10 jul, 2015 - 19:36 • Ricardo Vieira
De empregado bancário em Trás-os-Montes a banqueiro, com uma carreira nos corredores do poder político pelo meio, o caminho de Armando Vara é feito de percalços, sobressaltos, polémicas e problemas com a justiça.
O ex-ministro socialista vai ficar em prisão domiciliária no âmbito do caso que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates. Armando Vara vai aguardar o desenrolar do processo em casa, com pulseira electrónica, e fica proibído de contactar com os outros arguidos, indica a Procuradoria-Geral da República (PGR), em comunicado. O arguido é suspeito dos crimes de corrupção passiva, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
Antes de chegar a ministro e conhecer o amigo José Sócrates (também detido no âmbito da "Operação Marquês"), trabalhou ainda jovem numa oficina de reparação de automóveis, em Bragança, onde revelou queda para os números.
Nascido há 61 anos em Lagarelhos, concelho de Vinhais, Bragança, a aptidão para as contas foi-lhe útil quando iniciou uma carreira como funcionário bancário num balcão da Caixa Geral de Depósitos, em Mogadouro.
A política entrou na sua vida após o 25 de Abril. Admirador do fundador do PS, Mário Soares, Armando Vara tornou-se militante depois da revolução e ajudou a dinamizar o partido em Trás-os-Montes.
A comunicação social sempre foi um dos seus amores. Ajudou a fundar um jornal local – "A Voz do Nordeste" – com a ajuda do partido.
Estudou Filosofia na Universidade Nova de Lisboa, mas não chegou a acabar o curso. Mais tarde, licenciou-se em Relações Internacionais, na extinta Universidade Independente, poucos dias antes de ser nomeado administrador da CGD – o "canudo" era obrigatório para ocupar a vaga.
Sim, senhor ministro
O papel de destaque no PS de Bragança abriu-lhe, aos 30 anos, as portas da Assembleia da República. Foi eleito deputado em 1985, numas eleições que ditaram a ascensão ao poder do PSD e de Cavaco Silva.
Foi parlamentar da oposição durante várias legislaturas e continuou a sua escalada no partido, chegando a vice-presidente do grupo parlamentar socialista.
A vitória de António Guterres nas legislativas de 1995 ditou a sua entrada para o Governo. Exerceu funções como secretário de Estado da Administração Interna até 1999.
Foi colega de José Sócrates, que foi escolhido para desempenhar funções como secretário de Estado do Ambiente.
Após as eleições desse ano, o secretário de Estado subiu mais um degrau na escadaria do poder. António Guterres nomeou-o ministro adjunto do primeiro-ministro, com os pelouros da Juventude, Toxicodependência e Comunicação Social.
Em 2000 passou a ministro da Juventude e Desporto, mas demitiu-se no final do ano na sequência de notícias sobre alegadas irregularidades cometidas pela Fundação para a Prevenção e Segurança, que fundara em 1999, quando era secretário de Estado.
Foi acusado pela oposição de criar um saco azul para financiar o PS, mas nada foi provado e o caso foi arquivado.
Deixa o Governo pressionado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, e em ruptura com o ministro da Administração Interna da altura, Fernando Gomes, que criticou publicamente.
Antes, Armando Vara foi protagonista de um episódio insólito na relação dos políticos com a comunicação social. A Renascença avançou que o então ministro tencionava demitir-se em rota de colisão com o chefe do Governo da altura, António Guterres.
Dias mais tarde, o ministro desmentiu a notícia e a Renascença, pela primeira vez, tomou a decisão de revelar a fonte de uma notícia: o próprio Armando Vara.
Bancário-político-banqueiro
Armando Vara ainda foi director de campanha nas autárquicas de 2001, que resultaram na demissão do primeiro-ministro António Guterres. Deixa a política definitivamente e regressa à banca pela porta grande. Torna-se director da Caixa Geral de Depósitos em 2000 e mais tarde ascende a administrador, entre Agosto de 2005 e o início de 2008.
Foi durante esse período que alegadamente esteve envolvido no financiamento da compra de um empreendimento imobiliário Vale do Lobo, no Algarve. Segundo a comunicação social, é por causa desse negócio ruinoso para a CGD que agora está sob suspeita no caso Sócrates.
Em Fevereiro de 2008, diz "adeus" ao banco estatal e transfere-se para o BCP. Torna-se vice-presidente do maior banco privado português de então.
Entre a passagem pelo Governo e saída da administração do BCP, os rendimentos de Armando Vara dispararam, com base em dados do Tribunal Constitucional e dos relatórios do banco.
De acordo com o livro "Como os Políticos Enriquecem em Portugal", do jornalista António Sérgio Azenha (ed. Lua de Papel, 2011), "a análise comparativa dos ganhos revela que, em apenas 16 anos, o seu rendimento anual aumentou 1.282%".
"Passou de uma remuneração do trabalho dependente, em conjunto com a sua então mulher, de 59.486 euros, em 1994, para um rendimento individual de 822.193 euros, em 2010", indica o autor.
"A subida vertiginosa dos rendimentos de Armando Vara ocorreu a partir de 2005, após ter sido nomeado pelo Governo de José Sócrates para a administração da CGD em Agosto desse ano. Nessa altura, o socialista, que fora colega de José Sócrates nos executivos de António Guterres, era director na CGD", escreve António Sérgio Azenha.
"De 4 de Agosto de 2005, data em que iniciou as funções de vogal da administração da CGD, a 9 de Janeiro de 2008, quando cessou funções de administrador no banco do Estado, Armando Vara quase triplicou o seu rendimento anual", que atingiu os 354.541 euros em 2007.
"Chocado" com Face Oculta
O antigo ministro socialista foi condenado, em Setembro do ano passado, a uma pena de cinco anos de prisão efectiva, por três crimes de tráfico de influência, no âmbito do processo Face Oculta.
Armando Vara ainda não começou a cumprir pena, porque aguarda o resultado do recurso que interpôs no Tribunal da Relação do Porto.
O caso está relacionado com uma alegada rede de corrupção que teria como objectivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho, nos negócios com empresas do sector empresarial do Estado e privadas.
Armando Vara foi condenado no processo "Face Oculta". Foto: Paulo Novais/Lusa
À saída de um interrogatório, em 2009, Armando Vara garantiu ao país que nunca recebeu dinheiro do empresário em troca de favores. Confirmou alguns jantares de negócios, num dos quais Manuel Godinho ofereceu-lhe uma "caixa de robalos" e um equipamento desportivo do Esmoriz.
No dia em que foi condenado a cinco anos de prisão no âmbito do processo "Face Oculta", o ex-político e banqueiro confessou aos jornalistas a sua surpresa pela decisão dos juízes. "Estou chocado", declarou.
Dois anos antes, em Maio de 2012, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) condenou o antigo "vice" da CGD a uma de 50 mil euros por "negligência". O regulador concluiu que Armando Vara, apesar de ter conhecimento dos factos, não impediu um conjunto de ilegalidades na rede comercial do banco estatal.
A justiça voltou agora a bater à porta. Armando Vara foi detido na quarta-feira, 9 de Julho, no âmbito da "Operação Marquês", em que o principal arguido é o seu amigo e ex-primeiro-ministro José Sócrates.
[notícia actualizada às 21h29 - Armando Vara foi director de campanha nas autárquicas de 2001].