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Do barulho das bombas ao som dos passarinhos. A vida dos estudantes sírios em Lisboa

04 mai, 2016 - 16:10 • Manuela Pires

Omar Kayal e Wadah Abdoush fugiram da guerra e fizeram de Lisboa o seu refúgio. Foi cá que se conheceram, na Universidade Europeia, onde estudam graças a uma bolsa concedida a estudantes sírios por iniciativa do antigo Presidente da República Jorge Sampaio.

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Habituado ao barulho incessante das bombas e das balas, Omar Kayal estranha o sossego e o som dos pássaros que ouve nos seus passeios junto ao Tejo. “Depois de cinco anos de guerra, não estava habituado”, confessa.

O sírio de 21 anos chegou a Lisboa há sete meses, com uma bolsa da plataforma global de assistência a estudantes sírios promovida por Jorge Sampaio. Garante que não teve escolha. “Na Síria, quando acabas a faculdade, tens de entrar no exército. E se alguém entra no exército vai morrer, definitivamente.”

Na capital portuguesa, conheceu Wadah Abdoush, na Universidade Europeia, que recebeu cinco estudantes sírios e onde ambos estudam. Wadah, de 30 anos, deixou toda a família na Síria. “Eu sinto a falta deles e também dos meus amigos. Mas não posso regressar e eles não podem sair.”

Quando vivemos em guerra, crescemos depressa

Omar vem de Latakia, uma cidade costeira onde está o maior porto da Síria. O primeiro semestre não foi fácil: Omar faltou muito às aulas porque a sua principal preocupação era ajudar os refugiados sírios que estão em Portugal.

“Eu tive conhecimento da bolsa e foi a minha primeira escolha. Estou a tentar ajudar aqui as pessoas que querem vir da Síria para cá. Este ano acho que podemos receber 500 pessoas”, diz.

Nesta conversa com a Renascença, Omar fala inglês, língua que aprendeu sozinho. Já percebe o português, mas ainda não consegue manter uma conversa. Sente muita falta de falar a sua língua. Aliás, sente falta de tudo: da família que deixou na Síria, dos amigos e da bateria. Omar é baterista.

A música é o sonho da sua vida. Conhece e gosta de muitas bandas portuguesas, dos metaleiros Moonspell ao "rapper" Jimmy P. “Eu oiço todo o género de música. Oiço música portuguesa, inglesa e síria. Gosto de uma música do Agir e também gosto dos DAMA.”

"Guerra, guerra, guerra, bombas e balas"

Na Síria, Omar Kayal dava aulas de bateria e estudava gestão. Mas, ao fim de cinco anos de guerra, Omar percebeu que tinha de fugir dali. “Toda a gente tem uma vida difícil, mas conseguimos melhorá-la. Mas há uma guerra e é todos os dias guerra, guerra, guerra, bombas e balas, já estávamos habituados e começa a ser normal”, conta.

“Mas não é assim. Muitos dos meus amigos morreram, outros entraram no exército. Eu tinha uma grande vida, era famoso, fazia concertos, era professor de bateria e estudava gestão no segundo ano da universidade. Tinha uma vida boa”, recorda.

Omar chegou a Lisboa há sete meses. Vive agora numa residência na cidade universitária, gosta de passear junto ao Tejo. “Aqui é tudo tão calmo. Depois de cinco anos a ouvir todos os dias as bombas, não estava habituado ao sossego e ao som dos pássaros. Senti muito a diferença”.

Omar tem apenas 21 anos, mas não parece. Ele diz que quando estamos num país em guerra crescemos muito depressa.

“Se a guerra terminasse hoje, era preciso mais de dez anos para voltar a unir o povo”

Wadah Abdoush saiu de Damasco, a capital da Síria, em Junho de 2014. A primeira paragem foi o Líbano, mas ao fim de alguns meses não conseguiu a renovação do visto. Fez de novo as malas, com destino ao Brasil. Foi aí que aprendeu a falar português e recebeu a notícia de que tinha conseguido a bolsa para estudar em Portugal.

Wadah nasceu em Homs, viveu quase toda a vida em Damasco. Na Síria deixou toda a família. Os pais não querem sair e Wadah não quer voltar. “Eu sinto a falta deles e também dos meus amigos. Mas não posso regressar e eles não podem sair.”

Já está completamente integrado em Lisboa. Gosta do clima, da natureza, de correr à beira-rio e na zona da Ajuda. Conseguiu fazer quase todas as disciplinas do primeiro semestre com nota 12, mas na caderneta do aluno a única chamada de atenção feita pelos professores é que Wadah chega sempre atrasado às aulas.

Gosta do método de ensino da Universidade Europeia. “É muito diferente do da Síria. Aqui temos muitas aulas práticas e cada aluno pode construir o seu caminho. Na Síria é tudo teórico.”

Acredita que, mesmo se o conflito que dura há cinco anos acabasse agora, seria preciso muito tempo para recompor o país. “Se a guerra terminasse hoje, neste momento, era preciso mais de dez anos para recuperar o país e unir de novo o povo”.

Desde o início da guerra mais de 11 milhões de pessoas tiveram de abandonar as suas casas. Mais de quatro milhões de sírios estão registados no Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR). Quase um milhão de sírios pediu asilo na Europa.

Comentários
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  • Aguenta tuga....
    04 nov, 2016 lisboa 03:07
    Do barulho das bombas aos bolsos dos Portugueses... quiçá para fazer mais bombinhas....de carnaval é claro...
  • John
    17 mai, 2016 Beja 16:06
    Vir às aulas é que não vem! Tá ocupado a ajudar os outros! Lol
  • Tozé Mirolho
    04 mai, 2016 Lisboa 23:25
    Muito bem . Tudo muito bonito. Só que a mim e a toda a minha família já nos custa muitíssimo pagar tantos impostos para pagar para tudo isto e por isso mesmo já nos privamos de tantas coisas .Se não pagasse -mos impostos e vivêssemos á custa do estado como tantos outros até acharíamos muito bem estas gentilezas . Mas como não é o nosso caso ...
  • antónio
    04 mai, 2016 colónia 20:39
    A guerra enfraquece todos , os que as fazem e os que são vítimas delas. É motivo de, como português ter orgulho por haver pessoas como o antigo presidente Jorge Sampaio ter oferecido a bolsa de estudo aos estudantes vitimas da guerra. Continuem a ajudar porque de alguma forma serão retribuídos. Parabéns
  • m.
    04 mai, 2016 lisboa 20:17
    Como portuguesa tenho vergonha da boçalidade e mediocridade dos comentários. Sejam bem-vindos estudantes sírios, que o sol de Portugal vos aqueça a alma depois da tempestade que sofreram no vosso país.
  • 04 mai, 2016 19:08
    Espero que depois não cuspam no prato..!
  • MARIO RODRIGUES
    04 mai, 2016 OLHÃO 18:18
    Se fosse a fundação Mário Soares a dar bolsas de estudo era natural, agora o Dr Jorge Sampaio? até parece que o homem está cheio de dinheiro e virou instituição de caridade!
  • gina
    04 mai, 2016 lisboa 18:14
    sejam bem vindos e boa sorte: A guerra é riqueza para meia dúzia de gananciosos mas o sofrimento é para milhões...!
  • maria de fátima
    04 mai, 2016 Ovar 17:41
    Aqui também há uma Síria, fica na lixeira do Lumiar, junto á casa dos frangos, frequentada por corruptos lunáticos e chama-se zemerden do Alto de Carriche. Os ministros são o marado, ignorancio, martinha a suar e judas, o traidor. O presidente é um maluco da jube ao léu.
  • Manuel Simao
    04 mai, 2016 Porto 17:24
    Já estou farto de ouvir falar deste caso! Que grande medalha para Jorge Sampaio! E os outros 2.000.000? É ridículo falar em apenas dois privilegiados, que já devem fazer da situação um bom negócio. Sejam bem-vindos, mas promovam a vinda dos seus compatriotas em vez de ficarem a ouvir os passarinhos. Já chateia tanta lamechice!

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