25 jun, 2014 - 17:57
A Assembleia da República poderá votar, antes de férias, a legislação sobre gestação de substituição ou, como é a mais conhecida, “barrigas de aluguer”. No parlamento estão em discussão duas propostas: uma do PSD e outra do PS.
O estudo desta legislação vem desde 2012 e, neste momento, na Comissão de Saúde, os deputados estão a tentar criar uma proposta única que vá a votação antes de 10 de Julho.
O tema e a legislação são complexos e há um conjunto de situações que podem ultrapassar os próprios critérios da lei, como os de cariz psicológico e emocional.
Defensores e críticos da legislação estão de acordo pelo menos num ponto: a dificuldade e complexidade do tema que se pretende legislar.
Maria de Jesus Correia é psicóloga clínica, especialista em psicologia da gravidez e da parentalidade, e é favorável à aprovação de uma lei que contemple a gestação de substituição. Mas defende a necessidade de critérios muito exigentes.
“Quer a mulher que dá o útero, quer a que não pode gerar a criança, precisam de se preparar para o processo, altamente exigente em termos emocionais e que envolve a necessidade de grande reflexão sobre o conceito de maternidade.”
Maria de Jesus Correia adianta à Renascença que “a avaliação psicológica é fundamental” e sublinha que neste processo existem “medos comuns” junto de todos os intervenientes: a gestante e os contratantes.
Ciúmes e insegurança
Com a gestante, mulher que disponibiliza o útero, “é necessário fazer um trabalho psicológico”, de modo a que se “separe de forma saudável da criança nascida”. Processo que “pode ser muito confuso para o psiquismo, sendo necessária uma redefinição interna do que é ser uma mãe”.
“Por mais que a mulher que vai carregar o bebé compreenda que se trata apenas de um acto de generosidade com o próximo, é impossível que não seja afectada emocionalmente pela gestação”, conclui a psicóloga Maria de Jesus Correia.
Do lado dos contratantes, Maria de Jesus Correia lembra que “um casal que tem de recorrer ao útero de outra mulher para realizar o sonho de ter um filho” deve ser acompanhado, pois depara-se com um “sentimento de impotência”.
Também a entrada de uma terceira pessoa no processo pode não ser pacífica. Esta psicóloga clínica refere que “o terceiro elemento poderá ser sentido como uma ameaça à relação”, dado que pode haver “algum ciúme, inveja ou insegurança” dentro do casal.
Neste contexto, Maria de Jesus Correia considera que a “preparação psicológica é fundamental e deve começar antes do processo biológico” sendo a única via segura de se “evitar problemas posteriormente”.
Os problemas da lei
A complexidade da eventual aplicação da própria lei leva Paulo Otero, constitucionalista e professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, a afirmar que “qualquer lei que venha a ser aprovada levanta mais problemas do que aqueles que resolve”. Para o especialista, a única forma de os evitar é “não avançar com esta lei”.
O constitucionalista deu alguns exemplos de problemas que a legislação enfrenta, na sua maioria relacionadas com os deveres e direitos das partes. Questiona, por exemplo, se “deve existir intervenção do cônjuge ou parceiro no consentimento da gestante?”
“Até que momento a mãe de gestação pode revogar o seu consentimento? Será que ela, a meio do contrato, depois de ver a criança, pode dizer “afinal eu quero ficar com esta criança para mim?” E se o fizer, está obrigada a indemnizar aqueles que com ela fizeram o contrato?”
O professor catedrático questiona ainda se o “contrato deve ser resolvido” em caso de o “casal contratante se arrepender, ou morrer, durante a gravidez”. Ou então, adianta Paulo Otero, “a criança que é objecto deste contrato tem defeito físico e isso é descoberto durante a gravidez. Podem aqueles que fizeram a encomenda impor uma cláusula que exija a intervenção voluntária da gravidez contra a vontade da gestante?”
A complexidade da legislação sobre gestação de substituição tem vindo a ocupar os trabalhos dos deputados da Comissão de Saúde da Assembleia da República, podendo a legislação ser sujeita votação ainda antes do início das férias parlamentares.