25 jun, 2016 - 16:06
Em estudos direccionados a estudantes, “a violência nas relações de intimidade entre pessoas de 19, 20, 23 anos é perfeitamente legitimada e aceite. Há um discurso de aceitação e eu acho que, isto sim, nos deve preocupar francamente a todos e a todas”.
A afirmação é de Marta Silva, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, no programa da Renascença “Em Nome da Lei”. No entender desta responsável, falta sentido crítico na sociedade portuguesa em relação à violência doméstica.
Daniel Cotrim, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), acrescenta que existe um ciclo de violência intergeracional que se repete.
“Na maioria das situações de homens e mulheres com quem falamos, começou no namoro e, se fizermos um trabalho ainda mais para trás, percebemos que quase há um ciclo intergeraional da própria violência – ou seja, a vítima e o agressor viveram situações em que havia violência”, revela.
A violência doméstica pode matar e os homicídios conjugais já representam cerca de um terço do total dos homicídios registados em Portugal. Os dados constam do estudo realizado pela Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto sobre homicídios conjugais.
Em cerca de 90,9% dos casos, quem mata é o homem, em casa e utilizando facas ou armas de fogo. Dois em cada cinco homicídios ocorrem pelo facto de a vítima querer pôr fim à relação. Aliás, de acordo com o mesmo estudo, quem mata alega várias razões quase sempre ligadas ao sentido de posse.
Mas a não aceitação do fim da relação como motivação para o homicídio não é uma realidade apenas portuguesa. “É uma evidência que aparece em vários estudos, mesmo internacionais”, sublinha o investigador Pedro Sousa, outro participante no debate deste sábado, no programa da Renascença “Em Nome da Lei”.
Pedro Sousa faz parte da equipa de investigadores da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
De acordo com a investigação, o homicídio conjugal é frequentemente o culminar de uma história de abusos e violência, quase sempre do conhecimento da família e vizinhos, mas poucas vezes comunicados às autoridades.
Embora em quase 50% dos casos se tenha dado como provado que o homicida já antes tinha sido violento com a vítima, só em 18,3% das situações as autoridades policiais tinham sido informadas.
Por isso, o estudo apela a uma atitude mais crítica da sociedade e a uma maior motivação das vítimas para apresentarem queixa – uma posição partilhada pelo juiz das varas criminais José Tomé de Carvalho, para quem não faz sentido agravar as penas.
“Não acredito que seja a lei a resolver, até porque temos uma baixa incidência de repetição. Há 4,6% de situações de violência doméstica que derivam para homicídio. Aquilo que se passa, na minha perspectiva, é que faltam referências de autoridade e sobejam referências de violência”, começa por defender na Renascença.
Para este magistrado, “é na escola, basicamente, na cultura, que se tem de encontrar meios para as pessoas conceberem que há uma igualdade de géneros e que devem respeitar o próximo., porque o que me assusta muito no meio disto tudo é o aumento da delinquência juvenil a todos os níveis e muito neste da violência doméstica”.
O programa “Em Nome da Lei” é emitido todos os sábados entre as 12h00 e as 13h00.