01 abr, 2024 - 16:31 • Redação com Reuters
Ambos jogaram futebol, tiveram problemas com a justiça e têm as suas raízes familiares na região oriental do Mar Negro. Mas as semelhanças entre o Presidente turco e Ekrem Imamoglu terminam aí. O novo presidente da câmara de Istambul — um cargo que já foi de Erdogan — venceu pela terceira vez o AKP na cidade turca e é visto, cada vez mais, como a principal pedra no sapato do Presidente.
Este domingo, o partido de Recep Taiyp Erdogan foi derrotado nas autárquicas: o Partido Republicano do Povo (CHP), principal partido da oposição, conseguiu 37,7% dos votos contra 35,5% do AKP de Erdogan. A vitória mais importante foi a reeleição de Imamoglu como autarca de Istambul.
Ekrem Imamoglu ganha, assim, o carimbo de principal adversário do reinado de Erdogan e potencial futuro chefe de Estado. No entanto, o seu caminho é semelhante ao do Presidente turco, que governou Istambul na década de 1990. Além de terem governado a maior cidade do país, ambos têm raízes familiares na região oriental do Mar Negro e as suas carreiras políticas têm sido interrompidas por problemas com os tribunais da Turquia. Na juventude, foram grandes futebolistas: Imamoglu foi guarda-redes, Erdogan avançado.
Depois da vitória de domingo, Imamoglu, 53 anos, é agora um potencial futuro Presidente da Turquia, na opinião de muitos analistas. O próprio Imamoglu viu no resultado um recado para o atual Presidente: "Aqueles que não compreenderem a mensagem da nação acabarão por perder." De resto, o recém-eleito autarca fez questão de sublinhar que as suas ideias e as de Erdogan "são opostas".
Erdogan entrou na política com um partido islamista e tem remodelado o Estado secular desde que chegou ao poder em 2002. Em contraste, Imamoglu pertence ao Partido Republicano do Povo (CHP) — membro do Partido dos Socialistas Europeus, da Internacional Socialista e da Aliança Progressista ao qual aderiu em 2008 e do qual se tornou presidente da câmara no distrito de Beylikduzu, em Istambul, há 10 anos.
Entre as vitórias de Imamoglu está o ter conseguido ultrapassar os habituais cerca de 25% de apoio do CHP social-democrata na Turquia e apelar aos eleitores mais conservadores.
Em 2019, Imamoglu provou o seu valor, ao conseguir a maior derrota do AKP em duas décadas e ao vencer o seu candidato não uma, mas duas vezes. Um tribunal anulou a vitória de março desse ano, apenas para dar lugar a uma nova vitória, e por uma margem maior, numa nova eleição em junho.
Erdogan recuperou e foi reeleito Presidente no ano passado, apesar das tensões económicas generalizadas, desafiando muitas sondagens. Mas Imamoglu conseguiu um novo golpe para a oposição.
"Esta é mais do que uma eleição para presidente da câmara, é a passagem de uma mentalidade à história", disse Imamoglu, referindo-se às políticas do adversário, durante a campanha. "Se for remetida para a história, a democracia reviverá... e a lei e a justiça recuperarão."
Os críticos de Erdogan afirmam que o poder judicial, os direitos civis e as liberdades de imprensa da Turquia foram corrompidos durante o seu mandato, acusações que o governo nega.
O próprio Imamoglu enfrentou problemas judiciais. Após a sua vitória em 2019, um juiz condenou-o a dois anos e meio de prisão, impondo-lhe uma proibição de ter cargos políticos por ter insultado funcionários públicos. O tribunal de recurso ainda não se pronunciou sobre o caso.
A condenação reflete a experiência de Erdogan, que foi preso em 1999 por ter recitado um poema que um tribunal considerou ser um incitamento ao ódio religioso.
No ano passado, um outro tribunal abriu um processo contra Imamoglu sob a acusação de fraude em concursos públicos, crime que pode ser punido com três a sete anos de cadela. Os críticos de Erdogan veem estes processos como uma tentativa de prejudicar politicamente Imamoglu. Erdogan e o seu AKP negam-no.
Apesar do que descreve como obstáculos de Ancara, Imamoglu disse que a sua administração tem prestado um bom serviço em Istambul, uma cidade de 16 milhões de habitantes que impulsiona a economia da Turquia.
A metrópole está a um mundo de distância da província de Trabzon, no Mar Negro, onde Imamoglu nasceu em 1970 e passou o que descreve como uma infância feliz no meio da sua "natureza verdejante, mar agitado e ruas de pedra". Estudou na Universidade de Istambul e licenciou-se em gestão de empresas em 1994, ano em que Erdogan se tornou presidente da Câmara, antes de se dedicar ao negócio de construção da sua família. É casado e tem três filhos.
A vitória de domingo contrastou com a de 2019. Nessa altura, Erdogan foi apoiado por uma aliança da oposição que se desmoronou no ano passado após a derrota nas eleições gerais. Desta vez, o seu apoio veio de "uma forte aliança de consciência, estabelecida por milhões de pessoas sedentas de democracia e justiça".
Muitos analistas preveem agora um novo sucesso para Imamoglu. "Se estas eleições não forem anuladas, ele será Presidente em 2028", disse à Reuters Ozer Sencar, diretor do instituto de sondagens Metropoll, antes das eleições.
A rivalidade entre Imamoglu e Erdogan pode aquecer na cena nacional nos próximos anos, mas o presidente da câmara recordou recentemente o cenário mais mundano em que se cruzaram pela primeira vez. Em meados dos anos 1990, depois de Erdogan se ter tornado presidente da câmara, visitou o restaurante de almôndegas que o jovem Imamoglu geria no bairro de Gungoren, em Istambul.
"Quando ele estava nos seus primeiros meses como presidente da câmara, eu recebi-o", disse Imamoglu. "Ele comeu almôndegas no meu restaurante. Não aceitei o seu dinheiro. Ele não vai pagar essa conta enquanto for vivo."