27 fev, 2017 - 10:54
O bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, não tem dúvidas: “Qualquer acidente que possa ocorrer [na central nuclear de Almaraz] tem impactos em Portugal”.
Entrevistado no programa da Manhã da Renascença, Carlos Mineiro Aires lembra que a central de Almaraz “está localizada na margem de uma albufeira, que é da Barragem de Alcântara, a maior albufeira antes da entrada do Tejo internacional em Portugal” e que “a seguir já não há nenhuma barragem com capacidade de armazenamento”.
Quanto à visita desta segunda-feira por parte de uma delegação portuguesa, é peremptório: “O que está em causa ali, sobretudo quando se pretende construir um novo depósito de resíduos nucleares, é uma desconfiança em relação à intenção”.
“A central de Almaraz estava para encerrar em Junho de 2020. Hoje, é mais do que sabido – ou provável – que a intenção subjacente é prolongar o ciclo de vida da central em pelo menos mais 10 anos – já se fala em 20”, explica.
A perigosidade da central advém, sobretudo, do facto de ser “obsoleta, com tecnologia obsoleta”.
“É uma tecnologia que hoje não seria feita – e a própria central tenho dúvidas de que também fosse feita”, acrescenta.
Uma delegação portuguesa faz esta segunda-feira uma visita à central nuclear de Almaraz, em Espanha, com representantes do Governo, da Agência Portuguesa do Ambiente e da Comissão Europeia na comitiva.
“Espero que desta visita saia informação suficiente para que possamos avaliar qual o grau de risco e a sua probabilidade de ocorrência”, afirma Mineiro Aires, destacando a falta de respeito que Espanha tem demonstrado neste tema.
Segundo o bastonário da Ordem dos Engenheiros, “a legislação comunitária obriga a que, sendo uma intervenção que provoca impactos nos dois lados, haja estudos de impacto ambiental feitos por um país e pelo outro. Independentes, não complementares. Depois é que são conjugados. Ao não fazer isso nem mostrado vontade que Portugal o fizesse, Espanha mostra uma violação daquilo que seriam os interesses do país a Jusante, ou seja, nós”.
No início do mês, a Ordem esteve junto à central nuclear, mas foi impedida, à última hora, de entrar.
“Uma vez que a questão se estava a mediatizar e tinha impactos em Portugal, a Ordem dos Engenheiros pediu à sua congénere em Espanha que facilitasse o contacto com a administração da central de Almaraz por forma a que uma delegação da Ordem dos Engenheiros pudesse visitar a central. Acederam, pediram-nos a identificação e até o número dos sapatos. O programa incluía almoço e quando estávamos a chegar a Trujillo, na véspera, subitamente cancelam a visita sem justificação nenhuma. Mais tarde, a central emitiu um comunicado a dizer que o propósito da visita se tinha alterado, quando não houve propósito nenhum”, conta na Renascença.
Carlos Mineiro Aires considera que a delegação foi muito mal tratada. “Chegámos a ser identificados pela Guarda Civil, como se fôssemos um bando de facínoras que estava ali à porta”, quando nos “limitámos a ir ver as instalações de fora, uma vez que não nos deixaram entrar”.
A notícia do sucedido terá ajudado a que Espanha e Portugal alcançassem um acordo, mais tarde, com a intervenção do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker.
“A notícia teve um grande impacto, quer em Portugal quer em Espanha, onde, naquela zona, há movimentos de cidadãos que são contra a central – e nós fizemos divulgar em Espanha todas as notícias que saíram cá. Não quero dizer que tenha sido a causa própria, porque os Governo também estão interessados em dirimir a questão, mas acredito que tenha havido alguma influência pela forma vexatória como fomos recebidos e mal tratados em Espanha”, afirma.
Visita de cortesia?
O Movimento Ibérico Antinuclear está pouco optimista face à visita da delegação portuguesa à central nuclear e receia que a deslocação não passe de uma visita para “tomar chá”.
“Tenho bastantes receios que esta visita seja para tomar chá e para verificar uma coisa absolutamente irrelevante, que é o aterro que está a ser construído, e fique pela borda de temas problemáticos da central, sobretudo em termos de continuidade e de futuro”, afirma António Eloy à Renascença.
A delegação que inclui representantes do Governo, da Agência Portuguesa do Ambiente, da Comissão Europeia e especialistas da Universidade de Coimbra. Decorre na sequência do acordo alcançado na semana passada entre Portugal e Espanha.