31 jul, 2024 - 23:43 • João Pedro Quesado com Reuters
Donald Trump atacou esta quarta-feira Kamala Harris pela identidade racial da vice-presidente dos Estados Unidos da América (EUA), sugerindo que a provável candidata do Partido Democrata à Casa Branca está a usar a identidade negra por razões políticas.
O candidato do Partido Republicano (pela terceira vez) esteve na convenção da Associação Nacional de Jornalistas Negros, a menos de 100 dias das eleições presidenciais de 2024, mostrando-se agressivo perante várias perguntas.
"Ela é indiana ou é negra?", questionou Trump, perante cerca de mil pessoas, acrescentando que "ela era indiana desde sempre e de repente mudou e tornou-se negra".
Kamala Harris tem tanto ascendência afro-americana, como indiana - o pai, professor de economia na Universidade de Stanford, emigrou da Jamaica para os Estados Unidos da América em 1961, enquanto a mãe, bióloga cujos estudos contribuíram para a investigação do cancro da mama, emigrou da Índia para os EUA em 1958. Harris é ainda a primeira pessoa negra e ásio-americana a desempenhar as funções de vice-presidente dos EUA.
Em 2019, na campanha para as primárias do Partido Democrata, um dos filhos de Donald Trump, Donald Trump Jr., partilhou um tweet em que a identidade afro-americana de Kamala Harris era questionada - a publicação já não existe, mas foi noticiada pela "CNN" na altura. Ao justificar-se, a campanha de Donald Trump disse que Donald Trump Jr. não sabia que Harris tinha ascendência indiana.
Donald Trump foi, ainda, um dos principais promotores das teorias de conspiração à volta da cidadania de Barack Obama - movimento conhecido como "birther". Em 2011, quando dizia estar a considerar seriamente uma candidatura à presidência dos EUA, Trump começou a pedir constantemente que Obama mostrasse o certificado de nascimento, chegando até oferecer um donativo de cinco milhões de dólares à organização da escolha de Obama em troca da publicação do certificado.
Eleições EUA
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A presença de Trump na convenção Associação Nacional de Jornalistas Negros teve outros momentos questionáveis que fizeram levantar sobrancelhas. Num deles, Donald Trump voltou a afirmar que foi o melhor Presidente para os afro-americanos desde Abraham Lincoln, que aboliu a escravatura; noutro, prometeu de novo perdoar todos os condenados pelo ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio; e reagiu mal a questões que lhe foram colocadas.
Questionado pela principal correspondente da ABC News no Congresso norte-americano porque é que os eleitores negros podem confiar nele, Trump disse: "Primeiro, acho que nunca foi questionado de uma forma tão horrível, uma primeira questão. Nem diz 'olá, como está'. Você é da ABC, porque eu acho que são um canal de notícias falsas, um canal terrível". Vários momentos já estão a ser usados pela campanha de Kamala Harris para demonstrar o "caos e divisão" trazidos por Trump, como disse a campanha num comunicado.
Trump evitou ainda responder diretamente a uma questão sobre a prontidão de J.D. Vance, o candidato dos republicanos a vice-presidente. "Sempre tive muito respeito por ele, e pelos outros candidatos também. Historicamente o vice-presidente não tem nenhum impacto em termos da eleição", apontou, parecendo desvalorizar a escolha que ele próprio fez - e que tem sido algo questionada entre os republicanos.
O convite a Donald Trump foi criticado por vários membros da associação, levando até a uma demissão. Durante a entrevista, algumas mentiras do ex-presidente mereceram risos da plateia. A certa altura, uma pessoa na plateia gritou, perguntando se Trump "não tem vergonha".
Trump tem cortejado ativamente os eleitores afro-americanos e realizado eventos em cidades com grandes populações dessa etnia, incluindo Atlanta, na Geórgia, onde vai realizar um comício no sábado - na mesma arena em que Kamala Harris juntou mais de 10 mil pessoas na terça-feira, num comício que contou com uma atuação da rapper Megan Thee Stallion.
Donald Trump ganhou espaço junto dos homens afro-americanos em particular depois de o Presidente Joe Biden ter dificuldades para mobilizar esses eleitores, tradicionalmente o bloco mais leal de eleitores democratas - Biden conquistou 92% destes em 2020, contra os 8% conseguidos por Trump, de acordo com a Pew Research.
Eleições nos EUA
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Esta terça-feira, uma das primeiras sondagens conduzidas em sete estados decisivos para as eleições presidenciais nos EUA após a desistência de Joe Biden mostra Kamala Harris a apagar praticamente a liderança de Donald Trump em todos eles. O candidato republicano fica a liderar apenas na Pensilvânia, por quatro pontos percentuais, e na Carolina do Norte, por dois pontos, e regista um empate com Harris na Geórgia, mas fica atrás no Arizona, Nevada e Wisconsin por dois pontos, e no Michigan por 11 pontos.
Mais importante, um terço dos eleitores nos sete estados diz agora que é mais provável votar nas eleições de 5 de novembro, após a troca de candidato dos Democratas, com o número a aumentar para 49% e 44% entre eleitores afro-americanos e hispânicos - dois dos alvos da campanha de Kamala Harris. Quase dois terços dos eleitores afro-americanos dizem que é agora algo provável ou muito mais provável votar em novembro.
Esta quarta-feira, o sindicato Trabalhadores dos Automóveis Unidos (United Automobile Workers, de sigla UAW), um dos sindicatos mais poderosos dos EUA, declarou o apoio a Kamala Harris. O UAW representa cerca de 400 mil trabalhadores, e tem forte presença nos estados do Wisconsin e Michigan.
Eleições nos EUA
1,4 milhões de pessoas doaram mais de 126 milhões (...)
Kamala Harris é a mais que provável candidata do Partido Democrata às eleições presidenciais, tendo sido confirmada, esta quarta-feira, como a única candidata à nomeação do partido - cuja votação começa esta quinta-feira, 1 de agosto. O início da campanha dificilmente podia ter sido melhor: uma onda de apoios, boas notícias nas sondagens, uma angariação de fundos tão forte que atingiu os 200 milhões de dólares em sete dias, e uma mudança de sentimento dos Democratas em torno das eleições de novembro, injetando energia num partido que parecia resignado a perder.
Vários agregadores de sondagens mostram, neste momento, Harris a aproximar-se de Trump. Apesar disso, a aproximação não é suficiente: a vantagem natural que o sistema do Colégio Eleitoral dá ao Partido Republicano cria hipóteses reais, de cerca de 20%, de este vencer uma eleição para a Casa Branca mesmo com uma desvantagem de três a quatro pontos percentuais na votação global nacional - que equivalem a vários milhões de votos. Em 2016, Hillary Clinton perdeu apesar de conquistar a votação nacional por 2,1 pontos, o que equivaleu a mais de 2,8 milhões de votos de vantagem.
A vantagem inerente dos Republicanos neste sistema eleitoral surge devido à distribuição dos votos eleitorais, que é igual à soma do número de deputados de cada estado na Câmara dos Representantes ao número de senadores, que são sempre dois por estado. A soma dos dois senadores reforça o poder dos muitos estados menos populosos, que tendem a votar no Partido Republicano, e tem um efeito insignificante nos estados maiores, onde os Democratas tipicamente vencem (com a exceção do Texas e da Flórida).
Tal como na “corrida” à Casa Branca, é importante (...)