O abandono de idosos é um fenómeno que acontece cada vez mais ao longo de todo o ano e com um cariz cada vez menos sazonal. A informação é da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.
Trata-se de “pessoas que têm alta clínica e não podem ir para casa porque não têm casa onde regressar, não têm quem as acompanhe, não têm quem cuide delas, não têm dinheiro – esse é que é o real problema e é o problema das pessoas que, de facto, são condenadas a viver muitas vezes institucionalizadas e privadas até de alguns direitos que eram delas”, explica à
Renascença a presidente da associação, Marta Temido.
As dificuldades financeiras são, pois, um dos principais factores de abandono de idosos, mas a
criminalização não será a solução para o problema, sublinha a administradora hospitalar.
Para Marta Temido, o que interessa ser debatido são as respostas sociais a dar, à semelhança do que acontece com o apoio às crianças.
“A criminalização desta matéria não resolve o problema dos idosos nem das instituições. Na minha perspectiva, é uma solução extrema sem antes se dar resposta àquilo que são as necessidades práticas”, defende.
“O Estado e a sociedade preocuparam-se muito com o desenvolvimento de redes para as crianças e o que acontece é que neste momento temos uma sociedade em que as crianças foram muitas vezes substituídas por idosos que não têm autonomia. E nós todos, como sociedade, não temos sabido responder a este problema”, afirma.
Perante isto, Marta Temido questiona: “De que serve criminalizar a conduta de quem tem um idoso e não o leva para casa quando se sabe que muitas vezes não o leva para casa, porque não tem casa para onde o levar nem tem como o manter?”.
“Oh, menina, já vai embora?”
No Centro Cultural e Social de Santo Adrião, são três os casos mais urgentes em mãos. Mas ultrapassa a dúzia as situações de idosos, mesmo com família, sem qualquer retaguarda.
Por todo o país, são múltiplas as instituições que prestam apoio à terceira idade e confirmam o abandono de idosos como um fenómeno crescente.
Ali, há um utente do centro de dia que tem família, “mas vive sozinho”. A técnica Bruna Ferreira conta que “o senhor passa aqui o dia de segunda a domingo”. Quando o deixa, “ele diz: ‘Oh, menina, já vai? Já vai embora?”.
O abandono de idosos é mais comum que se julga, assegura a técnica do Centro Cultural e Social de Santo Adrião, que tem lar, apoio domiciliário e centro de dia. “Torna-se mais comum e muito mais complicado, porque às vezes não conseguimos dar resposta a tudo e a todos”, lamenta.
O provedor da Irmandade de Santa Cruz confirma: “Há casos que conheço, por razões institucionais, de pessoas que são entregues nos hospitais e abandonadas. Às vezes, dando nomes falsos de família”, avança Luís Rufo à
Renascença.
Os casos são encaminhados para o lar da Irmandade, onde o abandono por parte das famílias também acontece.
“Uma utente nossa foi para o Hospital de S. João. Esteve lá um mês e durante esse tempo nenhum familiar a foi visitar. A senhora tem filhos, até bem de vida, mas nunca compareceram ou quiserem saber da sua mãe”, conta o provedor.
Pecado mortal
O abandono dos idosos foi
abordado em Março pelo Papa numa audiência geral.
“É feio ver os idosos descartados. É feio. É pecado mortal, entendem? A Igreja não pode nem quer conformar-se com uma mentalidade de impaciência e muito menos de indiferença e desprezo da velhice. Se não aprendermos a tratar bem dos idosos, assim nos tratarão a nós”, afirmou.
Francisco disse ainda que o abandono de idosos é a tradução de uma sociedade perversa e apelou aos cristãos que cuidem dos mais velhos.
Segundo as
estatísticas da Associação de Apoio à Vítima (APAV), o abandono e violência sobre os idosos é um fenómeno que tem vindo a aumentar em Portugal.