18 mar, 2024 - 14:03 • Lusa
Um em cada dois habitantes da Faixa de Gaza vive uma situação alimentar catastrófica, especialmente no norte, onde a fome irá aumentar até maio, na ausência de "medidas urgentes", alertaram as agências especializadas em ajuda humanitária da ONU esta segunda-feira.
Mais de 1,1 milhões de habitantes de Gaza enfrentam "uma situação de fome catastrófica", o que constitui "o número mais elevado alguma vez registado" pela ONU, que se baseia no relatório sobre segurança alimentar no mundo, hoje publicado.
O relatório, realizado por um grupo de organizações internacionais e instituições de ajuda humanitária conhecido como Iniciativa Integrada de Classificação da Fase de Segurança Alimentar, ou IPC, refere a existência de uma situação terrível para mais de metade da população de Gaza, mas adianta que o cenário ameaça espalhar-se, colocando 2,2 milhões de palestinianos na mais ampla e grave crise alimentar do mundo.
Na classificação de crises alimentares, que o IPC distribui por cinco níveis, a Faixa de Gaza tem agora a maior percentagem de população a enfrentar o nível mais grave de insegurança e de carência alimentar (nível 5) desde que o organismo começou a reportar, em 2004.
A Faixa de Gaza, controlada pelo grupo islamita Hamas desde 2007 e alvo de uma ofensiva militar israelita desde outubro passado, ultrapassa situações registadas em países como Sudão, Somália ou Afeganistão, segundo explicou a vice-diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Beth Bechdol.
As pessoas no nível 5 são classificadas como "famintas" e enfrentam um risco real e agravado de desnutrição aguda e até de morte.
"O facto de Gaza ter 1,1 milhões de pessoas no IPC 5 não tem precedentes", garantiu a responsável da FAO, acrescentando que "esta é uma crise 100% provocada pelo homem: "Não há furacões, não há ciclones, não há inundações de 100 anos. Não há secas prolongadas".
Este novo relatório deverá intensificar as duras críticas que têm sido dirigidas a Israel ao longo das últimas semanas, devido aos bloqueios de água, de alimentos, de energia e de ajuda humanitária, tendo hoje mesmo o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, reiterado que Telavive está a usar a fome como "arma de guerra".
"Em Gaza já não estamos à beira da fome; estamos num estado de fome, que afeta milhares de pessoas", afirmou Borrell no início de uma conferência sobre ajuda humanitária, em Bruxelas.
De acordo com este novo relatório, praticamente todos os agregados familiares em Gaza saltam refeições todos os dias e os adultos estão a reduzir as suas refeições para que as crianças possam comer.
No norte de Gaza, quase dois terços de todos os agregados familiares tiveram membros a passar dias e noites inteiros sem comer pelo menos 10 vezes nos últimos 30 dias, com uma em cada três crianças com menos de 2 anos de idade "gravemente desnutridas".
No sul, cerca de um terço dos agregados familiares enfrentam dias e noites sem comida.
Mais de 20 pessoas, na sua maioria crianças, terão morrido só no norte devido a subnutrição aguda, de acordo com informações recentes do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.
O relatório atribui as condições ao "conflito generalizado, intenso e implacável" que forçou aproximadamente 1,9 milhões de pessoas, ou 85% da população de Gaza, a fugir das suas casas, e fez mais de 31.000 mortos e 73.000 feridos, segundo as autoridades de saúde de Gaza.
A isto acrescentam-se perdas importantes de infraestruturas, incluindo para produção e distribuição de alimentos, e um acesso humanitário extremamente limitado.
A avaliação anterior do IPC sobre Gaza, divulgada em dezembro, referia que toda a sua população sofria de elevada insegurança alimentar e estava em risco de fome.
Embora as hostilidades em curso sejam um fator-chave para a rápida deterioração da situação, o "acesso humanitário extremamente limitado" à Faixa de Gaza agravou a situação, denunciou ainda o relatório publicado esta segunda-feira.
A publicação do relatório irá agora desencadear uma avaliação por parte de um Comité de Revisão da Fome, composto pelos principais especialistas internacionais independentes em segurança alimentar, nutrição e mortalidade.