13 ago, 2016 - 00:09
O presidente da Associação Florestal de Portugal, Carvalho Guerra, considera que em Portugal “há erros de legislação, erros de educação, erros culturais do povo português que temos de eliminar de vez”.
“Na Finlândia, Áustria, Lituânia, Estónia, Suécia da instrução primária ao ensino superior é obrigatória uma cadeira de floresta. De que está à espera o país mais florestal de toda a Europa que é Portugal?”
A Renascença realizou esta sexta-feira um debate especial sobre a situação dos incêndios em Portugal. O professor Carvalho Guerra deixa um lamento: “De cada vez que vejo as televisões portuguesas perderem horas a contar os incêndios e em grande plano mostrar as casas a arder, as pessoas a fugir e as crianças a chorar... os loucos gostam disso”.
“Já houve quem o dissesse: que se mostrasse menos este tipo de imagens ou que, pelo menos, quando mostram coloquem por baixo legendas do tipo ‘isto não pode continuar’, ‘estamos inteiramente contra’. Porque é isto que vai ter de acontecer. Enquanto não pudermos fazer esta acção directamente junto das crianças da primeira classe, ensinando-lhes o que não se deve fazer e transformando cada criança numa espécie de guarda-florestal, enquanto não o pudermos fazer...”, refere.
O antigo presidente cessante do centro regional da Universidade Católica do Porto lembra que “um número bastante significativo de fogos começa depois do sol se pôr”.
“É muito estranho. Não deve ser o luar a pegar fogo. É necessário o aumento da penalização no quadro penal seja por erro humano não premeditado ou premeditado – claro que com penalizações diferentes – mas que o quadro penal seja muito duro”, reforça.
Carvalho Guerra lembra que “estão em causa 10% das exportações, mais de 3% do PIB”. “Quando fiz o Livro Verde sobre as Florestas, há cerca de 20 anos, eram 240 mil postos de trabalho. Neste momento já se perderam 100 mil”.
“Este quadro não pode continuar ou então vamos ter de reconhecer que somos de uma total incompetência política e como pessoas que não têm nem educação nem cultura florestal”, diz.
Carvalho Guerra considera que a “temos de ir ao ponto crucial: educação e legislação. Para ver se daqui a 10 anos já estamos diferentes que haja obrigatoriedade da educação florestal”.
Também presente na Renascença esteve António Bento Gonçalves, professor da Universidade do Minho e especialista na geografia dos incêndios florestais.
"É preciso cartografar sistematicamente os pontos negros dos incêndios"
António Bento Gonçalves toca no mesmo ponto de Carvalho Guerra. “Há uma aposta imprescindível: a educação dos nossos jovens. Para que daqui a 20 anos os jovens sejam adultos bem mais conscientes que os adultos actuais. Agora, para isso é preciso paciência e, infelizmente, os nossos políticos não têm paciência”.
“Temos um problema gravíssimo em Portugal: a falta de educação florestal, dentro da falta de educação ambiental e dentro da falta de educação cívica todos nós conhecemos exemplos terríveis, por exemplo, na condução automóvel”, acrescentou.
Este professor da Universidade do Minho considera que “é preciso cartografar sistematicamente os pontos negros dos incêndios para perceber o que está ali a acontecer: É dolo? É negligência? São os pastores? São os comboios?”
“Tenho batalhado na necessidade de sublinhar a inevitabilidade dos fogos florestais, porque um dos slogans com que somos bombardeados todos os anos é o “Portugal sem fogos depende de si”. É uma mentira. Não há Portugal sem fogos. O fogo não é o inimigo. É uma ferramenta útil que nos levou ao estádio de evolução actual”.
“O problema não é o fogo são os incêndios. O outro aspecto é que com as condições climáticas, florestais e humanas que temos é inevitável ter sempre incêndios. Temos de reconhecer que vamos sempre ter incêndios para se actuar convenientemente. É como o alcoolismo: temos que o reconhecer para melhor o tratar. Se nos convencermos que se se comprar muitos meios aéreos, por exemplo, não se resolve o problema e engana-se a população. Ou dizer que se fizermos isto ou aquilo estamos vamos acabar com os incêndios. Vamos ter sempre incêndios porque temos uma estação quente e seca bem marcada e uma florestal muito mal ordenada e preparada”.
Incendários "permanentemente localizáveis ou estão detidos durante os meses de Verão"
Já Vítor Poças, presidente da Associação de Indústrias de Madeira e vice-presidente da Confederação Europeia da Indústria da Madeira, refere que “se tivermos a capacidade de investir na investigação criminal e tivermos uma moldura penal ajustadas às circunstâncias sejam negligência leve, dolo ou a reincidência. Há cidadãos em Portugal que já chegaram várias vezes o fogo à florestal, duas, três quatro vezes, e não lhes aconteceu nada. A essas pessoas tem de acontecer o que se passa em Espanha e outros países: ou estão permanentemente localizáveis ou estão detidos durante os meses de Verão”.
“Na floresta o risco zero não existe. Mas há uma realidade: Portugal tem maior número que ignições que os vizinhos mediterrânicos juntos: Espanha, Itália e Grécia. Portanto, há que reduzir esse número de ignições ao mínimo possível”, refere.
Este especialista acrescenta que “não vai haver investimento na floresta se não se baixar o risco. Se vamos a um banco não empresta porque o risco é elevado. Uma seguradora não faz seguros porque o risco é grande. Em Portugal a floresta poderia ter uma taxa de rentabilidade incomparavelmente superior a qualquer outro país da Europa. Na Finlândia ou Suécia um pinheiro demora 80 anos a crescer. Em Portugal apenas 30 anos. O eucalipto precisa de 10 ou 15 anos para serração”.