21 abr, 2017 - 11:34
Os sinais de radicalização política em França, que terá eleições presidenciais no domingo, estão a preocupar o Governo português. O secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, esteve esta sexta-feira no programa Carla Rocha – Manhã da Renascença, onde admitiu preocupações acrescidas com os milhares de portugueses residentes em França.
“A França constitui um elemento essencial da construção da paz e do projecto de desenvolvimento europeu. Naturalmente que a radicalização num sentido inverso ao que fizemos nos últimos 40 anos significará um retrocesso, que no nosso entender poderá ter consequências negativas”, afirma.
A conversa com José Luís Carneiro começou, contudo, com a nova lei da nacionalidade portuguesa.
O que é que vai mudar em concreto com as alterações à lei da nacionalidade portuguesa?
Em primeiro lugar, queria transmitir uma mensagem importante a todos aqueles que vivem no estrangeiro: havia desde há muito tempo uma vontade muito forte de muitos descendentes portugueses, nomeadamente no Brasil, se vincularem à cidadania portuguesa.
Aliás, há um movimento muito expressivo nos últimos dez anos, período em que foram atribuídas cerca de 100 mil nacionalidades a descendentes portuguese. Têm que provar os seus ascendentes e registos de nascimentos de pais ou avós.
Havia necessidade de regulamentar a lei da nacionalidade que foi aprovada em Julho de 2015 e nessa regulamentação estava uma dimensão importante que é a dimensão da ligação aos denominados laços à comunidade nacional.
Foi isto que esta regulamentação fez: estabeleceu um conjunto de critérios relativamente ao reconhecimento dessa vinculação à cidadania portuguesa e, por outro lado, também do ponto de vista da segurança garantir a inclusão nessa nacionalidade aprovada em Julho, um instrumento relativo à protecção e seguranças nacionais que não tinham sido acauteladas nessa lei e que por tanto carecia de uma regulamentação e incorporação nesse corpo legislativo.
Trata-se, portanto, de facto, de corresponder a uma legítima espectativa dos descendentes portugueses no estrangeiro e que verão agora novas condições mais fáceis, mais ágeis para poderem nomeadamente vincularem-se á nacionalidade portuguesa.
Há reciprocidade no que toca aos países donde são originários esses descendentes de portugueses? Por exemplo, os PALOP?
As relações internacionais caracterizam-se por um princípio fundamental que é o princípio da reciprocidade. A lei da nacionalidade é uma lei que compete aos parlamentos nacionais e também aos governos determinar as condições em que permitem a vinculação por atribuição ou por actualidade da cidadania nacional.
Entendeu-se, e entendeu já o Parlamento anterior, em Julho de 2015, aprovar uma nova lei da nacionalidade, actualizá-la, ajustá-la ao quadro diverso que vivemos hoje e tendo em consideração também o posicionamento de Portugal no mundo, esta relação especial de Portugal com o mundo.
Faltava regulamentá-la e o que se tratou agora foi de encontrar uma regulamentação adequada. Cada país tem naturalmente as suas regras, que andam em torno de duas questões: ou a valorização da ligação consanguínea ou a valorização da ligação ao território, ou a articulação destas duas dimensões.
Faz sentido mexer na lei da nacionalidade numa altura em que o terrorismo leva tantos países a apertar a malha no controlo desse tipo de mecanismos?
Como pude explicitar, uma das razões pela qual se mexeu na lei foi precisamente introduzir uma dimensão de segurança e de protecção que não existia.
Quais são esses mecanismos de segurança?
São mecanismos que têm a ver com a interligação de informações e a articulação com o responsável da tutela do Ministério da Justiça, que fará em determinadas circunstâncias uma apreciação das condições para a atribuição ou não. Incorporou-se essa dimensão que não estava prevista.
No que me diz respeito, porque essa é a minha responsabilidade e tem a ver com a atribuição da nacionalidade aos descendentes de portugueses no estrangeiro, aquilo que quero dizer é que fundamentalmente o quadro que aqui se cria é o de estabelecer uma relação especial com aqueles cidadãos que, sendo descendentes de portugueses, têm as suas origens em países com língua oficial portuguesa.
Na sua opinião, qual seria o pior cenário nas eleições francesas? O que é que os portugueses poderão ter a temer?
Nós temos comunidades muito significativas, quer em França, quer na Venezuela, quer em muitos outros países – em praticamente quase todos os países do mundo – e o mais importante é que os portugueses que vivem, trabalham, investem nessas comunidades se envolvam activamente na vida cívica e na vida política desses países e na vida das instituições. A sua participação é fundamental para a sua boa integração.
Em segundo lugar, aquilo por que devemos trabalhar é para que esses cidadãos das comunidades portuguesas trabalhem cívica e politicamente nesses países de acordo com os valores do projecto europeu. São valores que estão consubstanciados numa Carta de Direitos Fundamentais e numa Carta de Direitos Sociais, que são por nós perfilhados e pelos quais temos o dever de trabalhar todos os dias em todas as comunidades onde nos encontremos.
Mas considera que uma alteração, nomeadamente para tendência mais extremista como as sondagens apontam, pode ter consequências nefastas para o dia-a-dia dos portugueses em França?
Há sinais de uma radicalização particularmente nos mais jovens, em vários países nomeadamente em França nas regiões do sul e interior. Estes sinais de radicalização são sinais que nos devem preocupar.
A França constitui um elemento essencial da construção da paz e do projecto de desenvolvimento europeu. Foi, ao longo da história, um motor inspirador de valores e de direitos fundamentais. Naturalmente que a radicalização num sentido inverso ao que fizemos nos últimos 40 anos, de construção europeia, significará um retrocesso que no nosso entender poderá ter consequências negativas, nomeadamente na relação com as comunidades emigrantes e, particularmente, com os portugueses que vivem, trabalham e que investem em França, porque constituem uma das comunidades mais relevantes no território francês.
Em relação à Venezuela – como sabe é das situações mais complicadas ao nível internacional – Portugal tem algum plano para repatriar parte da comunidade portuguesa naquele país, caso seja necessário?
Portugal, como é do domínio público, tem um plano de regresso geral que foi actualizado por uma deliberação do Conselho de Ministros de Julho de 2016 e tem um conjunto de instrumentos jurídico-institucionais de condução de um quadro de urgência e de necessidade relativamente ao regresso ou à evacuação de portugueses que se encontrem em países cuja circunstância social, económica ou política assim o exija.
Portanto, Portugal está preparado para receber portugueses da Venezuela que pretendam regressa?
Nós estamos preparados e articulados no quadro das instituições do país para tratar quer do regresso geral, quer da evacuação em casos de circunstância que o justifiquem. Há um conjunto de 20 países identificados nesse plano de regresso geral.
A Venezuela consta nesse plano?
Não me compete no plano público referir. O quadro legal é um quadro público. Os 20 países são objecto de avaliação. Naturalmente que as circunstâncias que se vivem na Venezuela exigem de nós uma atenção totalmente especial, o que levou aliás o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros na última reunião da Comissão dos Negócios Estrangeiros a assumir, do ponto de vista institucional, a coordenação interministerial deste processo em articulação com primeiro-ministro que é quem preside ao plano de regresso geral.