04 mai, 2016 - 11:28
Defensores da revogação ou revisão do Acordo Ortográfico (AO) aplaudem a posição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que admite que a questão possa ser reponderada, e consideram que a melhor solução era um referendo.
No domingo, e na sequência de uma notícia do "Expresso”, o Presidente disse que há “Estados relevantes” que estão em ponderação sobre o AO e que se deve acompanhar essa ponderação e “depois ver se há razões para reponderar em Portugal”. Angola e Moçambique ainda não assinaram o Acordo.
A notícia do “Expresso” foi reforçada na segunda-feira. Em entrevista à RTP África, durante a sua visita de Estado a Moçambique, Marcelo afirmou: “Nós estamos à espera que Moçambique decida sim ou não ao Acordo Ortográfico. Se decidir que não, mais Angola, é uma oportunidade para repensar essa matéria.”
O chefe de Estado português referiu que "o Presidente da República, nos documentos oficiais, tem de seguir o Acordo Ortográfico". "Mas o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa escrevia tal como escrevem os moçambicanos, que não é de acordo com o Acordo Ortográfico", acrescentou.
“Grande pragmatismo político”
“O Presidente sabe perfeitamente que só se pode falar em Acordo quando outros países também o ratificarem. Só Portugal, neste momento, é que está a usar o AO", disse à Lusa Rosário Andorinha, presidente da Associação Nacional de Professores de Português. A associação entregou em Abril ao Presidente um documento no qual se contesta o AO.
O AO entrou em vigor em 2011, mas continua a ser tema de debates. Há mesmo quem questione a sua legalidade.
“Saudamos vivamente a posição corajosa do Presidente, como homem de elevada cultura e revelando grande pragmatismo político”, disse à Lusa o professor universitário Ivo Barroso, um dos que mais se tem batido contra o Acordo de 1990.
Ivo Barroso lembrou que Marcelo assinou um manifesto contra o Acordo em 1990, promovido pelo Movimento contra o Acordo Ortográfico e pelo Grémio Literário.
A Presidência foi questionada (por outro professor) quanto ao uso do Acordo, tendo respondido que o Presidente da República segue as regras do AO, “sem prejuízo de desenvolvimentos futuros”, conta Ivo Barroso. “Até agora as vias políticas estavam bloqueadas, com este passo certeiro” do Presidente só podem melhorar, diz.
Rosário Andorinha defende que a questão deve ser referendada, apesar da confusão que ia gerar, porque “o processo não foi natural” e foi “uma imposição” que as pessoas não aceitaram bem. Só Portugal é que o usa e em termos de falantes é uma minoria, acrescentou.
Governo não comenta, só “aguarda”
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, afirmou na segunda-feira que Portugal "aguarda serenamente" a conclusão da ratificação do acordo ortográfico pelos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que ainda não o fizeram.
O ministro lembrou que o AO "é uma convenção internacional adoptada pelos países da CPLP", que "já foi ratificada e encontra-se em vigor em Portugal e em mais três países".
"Como ministro dos Negócios Estrangeiros, não preciso de acrescentar mais nada nem devo", disse apenas.
Questionado se a posição do Presidente da República sobre o acordo ortográfico poderá fazer Angola e Moçambique hesitar quanto à ratificação, Santos Silva escusou-se a comentar e limitou-se a remeter para as declarações do chefe de Estado.
O estado do acordo
Dos membros da CPLP, Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe têm o AO em vigor, num total de 215 milhões de falantes de português a usar a nova grafia.
Já em Angola, o acordo "não foi autorizado a nenhum nível governamental", apesar do investimento financeiro do país na plataforma digital do vocabulário ortográfico comum, segundo a responsável do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, Marisa Mendonça.
Em Moçambique, a norma aguarda ratificação pelo parlamento, estando o processo atrasado devido à mudança de Governo.
A situação de "muita instabilidade política" na Guiné-Bissau faz com que a aplicação do acordo naquele país dificilmente seja uma prioridade e, em Timor-Leste, "a difusão, o uso e a implantação da língua portuguesa" têm primazia face à aplicação da nova norma, disse à Lusa a mesma responsável.
Quanto à Guiné Equatorial, que aderiu à CPLP em Julho de 2014, não assinou o acordo mas a reimplementação da língua portuguesa que está a ter lugar no território será feita segundo a nova grafia, assegurou Marisa Mendonça, que sublinhou à Lusa o facto de o IILP em caso algum "se sobrepor aos Estados-membros" na decisão de aplicar o acordo.