10 mar, 2016 - 16:13 • André Rodrigues , Marília Freitas
É no centro de dia que vários idosos do Bairro do Cerco passam o tempo. Dias inteiros em quadraturas de sueca e dominó, olhares quantas vezes inexpressivos pregados no entretenimento vespertino das televisões. Muitos sentem que a vida já deu o que tinha a dar, que tentam resgatar ao tempo os dias em que que o Cerco era um lugar bom para viver.
Dizem que a vizinhança já não é o que era. Para Rosa Maria Seabra, directora do centro do dia, a própria Câmara do Porto não está isenta de responsabilidades na dissolução destes laços. Pessoas de diferentes pontos da cidade, com hábitos e identidades distintas, foram despejadas no mesmo bairro.
O centro de dia é o reduto seguro de quem procura a tranquilidade tantas vezes perturbada pelo tráfico de droga e pelos roubos, pelas rixas e tiroteios, pelas operações policiais. Os receios aumentam quando o dia se faz noite.
O rap contra o preconceito
É pela música que o Cerco chega a quem quer saber do bairro. OUPA!, uma residência artística promovida pela Câmara do Porto, quer ser também um projecto de integração.
O projecto, que conta com a "rapper" Capicua e o André Tentugal (We Trust), utiliza a irreverência do hip-hop para promover a cultura de bairro e o sentimento de pertença. As letras das músicas criadas pelos jovens do projecto não escondem os problemas, nem a falta de perspectivas.
“Tenho fome, não jantei”
A educação ou a falta dela tem um peso decisivo na vida daqueles que um dia serão o futuro do bairro. No infantário da Obra Diocesana de Promoção Social do Porto multiplicam-se os casos de carência alimentar. A directora, Rosa Maria Seabra, diz que há frases que fazem soar o alarme. "Eu tenho fome, não jantei", dizem algumas crianças.
Noutro ponto do bairro, ao final da tarde, Alice Silva é a voz de comando para o aquecimento da turma de kickbox. O projecto, iniciado há dois anos pela Associação para o Desenvolvimento Comunitário do Cerco do Porto, venceu o prémio Pontes para o Futuro, da Câmara do Porto, e deu origem a uma academia de artes marciais.
Desde então, as mudanças nas crianças são evidentes. Saem da aula mais calmas e mais cientes dos limites do respeito: em relação à professora e a todos os intervenientes nas suas vidas.
A inclusão a partir do desporto é importante, mas não chega, diz Andrea Rocha, da Associação para o Desenvolvimento Comunitário do Cerco do Porto. As qualificações dos moradores do bairro são um exemplo bem ilustrativo. “Temos pessoas de 20, 25 anos que são analfabetas”, conta Andrea.
Dentro do Cerco diz-se que há duas hipóteses: habitar ou evitar. Os de lá já se habituaram ao rótulo de gente problemática. Os de fora nem lá entram, a menos que seja obrigatório. Mas aqui tudo pode ser, afinal, tão semelhante ao que se vê e ao que acontece fora do bairro.
Esta sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa torna-se o primeiro chefe do Estado a visitar o bairro. É o primeiro acto público do novo chefe do Estado fora de Lisboa.