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Ciência precária. João é profissional das bolsas há duas décadas

16 fev, 2017 - 09:00 • Cristina Nascimento

Parlamento discute esta quinta-feira a integração de trabalhadores precários ao serviço do Estado. Será o fim do percurso de “todas as bolsas possíveis e imaginárias” que João Silva já percorreu?

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João Silva, 45 anos, doutorado e investigador científico na área dos incêndios florestais há 21 anos. Em duas décadas, este engenheiro florestal bem pode ser considerado um bolseiro profissional.

“Já tive todas as bolsas possíveis e imaginárias, excepto num período em que tive um contrato de cinco anos”, diz.

João recebe-nos numa sala de reuniões do Centro de Estudos Florestais, do Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa. “Tenho passado a grande parte do tempo aqui com algumas saídas. Estive dois anos e alguns meses no Instituto de Investigação de Medicina Tropical com uma primeira bolsa de pós-doutoramento. Durante o doutoramento também estive no Centro Comum de Investigação, em Itália. Mais recentemente também saí durante um ano e meio para a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas o grosso do tempo tenho estado aqui na Agronomia, a trabalhar sempre em investigação, sempre no mesmo grupo dedicado ao estudo dos incêndios florestais”, descreve.

Reconhece que quando se envereda pelo ramo da investigação científica sabe-se que vai haver alguma instabilidade laboral. “Faz parte”, diz. No entanto, também esperava que, após algum tempo, o ciclo de bolsas chegasse ao fim.

“Todos sabemos que temos uma parte instável, em que procuramos projectos, bolsas, no início, para fazer o doutoramento e a seguir ao doutoramento. Com a idade que tenho, acho que é normal, com 20 anos de experiência, ter vínculo nalguma instituição”, afirma.

Até porque a instabilidade tem um custo. “Eu tenho três filhas. Se pensasse seriamente antes de ter um filho na parte da estabilidade e da carreira não tinha tido nenhum”, admite.

Fuga de cérebros não acabou

Não seria só a vida pessoal de João Silva, tal como a de outros milhares de bolseiros, que melhoraria com a estabilidade. Também as instituições onde trabalham sairiam a ganhar, defende.

“A nível profissional, de certeza que estaríamos mais descansados, dedicados e empenhados se não estivéssemos sempre muito preocupados a fazer candidaturas e a pensar no futuro mais ou menos próximo e como nos vamos sustentar”, explica. “A maior parte das candidaturas, seja a bolsas seja a projectos, é bastante complicada e exige bastante tempo”, tempo que não é investido noutras tarefas.

João Silva diz ainda que, no campeonato da estabilidade, Portugal fica nitidamente a perder para outros países, o que tem levado à saída de vários investigadores.

“Tive colegas que trabalharam bastantes anos no nosso grupo e que nos últimos três, quatro anos saíram. Tenho um colega que foi para o Reino Unido, fez um contrato de investigador numa universidade em Inglaterra; outra colega foi para os Estados Unidos e outra para a Austrália”, exemplifica. João Silva garante que “são pessoas que decidiram procurar sítios melhores, muito para procurar estabilidade”.

Tal como os colegas, João admite que sair de Portugal nunca está fora de questão. “Se houvesse uma boa hipótese de um cargo de professor numa universidade que me interessasse e num grupo de investigação, ia ponderar seriamente ir porque as condições nalguns países são completamente diferentes de cá”, reflecte.

O fim da precariedade?

O Governo prevê integrar nos quadros os trabalhadores com vínculo precário que preenchem necessidades de carácter permanente na administração pública. O debate ainda vai no adro e corre em paralelo com outra iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que pretende fazer uma integração de doutorados.

Será desta vez há luz no fundo do túnel? “Gostava de ver”, admite João. Mas não consegue “ter uma esperança que haja mesmo uma revolução, uma mudança de fundo”.

“Gostava de ver uma estratégia de fundo, um programa de cinco ou 10 anos em que se pensasse exactamente como é que, por um lado, se resolve a falta de vínculo e dá mais estabilidade aos doutorados e, por outro lado, temos de ver que as instituições também precisam desses doutorados”.

João Silva passa a explicar. “Se pensarmos no Instituto Superior de Agronomia – e acho que é o caso de muitas universidades e muitos laboratórios de Estado – a média de idades dos docentes e dos investigadores é muito alta. Daqui a cinco, seis, sete anos vai haver um problema muito grande das instituições não serem sustentáveis”, preconiza.

“Os investigadores que estão nas instituições ajudam muito em todos os aspectos”, explica.

“Os números são muito importantes para as universidades, que querem sempre mostrar produtividade, a publicação de artigos científicos, por exemplo. Muito vem do nosso trabalho, dos doutorados que estão a trabalhar nas instituições e também a dar aulas e a orientar alunos.”

Bolsas congeladas e futuras reformas baixas

João Silva queixa-se ainda do salário. Altamente qualificado, com 20 anos de experiência, este investigador leva para casa um pouco menos de 1.500 euros. “É o salário que está tabelado de uma bolsa de pós-doutoramento: 1.495 euros líquidos, porque em Portugal as bolsas não pagam impostos”.

O valor é o mesmo desde o início deste século. “Quem vive basicamente de bolsas, como é o meu caso e de mais milhares de colegas meus doutorados, em mais de 10 anos perdemos um poder de compra muito significativo. Tudo muda menos a bolsa que fica igual por mais de 10 anos, não faz sentido”, afirma.

As bolsas estão isentas do pagamento de impostos, mas quem paga a bolsa é obrigado a pagar o Seguro Social Voluntário, a contribuição para a Segurança Social. Se nada mudar nos vínculos laborais, João Silva prevê que, quando chegar o seu tempo, apenas poderá contar com o valor mínimo da reforma que pode ser atribuído.

Comentários
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  • viceversa
    20 fev, 2017 Lisboa 20:39
    É estranho como o conhecimento incomoda muita gente! É uma opção ficar na ignorância, ser competente implica estudo e dedicação, contribuindo para aumentar a produtividade para além das realizações pessoais de cada um. Bem haja a quem se dedica à ciência e persiste nestas condições!
  • joaquim
    17 fev, 2017 freixo de espada 20:33
    Pedrinho sabichao, explica la à plebe como é..
  • Pedro Martins
    17 fev, 2017 Lisboa 17:52
    Mais uma legião a comentar o que não conhece. O Toto é mesmo Totó, o Tone é ressabiado do privado, o Carlos Marques tem razão, mas quem confunde é o estado, o Tonho é palerma e o António Pais não sabe mesmo do que fala, mas pode falar da "mama" dos outros às 10 da manhã.
  • toto
    17 fev, 2017 china 08:46
    E q tal sair do quentinho e ir à luta! Em 20 anos quantos lugares de docente fora de lx ficaram por concorrer meu caro? É facil dizer q o sistema é maldito. E nas instituicoes os profs q alimentam estas situacoes para beneficio proprio? Pubs, aulas, orientacoes, etc. Wake up !
  • Tone
    17 fev, 2017 Sintra 08:02
    Vão trabalhar para o privado. Não estão bem mudem-se.
  • Carlos Marques
    16 fev, 2017 Viana 11:16
    É mais um erro de percepção mútua , confundir uma bolsa de investigação com um salário.
  • Tonho
    16 fev, 2017 da Figueira 10:01
    troxa
  • antonio pais
    16 fev, 2017 lisboa 09:42
    Tem razão, mas por outro lado, os bolseiros habituaram-se à "mama" da bolsa!!! Existem bolseiros profissionais.

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