2023. Era um sonho dos ambientalistas alemães há muitas décadas.
E é nesta corda bamba que o ministro da Economia, dos Verdes, se movimenta - entre os que pedem mais rapidez e os que dizem que a transição energética está a ser rápida demais.
Depois, há outras polémicas. Em 2022, Robert Habeck foi ao Qatar - um país acusado de constantes violações dos direitos humanos. Habeck foi em busca de gás natural liquefeito por causa do fim das importações de gás russo, devido à guerra na Ucrânia.
Nessa ocasião, o pragmatismo sobrepôs-se à ideologia, comenta o professor alemão Karlheinz Niclauß.
Karlheinz Niclauß: "A questão da moralidade da política externa não desempenhou qualquer papel na viagem do ministro Habeck ao Qatar. Baseou-se simplesmente em factos e interesses - interesses políticos e económicos específicos, que são geralmente definidos pela chancelaria federal [de Olaf Scholz]."
Mesmo que isso vá contra a imagem que a Alemanha tenta passar no mundo, diz o politólogo e historiador.
Karlheinz Niclauß: "O que está por trás de toda a política climática? A ideia de que a Alemanha, como país neutro em termos climáticos, poderia ser um exemplo para outros países, e que o clima pode ser salvo desta forma. É uma alta pretensão moral."
Outro exemplo é Lützerath, uma aldeia no oeste da Alemanha com uma das maiores minas de carvão a céu aberto do mundo.
Inga Feuser: "Lützerath tornara-se nos últimos anos um local importante para os protestos contra as alterações climáticas."
Na Internet, dá para ver a imagem de satélite da cratera formada pela mina de carvão.
Inga Feuser: "Se se queimasse aquele carvão que ali está, seria impossível cumprir as promessas alemãs para manter o aquecimento global abaixo dos 1,5 graus em relação aos níveis pré-industriais."
Inga Feuser é uma ativista do movimento "Professores pelo Futuro". E participou nesses protestos em Lützerath…
Som dos protestos em Lützerath
... Esteve lá a 11 de janeiro de 2023, o dia em que a aldeia começou a ser despejada para expandir a mina de carvão. Centenas de polícias foram destacados para o local. A ativista sueca Greta Thunberg também lá esteve e foi detida.
Inga Feuser: "Senti que estava num filme. Para nós, era óbvio que não iríamos responder com violência. Não conseguiríamos salvar a aldeia. […] Mas tive bastante medo. A polícia apareceu com bastões, com spray pimenta. Vi aquele equipamento todo, eles de preto, os capacetes, e tive medo. Por isso, começámos a cantar."
Canções do movimento pela defesa do clima… Uma delas diz assim:
"Lutem! Resistam! Contra o carvão no país. Vamos protestar".
Inga Feuser: "A polícia deu-nos uma última oportunidade. Disseram-nos, 'se saírem daqui agora, não vos vamos identificar. Podem ir'. E muitos dos que estavam ali puseram cola na ponta dos dedos com purpurina, para não lhes tirarem as impressões digitais. Não tinham levado bilhete de identidade, nem telemóvel. Mas para mim, ser detida estava fora de questão, porque tenho dois filhos em casa. Foi por isso que resolvi sair."
A aldeia de Lützerath foi destruída com os Verdes no Governo. Até hoje, o partido defende o acordo com a operadora da mina, para demolir Lützerath e, em contrapartida, acabar com a mineração do carvão até 2030 - oito anos mais cedo do que o previsto.
Yazgülü Zeybek: "Sem dúvida. Com essa nova data, poupámos uma quantidade incrível de dióxido de carbono do carvão que seria extraído e queimado."
Diz Yazgülü Zeybek, co-líder dos Verdes na Renânia do Norte-Vestfália.
A ativista dos "Professores pelo Futuro", Inga Feuser, tem dúvidas quanto a esse argumento.
Inga Feuser: "A data não importa se for retirada a mesma quantidade de carvão. É uma questão de quantidade. A data não importa."
Pergunto-lhe o que é que vai ensinar aos alunos sobre Lützerath. Ela inspira fundo antes de responder:
Inga Feuser: "Eu sou professora de História e Religião, falamos constantemente de pessoas que foram para as ruas, protestar. Falamos sobre a Revolução Francesa, Martin Luther King, Nelson Mandela, Gandhi. É importante reconhecermos que muitas mudanças importantes na nossa sociedade - a democracia, o voto das mulheres - foram sempre conquistadas de baixo. Você agora tocou num assunto que mexe comigo…"
Os jovens estão atentos, diz a ativista - o movimento pelo clima é um exemplo desse despertar de consciência…
Há diferentes pontos de vista, que é preciso ouvir, lembra Inga Feuser. Mas se o mundo ficar parado, não haverá mudanças.
Inga Feuser: "Mas sinto que há, em geral, uma grande sensação de desespero. Como professores, temos de nos perguntar - temos esse dever de questionar - como gerar esperança, e como se pode capacitar os alunos para gerar mudança, com base numa educação para um desenvolvimento sustentável."
Em Lützerath moravam cerca de 20 ou 30 pessoas. A aldeia foi destruída. Tornou-se, entretanto, um símbolo da diferença entre ideologia e pragmatismo.
Volodymyr Zelensky, discurso no Bundestag a 17.03.2022: "Chanceler Scholz. Povo alemão! Estou a falar-vos três semanas depois da invasão em larga escala da Ucrânia, depois de oito anos de guerra no leste do meu país, no Donbass. […] Liberdade e igualdade. A oportunidade de viver livremente, de não se submeter a outro Estado que nos considera como o seu território. Porque é que [os nossos militares] estão a defender tudo isto sem a vossa liderança? Sem a vossa força? Porque é que outros países distantes estão mais perto de nós do que vocês?"
É no próximo episódio.
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"A guerra ali ao lado" é um podcast Renascença, em três episódios, que olha a partir da Alemanha para a invasão russa da Ucrânia e aprofunda as consequências políticas, sociais e económicas de uma guerra que gerou ondas de choque na Europa e no mundo. Pode subscrever nas plataformas de podcast e em rr.pt.