27 nov, 2024 - 19:50 • Pedro Mesquita
Venâncio Mondlane garante, em entrevista à Renascença, que o atual protesto em Moçambique "é mesmo para continuar".
O candidato presidencial, que reclama a vitória nas urnas, sublinha que optou por uma estratégia que evitasse qualquer tipo de confrontação física e a perda de vidas.
Infelizmente, diz, "a polícia parece que não gosta disso. Tanto mais que há esta quarta-feira um vídeo que está a rolar no mundo inteiro, de um carro militar blindado que, digamos, passou por cima de uma senhora quando estavam, pura e simplesmente a dançar no meio da estrada, sem queimar nenhum pneu, sem fazer nenhuma barricada, sem criar nenhum desacato à ordem...mas a polícia é que está, realmente, a querer desacatos". Venâncio insiste: "Vamos continuar. Não há motivos para não continuar".
Noutro plano, o candidato explica que não aceitou o convite do Presidente da República para uma reunião com todos os candidatos, porque Filipe Nyusi não respondeu às suas precondições, e corria o risco de ser preso: "Eu tenho cerca de três ou quatro processos movidos contra mim. Um deles tem um mandado de busca e captura".
E quando a Renascença pergunta a Venâncio Mondlane o que acontecerá se, em dezembro, o Conselho Constitucional validar a vitória de Daniel Chapo, da Frelimo, o candidato responde: "Acredito que vai haver um recrudescimento dos protestos de rua, e penso que o país pode entrar num colapso".
Moçambique assistiu esta quarta-feira ao início de mais uma vaga de protestos contra o resultado das presidenciais, que atribuem a vitória a Daniel Chapo, o candidato da Frelimo. Este protesto é mesmo para continuar?
É mesmo para continuar. Nós optámos por uma estratégia que evitasse qualquer tipo de confrontação física e, naturalmente, evitar perda de vidas. Infelizmente, a polícia parece que não gosta disso. Tanto mais que há hoje um vídeo que está a rolar no mundo inteiro, de um carro militar blindado que, digamos, passou por cima de uma senhora quando estavam, pura e simplesmente no meio da estrada, dançando, sem queimar nenhum pneu, sem fazer nenhuma barricada, sem criar nenhum desacato à ordem...mas a polícia é que está, realmente, a querer desacatos.
E esse não é o único caso. Temos vários vídeos de polícias lançando granadas de gás lacrimogêneo para as residências. Nós vamos continuar com as manifestações, permitindo que haja circulação de bens, que haja pessoas a trabalhar... então, vamos continuar. Não há motivos para não continuar.
Porque é que não compareceu à reunião convocada ontem pelo Presidente da República, Filipe Nyusi?
A questão central é a seguinte: o Presidente fez um convite... um convite sem agenda. O que é que nós fizemos? Nós dissemos que estamos disponíveis, mas enviamos um ofício. Um ofício que tinha propostas de temas para serem debatidos e um conjunto de precondições. Ele não reagiu a nenhuma das precondições.
Quais eram as precondições?
A primeira precondição é logicamente... Neste momento, eu tenho cerca de três ou quatro processos movidos contra mim. Um deles tem um mandado de busca e captura. Isso significa, portanto, que ele, ao fazer o convite, tem consciência de que está a convidar alguém que ele instruiu a abrir processos-crime e a detê-lo.
Moçambique
Pelo menos 67 pessoas morreram e outras 210 foram (...)
Receava chegar a Maputo e ser imediatamente detido?
Sim. Ser detido ou coisa pior, não é? Já temos vários precedentes em Moçambique, em que presidentes da República convidam pessoas para o encontro para os deter.
Se o Presidente da República lhe garantir a imunidade, caso regresse a Moçambique para esta tal reunião, o senhor virá?
Sim, obviamente que sim... não há problema nenhum. Mas ele tem que responder à carta, tem que responder ao ofício, não é? Aquilo que está a dizer agora, é exatamente o que nós estávamos a pedir...que ele se pronunciasse sobre o ofício que nós lhe enviámos. Ele não respondeu a Isso. Nós ainda colocávamos a possibilidade de uma participação virtual. Nem sequer houve um pronunciamento sobre isso.
Quando é que tenciona regressar a Moçambique?
Naturalmente que eu regressaria a Moçambique amanhã, caso tivéssemos todas as condições criadas.
Não está em Moçambique, neste momento. Posso deduzir isso...
Sim, não estou em Moçambique. Estou em mobilidade constante (risos), eu estou em mobilidade constante.
Pergunto-lhe isto porque, ainda ontem, o Presidente Filipe Nyusi admitiu a possibilidade de, juntamente com os outros candidatos, ir ter consigo à Gorongosa ou a outro sítio qualquer...
Isso é uma teatralização do Estado, é tentar fazer do Estado um palco de circo. Se ele tivesse a vontade genuína de conversar comigo e ouvir os meus pontos de vista em relação a isto, era só colocar a possibilidade de eu, virtualmente, intervir naquela reunião.
Como é que tudo isto pode acabar? Alínea A: Em guerra civil? Alínea B: Num golpe de Estado? Alínea C: Consigo no exterior, no exílio? Qual é a hipótese mais provável?
Olha, todas essas possibilidades são reais, mas falta a alínea D, que é um acordo entre os moçambicanos, de diferentes matizes políticas e sociais, para um Moçambique multicolor, um governo formado por várias sensibilidades políticas da sociedade civil e com uma revisão da Constituição, e uma reforma do Estado. Isso é possível, também. Penso que essa alínea D, para mim, seria o ideal.
Está a admitir-me a possibilidade de um governo de coligação, em que o senhor não seria Presidente, por exemplo?
Sim, não estou à procura de cargos, não tem que ser necessariamente o Venâncio com esse governo. É possível.
Aceitaria, por exemplo, que Daniel Chapo fosse Presidente se houvesse um governo multipartidário, que incluísse o seu partido?
Mesmo que eu quisesse aceitar, a vasta população que nos sustenta já se pronunciou sobre isso, de uma forma muito clara. Dizem, claramente, que não votaram no Chapo, que não votaram na Frelimo. Então, é importante ter a consciência de que os governos só existem se tiverem uma base social.
Deverá ser já em dezembro que o Conselho Constitucional se irá pronunciar sobre as eleições presidenciais. E se Daniel Chapo for confirmado como o eleito?
Se o Daniel Chapo for confirmado, vamos ver se o povo o confirma.
Acha, nesse caso, que há o eventual risco de um golpe de Estado?
Não vou falar de “golpe de Estado”, porque eu não sou militar, não sei como é que isso se faz, e não sou apologista disso. E nunca aceitaria fazer parte de nenhum governo que é proveniente de um golpe de Estado. Do que eu estou a falar é do povo que eu conheço, da população que eu conheço. Essa população, tenho a certeza absoluta de que não vai aceitar um resultado desses.
E o que poderá acontecer, nesse caso?
Porque eu acho que pode acontecer uma coisa óbvia. Eu acredito que vai haver um recrudescimento dos protestos de rua...e penso que o país pode entrar num colapso.