04 nov, 2016 - 16:22 • Sérgio Costa
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Está a levantar sérias reservas a proposta do Bloco de Esquerda para legalizar a eutanásia e torná-la, juntamente com o suicídio assistido, um acto médico sempre que praticados ou supervisionados por um clínico.
Em entrevista à Renascença, Carlos Costa Gomes, do Centro de Bioética da Universidade Católica do Porto, diz estarmos “perante um antagonismo” e algo que apela a um acto “ um pouco contraproducente, tendo em vista que a actividade do médico é para cuidar, curar e salvar”.
O investigador defende uma boa campanha de esclarecimento sobre a matéria, “tal como aconteceu em 1997 com a questão do aborto” e destaca: “a eutanásia é sempre aquele pedido do doente ao médico para que este o mate”.
Há, portanto, no entender de Carlos Costa Gomes, “uma hipervalorização da autonomia da pessoa que está doente, que, de certa forma, híper-atrofia a autonomia do médico para que este lha execute”.
Quanto ao suicídio assistido, “tem outro composto. A pessoa vai a uma consulta médica, o médico prescreve-lhe a receita e depois o próprio doente, em casa, toma a medicação para morrer”, afirma.
“Os dados que temos em concreto são que mais de 60% das pessoas que recorrem a esta técnica depois não o conseguem fazer”, acrescenta.
Carlos Costa Gomes defende que, “quando as pessoas estão numa franja da vida com alguma fragilidade é quando o Estado devia tomar conta delas”. E este processo deveria começar logo nos cuidados paliativos, nas consultas e nas eventuais intervenções cirúrgicas necessárias, realizadas a tempo e horas.
“É todo um Serviço Nacional de Saúde que é preciso organizar e reorganizar para prestar os primeiros cuidados e não quando estes já não são possíveis”, sustenta.
Nesse sentido, “quando o Bloco diz que a eutanásia e o suicídio assistido podem ser uma ajuda à pessoa que vai morrer ou compaixão pela pessoa que sofre, do ponto de vista da Igreja Católica, quando eu mato por compaixão ou quando eu mato por misericórdia, mato precisamente a possibilidade de fazer misericórdia e compaixão pela pessoa, porque a anulo”.
O investigador do Centro de Bioética da Universidade Católica do Porto ressalva, no início da entrevista, que tem “formação de base é cristã e católica e, para que fique claro, o pensamento católico é usado como reflexão e nunca como argumentação”.
E pede, por fim, um bom esclarecimento da população sobre o projecto de lei que o Bloco quer discutir no Parlamento. Até porque parece haver alguma indecisão face a alguns pontos, nomeadamente, no de excluir as pessoas com perturbações mentais e as crianças.
“Aprovou-se, por exemplo, a eutanásia na Holanda e na Bélgica. Tinham um princípio e depois começou a ser alargado e hoje já é aplicado a crianças que nem precisam de autorização dos pais”, lembra o investigador.
“É um sinal claro de alguma incerteza do próprio Bloco de Esquerda nesta matéria, que quer segurar alguma clareza nisto. Na minha perspectiva, o povo português deve pensar, deve ter uma reflexão sobre esta matéria e, tendo em conta a sua natureza, pensar naquilo que quer para o futuro e para os seus”, conclui.