27 out, 2016 - 06:00 • Cristina Nascimento
Mais e melhor gestão florestal, equilibrar os montantes investidos em prevenção e combate e intervenções anuais em cerca de 120 mil hectares de espaços florestais estratégicos. Estas são algumas das soluções apontadas por especialistas para diminuir o recorrente risco de incêndio a que a floresta portuguesa está sujeita.
Esta quinta-feira realiza-se na Lousã o Conselho de Ministros extraordinário dedicado às florestas, reunião agendada pelo primeiro-ministro em Agosto, em plena crise dos incêndios.
Portugal tem seis milhões de hectares de espaço florestal, que garante mais de 100 mil empregos e representa mais de 10% das exportações portuguesas. “É o nosso petróleo”, diz o engenheiro florestal e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Domingo Lopes.
“Não temos petróleo, mas temos floresta, temos uma área extensa, temos uma capacidade de produção muito grande, mas não temos conseguido potenciar este recurso que o país tem”, lamenta.
Quando chega o Verão todos os anos os receios são os mesmos: quantos hectares serão perdidos para as chamas?
Mas nem sempre foi assim. “Até meados do século XX prevaleciam na floresta portuguesa condições que faziam com que ela fosse menos vulnerável ao fogo: tínhamos uma população rural bastante maior do que temos hoje em dia”, descreve José Miguel Cardoso Pereira, investigador do Centro de Estudos Florestais, do Instituto Superior de Agronomia (ISA).
“As pessoas usavam os matos que crescem na superfície da floresta, usavam a lenha miúda, os ramos secos que se partiam, que iam caindo, as pinhas”, acrescenta. Com o passar dos anos, o êxodo rural e a melhoria das condições económicas da população rural, “a necessidade dessa biomassa foi decrescendo muito e esse material passou a ficar acumulado na floresta”, explica.
Falta gestão
A solução, garante José Miguel Cardoso Pereira, não é o regresso das pessoas ao meio rural. Parte da solução está na prevenção e na gestão do espaço florestal.
“Em média, na última meia dúzia de anos, estão-se a gastar com prevenção e combate cerca de 100 milhões de euros, por ano. A distribuição é, grosso modo, 80% para o combate, 20% para a prevenção. Nós achamos que estas proporções são um bocado desequilibradas”.
Na mesma linha, Domingos Lopes, da UTAD, considera que “a solução passa essencialmente pela gestão” da floresta.
“É um problema técnico e só se consegue resolver com uma abordagem técnica”, destacando a necessidade de “trazer mais engenheiros florestais para o campo, para reflectir sobre o problema, ter alguns recursos”.
Menos pode ser mais
Mas afinal, quais seriam as soluções técnicas para o problema?
José Miguel Cardoso Pereira revela que “há 10/11 anos o ISA foi convidado para fazer uma proposta técnica para um plano nacional de defesa da floresta contra incêndios”.
“Uma das tarefas principais que se propunha seria fazer uma silvicultura de prevenção do fogo”, diz. Cardoso Pereira explicou que já estão identificadas e localizadas “áreas estratégicas”, “atendendo a coisas como as formas do terreno, onde é que a vegetação cresce mais depressa, de onde é que os ventos sopram tipicamente durante a época de Verão”.
Com uma “gestão silvícola mais intensiva” em 20% do espaço florestal, em áreas estratégicas, seria possível reduzir amplamente o risco de incêndio.
José Miguel Cardoso Pereira faz as contas: 20% de três milhões de hectares ainda é “área muito extensa, mas a ideia não é que precise de estar completamente limpo, rapado. Essa área precisará de ser tratada de quatro em quatro anos, de cinco em cinco anos. Portanto, estamos a falar de 120 mil a 150 mil hectares intervencionados por ano nesta lógica de redução de combustíveis”, conclui.
Um pedido a Costa
A proposta foi apresentada em 2005 ao governo liderado por José Sócrates, quando António Costa era ministro da Administração Interna. José Miguel Cardoso Pereira tem esperança que o agora primeiro-ministro recupere parte do trabalho feito.
Domingos Lopes lembra também outra questão que considera essencial – o cadastro.
“O problema do cadastro começa a ser muito grave”, garante. “Os proprietários muitas vezes não sabem onde é que as suas propriedades estão localizadas, não conhecem os seus limites. Ou se sabem também consideram que a floresta é um recurso que não é para gerir e, portanto, é como uma bola de algodão que vai trazendo problemas atrás de problemas.”