Uma "hipocrisia governamental" com o fim eleitoral de captar uma população "estigmatizada" e "punida" pela política deste Executivo. É a forma como Boaventura Sousa Santos, sociólogo e presidente do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, caracteriza a resolução, aprovada esta quinta-feira, que pretende criminalizar o abandono de idosos.
"Não poderia deixar de caracterizar esta medida como uma manifestação de hipocrisia governamental. É uma hipocrisia total vir neste momento, para fins certamente eleitorais", diz Boaventura Sousa Santos.
"Não há outros fins neste momento que possam ser invocados senão o fim eleitoral de tentar captar uma população idosa que foi realmente estigmatizada, marginalizada, punida fortemente – veja-se o caso das pensões – pela política deste governo, nestes últimos quatro anos", reforça.
O presidente do OPJP, projecto do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, saúda qualquer "legislação que procure proteger populações mais vulneráveis", mas acusa o Governo de ser o grande agente da fragilização das populações idosas.
"Este é um caso em que, de alguma maneira, o direito penal é chamado a intervir quase na consequência de uma politica", diz o professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Para Sousa Santos, o Governo "criou todo um ambiente social e político contra os idosos. Foi um Governo que determinou uma luta geracional de novos contra velhos. E toda a sua política foi no sentido de criar vulnerabilidade nos idosos".
A Estratégia para o Idoso,
aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, prevê a repressão de todas as formas de violência, abuso, exploração ou discriminação e a criminalização do abandono de idosos.
A medida só pode passar a lei na próxima legislatura. O Governo aprovou a estratégia em forma de resolução, uma vez que o Parlamento está de férias. Para tornar crime o abandono dos mais velhos será preciso alterar o Código Penal, o que teria de ser feito pela Assembleia da República.