27 out, 2016 - 00:03 • Raquel Abecasis (Renascença) e Diogo Queiroz de Andrade (Público)
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Ocorreu-lhe visitar José Sócrates enquanto esteve preso?
Várias vezes pensei nisso. Mas entendi que, não havendo uma relação de amizade pessoal entre nós dois e tendo depois havido um distanciamento na medida em que eu o critiquei pelo despesismo que caracterizou os últimos dois anos do Governo dele, não havia uma obrigação da minha parte nem com certeza uma expectativa da parte dele de que eu fosse visitá-lo. Mas pensei nele. E rezei por ele. Sou católico e gosto de rezar pelos doentes, pelos presos e por aqueles que estão em situação de aflição. Como disse uma vez e repito, não gostei nada de ver um antigo primeiro-ministro do meu país em prisão preventiva durante tanto tempo. E sem que, no momento em que saiu, fosse deduzida a acusação. Prender-se um antigo primeiro-ministro durante quase um ano, com vista a recolher provas para uma acusação, e depois já passou mais um ano e tal e não há acusação nenhuma, acho que isso é um mau exemplo da justiça portuguesa.
Arrepende-se de ter feito parte do Governo de José Sócrates?
Não, não me arrependo. Primeiro, porque a evolução do meu pensamento e das minhas ideias políticas fez-me ficar mais próximo do Partido Socialista do que do PSD e do CDS.
Mas gostava de recordar aqui uma coisa: É que o Eng. Sócrates, em 2005, não era o Eng. Sócrates que hoje o país conhece ou julga que conhece. Era uma pessoa de quem ninguém dizia mal. De quem, nos primeiros meses, as bases do PSD gostaram muito pela sua energia, pela sua capacidade de decisão, pela sua capacidade de enfrentar certas corporações, como a dos professores e a dos magistrados do Ministério Público. Portanto, o Sócrates de 2005 não tinha nada a ver com a imagem pública que existe hoje acerca do Eng. Sócrates. Que ou é negativa ou é cheia de dúvidas. Aquelas pessoas que não decretaram já que ele era culpado estão à espera que a justiça se pronuncie. E a justiça cada vez é mais lenta, cada vez é mais incerta, e isso é terrível. Para ele, que tem um peso enorme sobre si, e para todos nós.
Precisamos de saber, de uma vez por todas, após um debate de contraditório, e através de um poder judicial independente, se aquele senhor foi um primeiro-ministro sério ou se não foi. Isso é fundamental para, de certa maneira, limpar o ambiente desses anos que se passaram.
De qualquer forma, enquanto esteve no Governo, nunca suspeitou que ele não fosse um primeiro-ministro sério?
Nunca suspeitei, nem nunca vi nada que me levasse a suspeitar. Se visse tê-lo-ia dito. Eu saí apenas por razões de saúde e, quando saí, não tinha razão nenhuma para suspeitar de tudo o que, mais tarde, apareceu. Ainda mantive durante dois ou três anos conversas muito positivas e muito construtivas com o Eng. Sócrates. E a primeira razão pela qual eu me comecei a afastar dele, e depois a criticá-lo, foi a incapacidade que ele revelou de tomar medidas de restrição na política económica que travassem o despesismo excessivo que nós estávamos a ter e que deu o défice de 10% e que depois motivou a entrada da troika.