15 fev, 2017 - 10:04
Mais urgente do que legislar sobre eutanásia é criar uma rede nacional de cuidados paliativos. Quem o diz é Manuel Luís Capelas, presidente da Associação de Cuidados Paliativos, no dia em que chega ao Parlamento o primeiro diploma sobre eutanásia.
“Se temos pressa em legislar sobre esta matéria – que tem de ser amplamente discutida – deveríamos ter mais pressa em pôr, verdadeiramente e de forma eficaz, uma rede de cuidados paliativos no terreno”, defende na Renascença.
Manuel Luís Capelas não tem dúvidas: é de eutanásia que temos estado a falar e o tema do anteprojecto que o Bloco de Esquerda apresenta esta quarta-feira na Assembleia da República.
“Morte assistida deve ser toda a morte. Isto é eutanásia. Todo o processo de morrer deve ter o acompanhamento clínico e psicológico, para que a vida seja digna até ao momento da morte, porque assim a morte também é digna”, sustenta o presidente da Associação de Cuidados Paliativos, convidado do programa Carla Rocha – Manhã da Renascença, esta quarta-feira.
Seja como for, defende ainda, "neste momento estamos a falar do problema de uma elite em Portugal, porque não é isto que está a preocupar ou a afectar as pessoas”, afirma.
“Sofrimento temos todos nós” e “do que li dos documentos [uma entrevista de João Semedo e anteprojecto do Bloco], não me parece que a dita comissão que vai supervisionar e avaliar [a aplicação da eutanásia] consiga garantir aos portugueses que não vai existir excessos, como houve nos outros países, a ponto de repensarem essa legislação”, acrescenta.
Manuel Luís Capelas pede, por isso, um debate esclarecido e informado e contesta a maneira como os cuidados paliativos estão a ser descritos, nomeadamente por João Semedo, médico e membro do BE.
“Parece que, em cuidados paliativos, o que se faz é sedar os doentes – que não se faz com morfina, mas com fármacos, quando se faz, e com autorização e por decisão do doente. E não têm qualquer relação com a antecipação da morte”, sublinha.
“Quando o sofrimento é o chamado ‘refractário’, há o recurso a uma prática no sentido de fazer a sedação paliativa, que é colocar um nível de alteração de consciência que é discutido e antecipado com o doente e esta sedação paliativa, se feita adequadamente, com as práticas correctas, por profissionais especializados nesta área, não acelera a morte. Há evidência científica mais do que muita para se poder demonstrar isso”, explica.
“Se o dr. João Semedo ou qualquer pessoa viu outra prática errada que acelera a morte, acho que, enquanto cidadãos, temos de denunciar. Porque o que se vê algumas vezes é pessoas sem competência ou formação em cuidados paliativos fazerem o que se chama profusões de conforto de morfina. E isso é uma má prática e essas, sim, se houver doses exageradas de morfina, vão antecipar a morte do doente. Mas o doente não está em cuidados paliativos, está noutra área qualquer, onde, a título de estar em cuidados paliativos – o que não é verdade – acabam por dar altas doses de morfina e isso, sim, é uma má prática, porque antecipa a morte”, esclarece ainda.
“Nos cuidados paliativos, não usamos morfina nem se antecipa a morte”, frisa Manuel Luís Capelas.
O presidente da Associação de Cuidados Paliativos lamenta ainda que o debate sobre a eutanásia, que estava “numa curva ascendente de qualidade, com argumentos lógicos”, tenha sido interrompido com afirmações de que “em cuidados paliativos os doentes andam como zombies e que a morfina que lhes antecipa a morte”.
“Acho que isto é um grande erro e revela um grande desconhecimento científico”, conclui.