14 jun, 2016 - 23:56 • Maria João Costa
A gratuitidade e reutilização dos manuais escolares no primeiro ano do ensino básico vão causar desigualdades entre alunos, desemprego e fecho de livrarias, afirma o administrador do grupo Porto Editora, Vasco Teixeira, em entrevista ao programa “Terça à Noite” da Renascença.
“Não têm sido claras nem bem explicadas”. O administrador e responsável editorial do Grupo Porto Editora fala assim das medidas que o Governo quer implementar a partir do próximo ano lectivo e que prevêem a gratuitidade e reutilização dos manuais escolares.
O responsável da editora, que nasceu em 1944 pelas mãos de 19 professores, considera que as medidas que ainda estão a ser analisadas exigem “ponderação e cuidado adicional”.
Recordando que a questão não constava do programa eleitoral do PS, Vasco Teixeira indica que o “tema entrou aceleradamente na agenda na negociação do apoio parlamentar” e que, na sua opinião, “na discussão do orçamento foram tomadas estas decisões de forma precipitada”.
Agora, diz, “está a tentar-se resolver como é que se vai implementar estas questões sem que a educação e os alunos mais carenciados sejam prejudicados.”
Contudo, o responsável da Porto Editora alerta para as desigualdades que a reutilização dos manuais escolares pode gerar. No “Terça à Noite” da Renascença, Vasco Teixeira é categórico: “O caminho aponta para aí”.
Embora reconheça que “se começam a ouvir vozes preocupadas”, o administrador explica que os alunos mais carenciados “não vão ter os livros quando forem fazer os exames” porque lhes serão “retirados no final do ano lectivo para serem entregues a outros alunos no início do ano seguinte”.
Em contraponto, indica que “os alunos das famílias menos carenciadas poderão adquirir os livros e outros materiais” e tê-los ao dispor quando tiverem de se preparar para um exame.
Outra das questões levantadas pela reutilização dos manuais escolares é os alunos ficarem impedidos de sublinhar os livros. Isso é, na opinião de Vasco Teixeira, “limitar as aprendizagens e isso tem um custo. Se esse custo é superior ou inferior ao custo do livro ou aquilo que se está a poupar na reutilização do livro é algo que ainda está por estudar e definir”, explica.
Mais grave é o efeito dominó que a reutilização e gratuitidade dos livros terá no sector. Questionado sobre a asfixia do mercado e das editoras, o responsável do Grupo Porto Editora lembra que Portugal tem baixos índices de leitura e um tecido livreiro fragilizado. Muitas das livrarias que hoje ganham um balão de oxigénio com a venda de livros escolares podem mesmo não sobreviver. Das pouco mais de 600 livrarias existentes, diz Vasco Teixeira, metade pode encerrar.
“Esta medida pode gerar mil a dois mil desempregados, destruir empresas de comércio local e dificultar o acesso à cultura”, explica.
Como responder a este “efeito dominó”? Vasco Teixeira diz que o “Ministério da Educação foi apanhado no turbilhão das negociações do Orçamento do Estado” e tem a esperança que “esta medida volte para atrás e seja contida”.
Em causa não deve ficar “a gratuitidade”, mas não pode ser “um empréstimo cego para todo o tipo de livros e para todo o tipo de alunos”. E ressalva: há bons exemplos a seguir como o da Finlândia, onde “no secundário não há sistema de empréstimo porque já se verificou que é difícil e prejudica as aprendizagens e aquilo que se economiza não é tão significativo”.
A crise no sector pode também gerar a entrada de concorrentes internacionais no mercado editorial em Portugal. Vasco Teixeira fala dessa concorrência e compara-a com a banca. “Pode-nos acontecer o que está a acontecer na banca, em que a gente olha à volta e só vê bancos estrangeiros a tomarem conta do tecido bancário com o prejuízo enorme que isso traz para as empresas nacionais”, diz.
O administrador, que fala de um mercado escolar cujo volume não chega aos 200 milhões de euros, lembra que a entrada de editoras estrangeiras pode levar a uma “perda de identidade”.
“Ministros da Educação precisam de saber planear medidas para depois do seu mandato”
Questionado sobre as sucessivas alterações de programas educativos e sobre como isso obrigada a alterar os manuais escolares, Vasco Teixeira recorda que já lidou com “12 ministros” e que “normalmente são bem intencionados, só que têm a sua visão pessoal”.
O responsável do grupo Porto Editora lembra que “o Ministério da Educação não é a empresa do ministro da Educação. O ministro da Educação e a sua equipa estão a prestar um serviço ao país e prestam um serviço melhor ao país se conseguirem gerar consensos e implementar medidas bem planeadas que custam menos dinheiro. Os ministros precisam de saber planear medidas para depois do seu mandato."
Sobre o acordo ortográfico, Vasco Teixeira fala de “alguns problemas técnicos” e considera que “merecia algum dia ser revisto”. Mas o coordenador editorial aponta outra “problema estratégico que é Angola e Moçambique não terem alinhado” com Portugal. Considera que Portugal deveria ter “feito pressão nesse sentido” para evitar que hoje os editores sejam confrontados “com grafias diferentes em Portugal e África”.
Sobre a empresa familiar que ainda hoje é a Porto Editora e sobre o futuro da chancela Sextante, diz que “gostaria que não desaparecesse” embora reconheça que “publica livros de grande qualidade que vendem pouco”.
No percurso desta chancela do editor João Rodrigues têm sido feitos “ajustes” ao “grau de investimento para limitar os resultados negativos” que estavam a sofrer.
A crise. Vendas em queda desde 2009
A crise afectou o sector livreiro. “Desde 2009 que a venda de livros a nível nacional tem vindo a cair e o acumulado dessa quebra está próxima dos 30%”, contabiliza o administrador do Grupo Porto Editora. Vasco Teixeira explica que “ao contrário das casas e dos carros e têxteis, o sector não recuperou”. Contudo, a Feira do Livro de Lisboa, que encerrou na segunda-feira, trouxe uma “lufada de ar fresco” e “uma ponta de optimismo”.
Questionado sobre a Feira do Livro do Porto, Vasco Teixeira defende que a cidade deverá ter duas feiras: a que a autarquia hoje organiza com os livreiros e a feira dos editores, como já teve no passado.