01 nov, 2016 - 09:00 • Rosário Silva
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Ramez Aldwihe está há um ano em Portugal, mas há dois que deixou a Síria. Frequenta o mestrado em Engenharia Informática da Universidade de Évora, depois de ter passado por uma universidade em Istambul. Através da internet tomou contacto com a Plataforma Global de Apoio aos Estudantes Sírios, criada pelo antigo Presidente da República, Jorge Sampaio. Candidatou-se a uma bolsa de estudo e, em pouco tempo, mudou-se para Portugal.
“As pessoas são muito simpáticas e fazem-me sentir em família”, conta Ramez, que classifica de “belíssima” a experiência que está a ter em Évora onde já tem “muitos amigos e de várias nacionalidades”. Esta terça-feira é Dia da Universidade de Évora.
Espera que a guerra na Síria “termine muito em breve” para que ele, juntamente com outros, possam regressar para “libertar” o país. “Estou a fazer o meu melhor para realizar este sonho e espero que todos nos ajudem a acabar com esta guerra estúpida que já dura há cinco anos.”
Rodwan Bakkar Deyab, colega de mestrado, desde 2014 em Portugal, tem o mesmo desejo. Rodwan estudou Informática durante cinco anos, na Síria, onde não conseguiu prosseguir os estudos.
“Por causa da guerra fui para o Egipto e fiquei lá um ano. Foi um ano duro e não consegui estudar por isso fui para a Turquia, mas a língua turca é difícil e as coisas complicaram-se”, refere.
À semelhança de Ramez, Rodwan também chegou a Évora por via da parceria que a universidade firmou com a plataforma dos estudantes sírios.
“Este é o melhor sítio do mundo para estudar”, conta. “Estou muito feliz por aqui estar. Évora é uma cidade calma, bonita, onde já tenho muitos amigos sempre prontos a ajudar-me”, revela o jovem sírio, estudante de Engenharia Informática.
Estudar num “sítio seguro”
Também Israa Aikahwaji destaca a entreajuda que tem encontrado em Portugal onde chegou há dois anos. Frequenta o mestrado em Arquitectura Paisagista. O percurso “não tem sido fácil”, mas procura “ultrapassar os desafios olhando-os como uma oportunidade”.
Os amigos ajudam a superar as dificuldades e a “enfrentar o futuro com esperança”, diz Israa. “Poder estudar num sítio seguro e fazer com que as nossas famílias se orgulhem de nós” é um desafio para a arquitecta que espera, um dia, “voltar mais forte para a Síria com muita vontade de reconstruir o país”.
A mesma vontade demonstra Mohammad Nour Machlah, sírio que frequenta o mestrado integrado em Arquitectura na Universidade de Évora.
Antes de chegar a Portugal, onde está também há dois anos, procurou outros países para prosseguir os estudos. Apesar de ter sido aceite nalgumas universidades, garante, a sua nacionalidade impediu que se viabilizasse a partida. Passou pela Turquia, mas não ficou por causa da língua. A plataforma de estudantes sírios havia de o trazer para Portugal.
“Abriu-se uma grande porta na minha vida”, confessa. A sensação foi de “felicidade” por poder prosseguir os estudos e de “aventura pela oportunidade de conhecer uma nova cultura”.
“As pessoas sabem muito pouco sobre nós e é minha obrigação explicar aos meus amigos, como vivemos”, diz Nour, que já se sente em casa.
“Não é como na Síria, mas esta é também a minha casa e a minha família, algo que precisava na minha vida. Não foi algo que eu tivesse escolhido. Tive de sair do meu país, mas estou grato a todos os que me estão a ajudar. É este o espírito de Portugal”, refere o arquitecto. Tal como os colegas, quer um dia regressar às origens.
Falta apoio internacional
Lançada em 2013, por iniciativa de Jorge Sampaio, a Plataforma Global de Apoio aos Estudantes Sírios consiste num programa de bolsas de estudo de emergência que enquadrou já três vagas sucessivas de estudantes do ensino superior. Actualmente encontram-se em Portugal cerca de 100 bolseiros e cerca de cinco dezenas em outros nove países.
Recentemente, num debate na Universidade de Évora e em conversa com os estudantes, o antigo chefe de Estado lembrou que o fenómeno dos refugiados “não vai abrandar, tem uma dimensão global e atinge proporções verdadeiramente inauditas”.
Jorge Sampaio defendeu respostas eficazes a este fenómeno que “não podem ser de natureza puramente imediatista, nem revestir um simples carácter provisório”.
Uma dessas vias é pela educação e por permitir o acesso ao ensino superior aos estudantes da Síria, país em que “25% dos jovens” que concluía o secundário entrava na universidade, antes da guerra, enquanto, agora, “apenas 1% dos refugiados é admitido no ensino superior”.
“Se nada se fizer, haverá gerações inteiras perdidas no que respeita aos diplomados universitários”, alertou, insistindo na necessidade de criar um mecanismo de resposta rápida para jovens em situações de emergência que frequentem o ensino superior – medida que já propôs, nas Nações Unidas, em Nova Iorque, num encontro à margem da Cimeira dos Refugiados e Migrantes.