01 abr, 2016 - 07:36 • José Pedro Frazão
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António Vitorino e Pedro Santana Lopes convergem num alerta aos incautos: a ideia de que o terrorismo está confinado à Europa Central é uma ilusão. O antigo comissário europeu responsável pela justiça e assuntos internos e o ex-primeiro-ministro estiveram no programa “Fora da Caixa” antes da divulgação das alegadas ameaças do autodenominado Estado Islâmico a Portugal.
“O risco verdadeiro é do elo mais fraco da cadeia. Fazer um atentado em Londres é muito complicado, exactamente porque os serviços são mais eficientes. É mais fácil fazer um atentado onde os serviços são menos proficientes e onde a prevenção funcione menos. Não podemos baixar a guarda nem considerarmo-nos protegidos”, afirma o antigo ministro da Defesa do PS.
Já Pedro Santana Lopes sublinha a importância da eficiência e credibilidade dos serviços de informações de segurança e defesa portugueses.
“Para sermos fortes temos que ser eficientes e fazer merecer a confiança dos nossos interlocutores ou dos homólogos dos nossos serviços. Esse é um ponto muito importante. Como os europeus têm que fazer por merecer a confiança desses serviços criados que adormeceram junto dos seus congéneres internacionais”, defende o antigo primeiro-ministro português.
Dez anos perdidos na Europa antiterrorismo
A referência a este “adormecimento” tem expressão prática no relato trazido à Renascença por António Vitorino, que, na transição do século XX para o XXI, foi comissário europeu dos assuntos internos e da justiça, com intervenção directa no combate ao terrorismo e na gestão da pasta das migrações.
A mais de uma década de distância, Vitorino diz não entender o que aconteceu a algumas estruturas que nasceram no seu mandato.
“Quando tive responsabilidades nessa área criei a Europol, com competências em matéria de criminalidade organizada e de terrorismo. Verifiquei agora, por exemplo, que foi necessário voltar a decidir a criação do Centro de Coordenação Antiterrorista na Europol. O que me deixou surpreendido, porque eu tinha lá deixado um! Significa que durante dez anos em que não tivemos atentados terroristas, esse centro antiterrorista se diluiu. Foi necessário voltar a criar uma instância específica a seguir a Paris. Então pergunto: o que é que estavam à espera? Que a situação de bonança se mantivesse indefinidamente?”, questiona Vitorino no debate de temas europeus e internacionais da Renascença.
O também ex-ministro da Defesa diz mesmo que se perderam dez anos na luta antiterrorismo na Europa, “dez anos muito importantes na criação de confiança, na construção dos ficheiros necessários sobre as várias organizações terroristas”.
Novos ataques a caminho?
O tempo é de recuperar o terreno perdido, agora debaixo da pressão dos acontecimentos.
“Tivemos agora dois atentados terríveis separados por quatro meses. E toda a comunidade das informações diz que está para vir outro, porque há indícios disso. Isto significa que vai haver uma intensificação da estratégia terrorista do dito Estado Islâmico, que fez um investimento durante dois anos na criação da capacidade operacional para intervir em solo europeu”, afirma António Vitorino.
“Neste momento, vamos ter que recuperar o atraso de dois anos porque fomos negligentes e não mantivemos a pressão que o 11 de Setembro existiu e que permitiu alguns avanços, mas que depois se foi diluindo com a doce ilusão da acalmia que obviamente os terroristas não deixam durar”, avisa.
“Precisamos de ter sorte todos os dias"
Pedro Santana Lopes pede, por seu lado, uma reformulação estrutural na área da segurança e defesa na Europa.
“Nós, europeus, estamos cada vez mais entregues mais a nós próprios e sem estruturas para nos defender, por muito boa que seja a vontade da NATO e dos nossos aliados. Há uma reorganização absoluta a fazer em termos de estruturas e há investimento a reconsiderar. Porque é muito importante para nós todos e cada um de nós”, sustenta o antigo chefe de Governo.
A chave é prevenir. "Há nove milhões de pessoas que usam o Metro de Londres todos os dias. Já viram o que era ter que fazer controlo de segurança em todas as estações de metro da cidade de Londres? Parava a cidade, ninguém poderia continuar a utilizar”, exemplifica Vitorino.
A actuação, insiste, deve centrar-se na prevenção, através da identificação dos potenciais terroristas e da desarticulação das redes que possam estar montadas.
"Isso é um trabalho quotidiano. A frase que mais me impressiona é daquele responsável britânico que me dizia que temos que ter sorte todos os dias enquanto os terroristas têm que ter sorte apenas num dia”, confessa Vitorino na Renascença.
A ameaça terrorista não pode ser o novo normal
Perante a sucessão de atentados na Europa, há quem reflicta sobre um novo paradigma, um pano de fundo que pode fazer parte da nossa rotina, a naturalidade com que vivemos com a ameaça terrorista. Santana e Vitorino rejeitam esta tese em absoluto.
“Há sinais positivos até de recuo do Estado Islâmico no seu território-base. Estou convencido de que o trabalho que está a ser desenvolvido, apesar de tudo, produzirá resultados. Vamos ser mais fortes que essa força terrorista. Não aceito que isso possa ser o novo quotidiano ou o ‘novo normal’. Essa anormalidade nunca pode passar a normal”, afirma Pedro Santana Lopes.
António Vitorino acrescenta que admitir que isso seja uma forma de normalidade é a primeira vitória dos terroristas. "Porque aí passaríamos a não nos empenharmos a lutar contra o mal. E um terrorismo só pode ser considerado um mal”, remata o antigo comissário europeu.
Pode ouvir o programa "Fora da Caixa" esta sexta-feira à noite, às 23h00.