03 out, 2015 - 01:57
Pedro Santana Lopes admite que o escândalo da manipulação das emissões dos carros da Volkswagen vai acabar por obrigar a uma intervenção dos estados. O antigo primeiro-ministro fala em consequências à escala global que poderão obrigar as entidade públicas a abrir os cordões à bolsa.
" Os Estados vão ter que acabar por entrar, de uma maneira ou de outra, para compensar com ajudas ou estímulos ao investimento e à criação de postos de trabalho. Isto é uma crise de facto muito complicada. Está aqui envolvido muito dinheiro. Se formos aos montantes globais, está ao nível do despendido nas intervenções externas aqui nalguns casos europeus", sustenta o antigo líder do PSD no programa "Fora da Caixa" da Renascença.
Já António Vitorino pede uma clarificação célere sobre a situação da AutoEuropa à luz desta crise na marca alemã.
"Ouvi o Ministro da Economia dizer que não havia problemas, mas entretanto criou um grupo de trabalho para acompanhar a evolução do processo. O problema não é se saíram daqui carros com esse problema - espero bem que não. O problema é que isto vai custar muito dinheiro à Volkswagen, que vai ter que fazer uma contenção de custos. Portanto, uma empresa fundamental para as exportações portuguesas, responsável por 1% do PIB português e 8% das exportações portuguesas, está num grupo que vai passar por situações muito difíceis", alerta o antigo comissário europeu no debate semanal de temas europeus na Edição da Noite da Renascença.
Masoquismo nos cenários
Santana admite que o escândalo vai gerar despedimentos e controlos de custos na própria Volkswagen e marcas associadas. "Só o nível de indemnizações que já se estão a preparar para pagar vai obrigar as empresas a fazerem os seus orçamentos, a gerar desemprego, com consequências a nível global", acrescenta o antigo primeiro-ministro sublinhando as consequências de algo "desagradável e censurável"
No entanto, o antigo primeiro-ministro detecta "uma grande dose de masoquismo" na economia ocidental. O comentador social-democrata refere-se a "uma reacção brutal, que logo dá por adquiridas provisões absolutamente astronómicas para indemnizações, sem por exemplo nos aparecerem os valores dos efeitos produzidos na sociedade e nas comunidades envolvidas por esta violação. Qual é o impacto? Algum de nós faz ideia ao certo do impacto causado por esta violação dos limites de libertação de gases poluidores para a atmosfera?"
A pergunta fica em jeito de desabafo sobre a forma como a Europa tem sido alvo recente de situações problemáticas.
"Não há quase uma semana em que não haja um escândalo, uma história, uma demissão, uma bronca a prejudicar a economia destas terras. E que depois, mais dia menos dia, vai parar aos bolsos dos contribuintes", protesta Santana Lopes no debate com o antigo comissário europeu.
Para António Vitorino, as más práticas da Volkswagen partiram de um "conluio interno" na empresa no quadro de um "tudo por tudo" para serem a marca numero um no mundo. "Isto afecta a VW, algumas outras marcas, o prestígio da tecnologia alemã. E também a Europa no seu conjunto, porque isto vai custar muito dinheiro", avisa o antigo ministro do PS.
A lição dos bárbaros
Vitorino não deixa de olhar para duas lições a retirar do facto de este escândalo ter "estoirado" nos Estados Unidos.
"Numa altura em que se discute muito o tratado de comércio transatlântico, em que os europeus têm a arrogância de dizer que tudo o que tem a ver com o ambiente é muito melhor protegido na Europa do que nos EUA, este escândalo Volkswagen é revelado a partir dos Estados Unidos. Exactamente porque a Volkswagen violava regras de protecção ambiental nos EUA com o tal software malicioso", assinala o antigo comissário europeu que aconselha mais humildade e menos arrogância por parte dos europeus.
O antigo comissário europeu considera que esta é uma excelente oportunidade para a Europa confrontar-se com a "ideia feita" de que os europeus são "os grandes campeões da protecção do ambiente" e de que os americanos são "uma espécie de bárbaros, predadores do ambiente, tal como muitas vezes o debate é feito na opinião pública europeia".
No entanto, Vitorino não esquece as rivalidades comerciais entre os dois lados do Atlântico.
"Os americanos não fizeram isto apenas por amor ao ambiente. Sobre isso não há a menor dúvida. A indústria automóvel americana é uma das grandes competidoras da europeia. Muitos destes carros são montados nos EUA. Há operadoras europeias - não vou dizer agora as marcas - cujas linhas de montagem estão nos Estados Unidos. Isto também vai afectar a economia americana", assegura o comentador socialista no programa que a Renascença emite todas as sextas-feiras.