16 jul, 2015 - 11:00 • João Carlos Malta
Faro, Lisboa, Barcelona, Helsínquia, Estocolmo e Nova Iorque. Muitos quilómetros depois, Ricardo parece mesmo não gostar da zona de conforto, nem da segurança de "uma cadeira de sonho" que a Spotify, multinacional ligada à indústria da música, lhe deu.
Há meio ano, já responsável pela área de expansão do Spotify e a viver nos Estados Unidos, que na realidade era apenas o "porto seguro" das viagens por todo o mundo, decidiu sair. Não quis mais. Precisava de outros desafios.
Abandonou uma empresa de 1.000 pessoas para outra com três. Aliás, criou-a. É a Roger. E quer pôr-nos todos a falar mais.
Esta é a história de Ricardo Santos, um português de 28 anos, que pertencia ao universo de um serviço digital de música "streaming" com 20 milhões de faixas, presente em 57 países, e com mais de 40 milhões de utilizadores activos. Poderia ser mais do que suficiente para a maioria, mas ele estava insatisfeito. Insatisfeito?
"Foi um percurso fenomenal de que tenho muito orgulho. Mas termos alcançado muito sucesso e crescido muito implica que [o Spotify] seja agora uma empresa diferente daquela à que me juntei. Isso não é necessariamente mau", relata à Renascença. Não é mau, mas muda tudo?
Aviso à navegação: Ricardo foi responsável por seis portugueses terem entrado na Spotify e estará em Portugal, no fim deste mês, à procura de programadores para iPhone para os levar para Nova Iorque. Mas voltemos ao balanço do passado e à história na primeira pessoa.
"O meu perfil é mais consentâneo com uma empresa pequena em que não se sabe se vai funcionar ou não, com os desafios todos de estar a começar", explicita.
Se não tivermos entendido, ele explica melhor. "Lembro-me de haver pessoas quando entrei para o Spotify que me diziam: 'Aquilo talvez não funcione, não está a fazer dinheiro'. Mas é isso de que gosto. A partir do momento em que se torna seguro, perde o interesse para mim."
Bater no poste
O "retrato-robô" de Ricardo está traçado pelo próprio. A insegurança, a incerteza e a instabilidade são as palavras pelas quais gosta de navegar. Deixemos então o Spotify para trás e vamos com ele perceber onde procura o novo desafio. Chama-se Roger e quer pôr-nos a falar mais com os que estão longe de nós. Ele vive em Nova Iorque, mas tem família em Portugal e na Suécia e amigos espalhados pelo mundo. Os telemóveis ganham uma importância relevante no dia-a-dia.
Assistamos, agora, através das palavras de Ricardo ao doloroso momento "Eureka".
"Um dia, enquanto caminhava para o metro em Nova Iorque, estava a escrever uma SMS para um amigo de Estocolmo e bati de cabeça contra um poste. Nesse fim-de-semana, falei com Andreas e disse-lhe: 'Que tal arranjarmos uma forma de falar com outros mesmo quando estou a correr para o metro'", revela Ricardo.
"É como se fosse um 'voice messenger' ou um 'voice-mail', mas mais bem feito", elucida o empreendedor, que vê este produto como muito útil para quem vive num fuso horário diferente do interlocutor.
Primeiro a ideia, só depois o dinheiro
O produto está a ser testado em versão experimental por vários amigos, mas também pela noiva de Ricardo. E ela diz que no Skype ou Google Hangouts espera que "a pessoa atenda”. Com o Roger é diferente: "Pode começar logo a falar, às vezes a pessoa está lá e posso manter uma conversa em tempo real, outras vezes não".
"Ao usar o Roger tenho a sensação que estive com uma pessoa o dia todo, estando muito longe", acrescenta o algarvio.
OK, percebemos o conceito. Mas como é que se faz dinheiro com isto?
A pergunta bate na trave com direito a uma explicação sobre as diferenças de cultura que fazem com que esta empresa surja nos Estados Unidos e não em Portugal ou noutro país europeu.
Ricardo introduz o tema dizendo que tem dinheiro suficiente para que a empresa desenvolva o produto por mais de seis meses com uma equipa a rondar as dez pessoas. E depois, de forma diplomática, argumenta como a pergunta explica o porquê de ser muito mais difícil que empresas como o WhatsApp, o Facebook ou o Instagram fossem criadas na Europa.
"A cultura de investimento na Europa é um bocado diferente da dos EUA. Na Europa procuram-se negócios que tenham um retorno financeiro logo desde o primeiro dia. Nos EUA, o foco é primeiro em crescer o produto e depois em rentabilizá-lo", explica.
Ricardo diz que "isso condiciona" o investimento que consegue "arranjar" ou o que se consegue "investir". "Temos maior liberdade para o fazer nos EUA do que na Europa", explica.
Seguindo este modelo, neste momento, o que o preocupa é que as pessoas que estão a usar o Roger gostem do produto, que o usem, que falem mais com os outros. Traduzindo, é fiel à ideia de que se o conceito for bom os milhões vão depois cair naturalmente na conta.
"Será muito valioso se as pessoas gostarem dele e há formas de o rentabilizar, mas também pode nunca lá chegar. E isso quererá dizer que nos focámos nas coisas erradas", concretiza.
Próxima paragem?
O caminho pode até estar cheio de obstáculos e de novos desafios. Algo que parece estar à medida de Ricardo. Mas, para quem se gosta tanto de mover na incerteza, há já algo de seguro.
"Esta é a experiência mais gratificante que já tive na minha vida. Se algumas coisas como o financiamento ou as questões legais eram novas para mim, tudo aquilo que tivemos de fazer para chegar até este ponto, e o que ainda temos de fazer, é uma lista infindável que assustaria a maior parte das pessoas", diz.
Ricardo parece não estar assustado, só entusiasmado. Veremos se, como o Roger quer fazer, nos irá levar a falar mais dele.