16 mai, 2017 - 07:00 • Dina Soares
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São 14h00. No largo junto à Associação Recreativa de Segura, à sombra das árvores, um grupo de homens da aldeia conversa sobre a central nuclear de Almaraz. “O que é que adianta dizer que não concordamos com Almaraz?”, pergunta José Caldeira Fernandes. “Vamos todos parar ao cadafalso. Cobrirmo-nos com panos brancos ou não, pôr máscaras ou não pôr, vai tudo parar ao inferno”.
José ri-se. Para este habitante da aldeia portuguesa mais próxima da central nuclear, em caso de acidente, tanta faz as pessoas protegerem-se como não.
Apenas os 170 habitantes de Segura, uma aldeia do concelho de Idanha-a-Nova, teriam que ser retirados de suas casas como medida de precaução em caso de acidente grave em Almaraz.
Nesta povoação fronteiriça, ninguém conhece a simulação do Exército, revelado esta terça-feira pela Renascença, que prevê que 800 mil pessoas possam ser afectadas em Portugal em caso de um acidente nuclear em Almaraz comparável ao de Chernobyl.
Os habitantes de Segura desconhecem as medidas de segurança a adoptar em caso de acidente nuclear. José não acredita nelas, mas Jorge Fonseca, o presidente da junta de freguesia local, critica o silêncio. “Não temos qualquer informação, nem a nível da junta de freguesia nem através de qualquer acção de sensibilização destinada à população”, lamenta.
O silêncio das autoridades responsáveis pela segurança já vem de longe. O antecessor de Jorge Fonseca liderou a junta durante 12 anos e também nunca foi abordado por ninguém sobre o que fazer em caso de acidente. “A gente sabia alguma coisa? Nada. Nunca ninguém veio cá ter com a gente. Como os nossos governantes se estão nas tintas porque estão longe e comem todos do mesmo tabuleiro, encolhemos os ombros”, afirma José Pinheiro Barata.
O único mecanismo de prevenção existente em Segura é um equipamento que monitoriza o nível de radioactividade na atmosfera, instalado pela Plataforma Tejo Seguro. A organização da sociedade civil fez uma recolha de fundos para pagar o equipamento e garante o seu funcionamento. Não admira, por isso, que os habitantes de Segura se sintam abandonados.
“Não se está aqui bem”
João Caldeira Pires não se sente bem na aldeia que o viu nascer. “Não se está aqui bem, com certeza que não. Se houvesse uma votação, eu dizia não à central nuclear”, diz.
Lucília Vaz constata que só quando a sociedade civil portuguesa e espanhola se começou a manifestar é que os governantes portugueses sentiram necessidade de tomar posição. “Só nessa altura é que tiveram vergonha e quiseram falar com os espanhóis mas os espanhóis não lhes passam cartão nenhum”, critica.
Numa aldeia com apenas 170 habitantes e onde a maioria já passou os 70 anos, a informação é pouca. “Eles sabem lá”, lamenta Lucília Vaz, “as conversas deles são sobre o Benfica, o Sporting e pouco mais”. José Pinheiro Barata é um bom exemplo: “Eu cá não digo nada. A mim ainda não me fez mal nenhum.” Maria Emília Afonso nem sequer se interessa pelo assunto: “Oiço falar, mas não ligo muito a essas coisas”.”
Maria Emília não sabe o que fazer em caso de acidente. Ignora que para se proteger do baixo nível de radiação que, segundo a simulação do Exército, chegaria a Portugal em caso de acidente, basta fechar-se em casa, isolar todas as entradas de ar do exterior e não consumir água da torneira. Mas Maria Emília não sabe disto. Nem ela nem os outros habitantes da aldeia nem os 800 mil portugueses que podem ser afectados pela radioactividade em caso de acidente na central nuclear mais antiga de Espanha.