27 jan, 2017 - 12:24
As redes sociais são cada vez mais utilizadas para partilhar informação, mesmo de carácter pessoal. Mas já pensou quem tem acesso aos seus dados e se estão realmente protegidos? Por exemplo, se publicar uma fotografia ou outra informação pessoal no Facebook, que mal poderá ter?
“Se estamos no Facebook numa modalidade não aberta a qualquer um, temos um relativo problema. Num conjunto mais reservado de amigos, a informação ficará mais contida, mas há sempre o risco de reprodução daquilo que acabámos de publicar para outras finalidades, difundindo a nossa informação para além daquilo que nós queríamos”, avisa a presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Convidada do programa Carla Rocha – Manhã da Renascença, Filipa Calvão alerta que qualquer informação colocada nas redes – “como, de resto, na navegação na internet” está sujeita a tratamentos terceiros “e o próprio Facebook tem isso na sua política de privacidade”.
São empresas que podem aceder “à informação daquilo que nós publicamos, no Facebook ou noutras redes sociais, e trabalham essa informação, criam perfis sobre nós” para depois direccionarem quer o marketing – que é o que mais vemos, a publicidade vem adequada àquilo que acabámos de publicar ou consultar noutro site – mas também para outras finalidades que nós às vezes não controlamos”, afirma.
Além disso, as empresas para as quais trabalhamos também podem aceder aos perfis individuais, sobretudo se forem públicos. “Não é legítimo na relação laboral”, diz Filipa Calvão, “a não ser que [a pessoa] esteja a disponibilizar a informação da própria empresa, violando, por exemplo, segredo comercial”.
“Há depois outros problemas associados, de controlo de faltas, por exemplo, com pessoas que estão de baixa e que depois se descobre que estão a passear por outros lados”, acrescenta.
Certo é que a privacidade de cada um é cada vez mais reduzida, não só pelo uso das redes sociais, como por gestos do dia-a-dia, como um simples pagamento com cartão. Muito do que fazemos fica registado.
O banco pediu cópia do Cartão do Cidadão. Posso recusar?
“Há uma lei que proíbe a reprodução – seja fotocópia seja digitalização – do cartão de identificação civil, mas admite consentimento do titular do cartão que se possa tirar essa cópia”, explica a presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
“Mas, para haver um consentimento, para se cumprir a lei, é preciso que esse consentimento seja de facto livre – juridicamente, só tem relevo se for livre – e para ser livre tem de haver uma alternativa”, ressalva.
As entidades que pedem uma cópia do Cartão de Cidadão para determinado serviço devem, portanto, oferecer uma alternativa à obtenção desses dados.
Porque a questão levanta dúvidas, a comissão está “a trabalhar numa deliberação para explicar e tornar claro o que é que deve ser feito”.
Privacidade vs segurança?
Até a luta contra o terrorismo deve ter limites na invasão da privacidade alheia, defende a presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
“Como em tudo, tem de haver um equilíbrio. Não podemos sacrificar a exposição da nossa vida em prol de um objectivo – que é mais do que legítimo, todos estamos interessados em que se combata o terrorismo – sem haver verdadeiramente uma adequação nisto”, afirma.
“Não vou guardar todas as comunicações que as pessoas fizeram durante um ano ou dois porque um dia pode ser útil. Tem de haver aqui um limite qualquer”, acrescenta.
Esta sexta-feira, foi notícia que Portugal não está a cumprir as regras europeias que obrigam à partilha de dados de impressões digitais e registo de veículos e que, por isso, é alvo de um processo de infracção por parte da Comissão Europeia.
Mas o ministro da Administração Interna da Baviera, o maior estado alemão, quer mais: que os países que não cumprem as ordens de Bruxelas em matéria de segurança antiterrorismo, entre os quais Portugal, saiam do espaço da livre circulação de pessoas – o Espaço Schengen.
Filipa Calvão assume-se cautelosa. “Entendemos que, uma coisa é haver indícios [sobre uma pessoa], porque conhece ou falou com alguém já indiciado como terrorista, coisa diferente é guardarmos informação de toda a gente residente em Portugal para se analisar e descobrir-se, numa análise preventiva, se a pessoa tem propensão ou vai praticar um crime dessa natureza”.
Quanto ao Registo Oncológico Nacional, a presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados insiste: os dados pessoais dos doentes têm de estar protegidos.
“A proposta [do registo] está a ser apreciada na Assembleia da República e ainda poderá sofrer alterações. Nós não estamos contra. A comissão, o que diz é que tem de estar garantido o tal equilíbrio entre as finalidades louváveis deste registo nacional e a privacidade destes doentes” – algo que se consegue “se se utilizar um algoritmo que mascare a identificação e os elementos que permitem a identificação dos doentes oncológicos”, sustenta.
Filipa Calvão diz, por isso, não perceber “porque é que não se adere a um mecanismo deste tipo”.
Filipa Calvão, 46 anos
Doutorada em Direito pela Universidade de Coimbra e professora da mesma disciplina na Universidade Católica. São estas as únicas informações disponíveis na internet, além da idade, sobre Filipa Calvão.
“Não há nenhum bloqueio, só tenho cuidado na exposição dos meus dados pessoais e acho que todos devemos ter. Já basta os dados que por lei somos obrigados a comunicar a todos ou os que, por fazer certas operações no dia-a-dia, vão ficando registados. Quanto ao mais, acho que deve manter-se alguma reserva”, justifica na Renascença.
Ao chegar para a entrevista, Filipa Calvão confessou uma particularidade: raramente acorda antes das 9h00. “Sou noctívaga”.