17 abr, 2024 - 20:05 • João Pedro Quesado , com Reuters
Sob um céu nublado na ilha grega de Lesbos, Safika - um requerente de asilo afegão - pôs uma rosa vermelha sobre o túmulo de um refugiado que morreu a tentar chegar à Europa. A lápide dizia "desconhecido".
Quase uma década desde que os primeiros corpos foram enterrados neste campo na aldeia de Kato Tritos, um grupo de voluntários procurou transformar o terreno abandonado e coberto de vegetação num cemitério, que foi inaugurado esta quarta-feira.
Os voluntários passaram meses a limpar o terreno, descobrindo e contando sepulturas que desapareceram debaixo das ervas altas que cresceram ao longo dos anos.
Sepulturas feitas de cimento e cobertas com seixos brancos substituíram os montes baixos de terra, dificilmente identificáveis por um pedaço de mármore partido ou por um pedaço de pau.
"Eles vêm em busca de uma nova vida, de uma nova oportunidade. Lamento... Eles afogam-se no mar", disse Sohrab Shirzad, um voluntário do Afeganistão.
“Agora estou feliz, agora isto torna tudo muito melhor”, disse.
Fabiola Velasquez, fisioterapeuta chilena que está em Lesbos - a dirigir a instituição de caridade médica Earth Medicine e cofundadora do projeto -, disse que agora é "um lugar onde todos aqueles que perderam a vida em busca de refúgio na Europa poderiam ser lembrados".
“Toca-me o quão difícil pode ser para um ser humano morrer tragicamente numa terra distante, longe da sua casa”, confessou à Reuters.
Em 2015, Lesbos esteve na linha da frente da crise de refugiados na Europa. Milhares de pessoas, a maioria sírios que escapavam da guerra civil, desembarcavam nas praias todos os dias. A costa estava pontilhada de coletes salva-vidas de cor laranja brilhante.
Embora esteja a apenas 4,4 quilómetros da costa turca, centenas e centenas de pessoas morreram afogadas durante a perigosa travessia em barcos de borracha sobrelotados.
Fechou-se a porta. Um aperto de mão com a Turquia (...)
Segundo Fabiola, a equipa, que incluiu requerentes de asilo que vivem no campo de migrantes da ilha, identificou 197 sepulturas, mas espera que o número aumente.
Muitos dos mortos – que foram trazidos pela primeira vez para Kato Tritos em 2015, depois de um cemitério local ficar sem espaço – nunca foram identificados. Acredita-se que famílias inteiras tenham morrido no mar.
Uma das sepulturas identifica apenas "Bebé desconhecido. Menina. 3 meses. Não 31". Outro assinala “menino desconhecido, de 7 anos”.
Sabe-se que quase 3.000 pessoas morreram ou desapareceram desde 2015 enquanto tentavam chegar à Grécia, afirma o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), incluindo 799 no ano passado – um dos anos mais mortíferos já registados.
Embora as chegadas à Grécia tenham diminuído drasticamente, Lesbos continua a ser uma das principais portas de entrada na UE, segundo os dados das Nações Unidas.