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Da Capa à Contracapa

Nuno Garoupa. “Caso Sócrates já passa factura. Ninguém reforma o Ministério Público"

27 mai, 2017 - 18:43 • José Pedro Frazão

O investigador, que presidiu à Fundação Francisco Manuel dos Santos entre 2014 e 2016, avisa que juízes como Carlos Alexandre acabaram a fundar partidos em diversos países. Garoupa diz que os partidos receiam propor a reforma do Ministério Público por causa deste caso mediático.

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Autor de uma proposta de alteração do “Governo da Justiça” em Portugal, publicada em 2011, o investigador Nuno Garoupa conclui que nada mudou nesse domínio. No programa “Da Capa à Contracapa”, da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, o professor da Universidade de Illinois sugere que os partidos políticos têm medo de propor a reforma de um Ministério Público que, na opinião deste especialista, não funciona em Portugal.

“Não sei se o Ministério Público tem poder a mais ou a menos, se tem poder formal a mais e poder verdadeiro a menos. Isso é um grande debate. Não sei se é um problema de recursos, se é um problema de gestão, se é um problema de regras processuais. Mas tudo isso tem que explicar com certeza porque é que, quando comparamos o desempenho dos vários Ministérios Públicos, o nosso fica aquém. Isso está sobejamente expresso no Conselho da Europa, em relatórios da OCDE, em comparações internacionais”, afirma Nuno Garoupa na Renascença.

Para o antigo presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, os partidos estão paralisados por causa da investigação ao antigo primeiro-ministro José Sócrates, cujos prazos de acusação têm vindo a ser sucessivamente ultrapassados.

“Qual é o efeito do Caso Sócrates neste momento? Nenhum partido faz a reforma do Ministério Público. O primeiro partido que disser que é preciso reformar o Ministério Público, vamos ouvir os procuradores do Ministério Público a dizer “lá estão eles a interferir com a nossa independência”. O Caso Sócrates já está a passar uma factura enorme ao país, porque nenhum partido se atreve sequer a sugerir que é preciso reformar o Ministério Publico”, acusa o jurista num tom muito crítico em relação ao estado da Justiça em Portugal.

Quando a política e a justiça se cruzam

Nuno Garoupa diz que a política já entrou na Justiça e vice-versa em Portugal. “Já entrou e tem que entrar”, diz o investigador que no entanto pede cautela no tipo de reformas a adoptar no sector.

“Vai ser uma péssima ideia fazer qualquer reforma do Código de Processo Penal em função do caso Sócrates. É quase inevitável que isso vai acontecer. As reformas deviam ser feitas ponderosamente e tendo em conta não os casos mediáticos mas provavelmente os outros milhares de casos de que não estamos a falar e que são o dia-a-dia da justiça”, observa o convidado do “Da Capa à Contracapa”, onde comentou o estado da Justiça em Portugal com a advogada Mariana França Gouveia.

A professora universitária, especialista em arbitragem jurídica, admite que um dos problemas da reforma da justiça é precisamente o da independência dos magistrados judiciais e do Ministério Público.

“Quão sensível isto é, quão importante é este pilar da democracia. Todos queremos uma justiça eficaz, queremos uma justiça muito bem gerida. Mas não queremos uma justiça que obedeça ao Ministério da Justiça. Não queremos um juiz que decida em função daquilo que um ministro lhe diga para decidir”, assinala Mariana França Gouveia, actual administradora da Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenadora científica do estudo “Justiça Económica em Portugal”.

Carlos Alexandre e a transparência dos juízes

O investigador Nuno Garoupa não poupa ainda o papel dos juízes no actual sistema de justiça em Portugal, denunciando “falta de transparência” na gestão dos juízes, sintoma ainda de “falta de coragem” para colocar certas questões.

“Será que eu não quero saber, quando José Sócrates está a depor perante um juiz, quem é esse juiz? Temos que falar dos juízes. Os juízes não são anónimos. Eu quero saber de onde veio o juiz, quem nomeou o juiz, porque é que foi escolhido aquele e não outro juiz”, insiste Garoupa para quem os juízes não são “uma massa cinzenta em que não faz diferença qual é o juiz que está num caso concreto. Faz muita diferença neste e no outro milhão de casos pendentes”.

Garoupa vai mais longe neste pedido de transparência dirigido ao juiz como o que lidera o Tribunal Central de Investigação Criminal.

“Os juízes que noutros países estiveram em posições idênticas ao juiz Carlos Alexandre - e nunca falei pessoalmente com o juiz Carlos Alexandre - acabaram por fazer vidas partidárias. E a liderar partidos quer em Itália quer em França, a desempenhar cargos de ministro da justiça. Temos que estar prontos para cenários em que temos que ter transparência”, avisa o convidado da edição desta semana do programa “”Da Capa à Contracapa”.

Comentários
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  • Luis
    29 ago, 2017 Lisboa 17:52
    Mais um grande teórico da batata. Quando estava à frente da FFS enviei-lhe por email documentos comprovativos de como a corrupção funciona em Portugal, de como as Instituições se protegem umas às outras e de como o MP em muitos processos de investigação faz vista grossa a muitos casos de ilegalidades devidamente comprovadas que só podem resultar de actos de corrupção. Situações de licenças de obras concedidas ilegalmente pela CMO a construtores, devidamente comprovadas pelo próprio MP, que este arquivou por falta de provas de corrupção como se estes "almoços" que nunca são grátis fossem pagos à vista de toda a gente em dinheiro vivo. Situação levada ao conhecimento da Srª PGR que por sua vez também fez vista grossa. O Sr. Garoupa recusou receber toda a documentação que eu estava disposto a entregar para a ajudar a FFS a fazer um estudo sério sobre a corrupção em Portugal. São todos muito críticos apenas quando estão fora dos cargos em que estiveram quando poderiam ter feito alguma e nada fizeram. A realidade da nossa justiça é a que é há dezenas de anos, que houve entretanto de novo para que o Sr. Garoupa só agora se lembre que o MP precisa de uma reforma? Total? De alto a baixo, ou só assim, assim? Para fazer de conta? Sr.Garoupa desminta se não for verdade.
  • Alberto Souza
    28 mai, 2017 15:53
    já foi feito um balanço no despacho do caso do Banco português de negócios e condenados os mega processos....
  • Khora
    28 mai, 2017 Portugal 09:31
    Uma justiça q deixa casos graves prescreverem, q dilata os processos no tempo e no palavrório obeso, que é cara, que penaliza injustamente os mais simples só serve à manutenção do emprego dos juízes.Não serve ao povo que a mantém!
  • Viriato à Pedrada
    28 mai, 2017 Lisboa 07:58
    No essencial Portugal não mudou nada em oito séculos de existência Vários séculos passados e Portugal com as mesmas mentalidades de gente perigosa e mesquinha de horizontes tão estreitos. Hoje mais claro do que nunca, há séculos que é assim na nossa Pátria: os donos dela dizimam os melhores, para garantir o seu sossego. O mais antigo é o ínclito infante D. Pedro, o príncipe das sete partidas que foi duque de Coimbra. Saiu de Portugal na Idade Média, viajou pela Europa e regressou um espírito moderno. A fidalguia que cercava um rei-criança atraiu-o a Alfarrobeira e liquidou-o. Vem depois o Damião de Góis. Letrado humanista e reformado, serve o rei em múltiplos lugares da Europa, conhece Lutero e Melanchton, hospeda-se em Erasmo. A Inquisição condena-o por heresia, vitima-o em Alenquer. Marquês de Pombal, repito, não vale a pena falar. Foi um sanguinário déspota formado na Europa, que esquartejou os Távoras no Beco do Chão Salgado. Uma única pergunta subsiste: no seu tempo, que poderia fazer pela Pátria um ministro iluminado, sem antes partir os dentes à aristocracia indígena??! Depois da morte do rei, os parasitas duma rainha louca destruíram-no aos poucos, anularam-lhe o legado. Outros exemplos não faltam, para vergonha e desgraça da Pátria. A forma das coisas muda, a essência permanece. José Sócrates está aí para o demonstrar.
  • Viriato à Pedrada
    28 mai, 2017 Lisboa 07:53
    "A justiça não é vingança e a vingança não é justiça" Marinho Pinto, antigo bastonário da Ordem dos Advogados e atual eurodeputado: "José Sócrates acabou, enquanto primeiro-ministro, com alguns dos mais chocantes privilégios que havia na sociedade portuguesa, sobretudo na política e na justiça. Isso valeu-lhe ódios de morte. Foi ele quem, por exemplo, impediu o atual Presidente da República* de acumular as pensões de reforma com o vencimento de presidente. A raiva com que alguns dirigentes sindicais dos juízes e dos procuradores se referiam ao primeiro-ministro evidenciava uma coisa: a de que, se um dia, ele caísse nas malhas da justiça iria pagar caro as suas audácias. Tenho muitas dúvidas de que o antigo primeiro-ministro esteja a ser alvo de um tratamento proporcional e adequado aos fins constitucionais da justiça num estado civilizado. Há, em Portugal, cidadãos que nunca poderão ser humilhados pela justiça como está a ser José Sócrates: os magistrados. Desde logo porque juízes e procuradores nunca podem ser detidos fora de flagrante delito. A justiça não é vingança e a vingança não é justiça". 25 de novembro de 2014
  • Armando Cardoso
    28 mai, 2017 Leiria 06:58
    Quer este cavalheiro dizer a verdade que eu sempre tenho dito: - Na Justiça Portuguesa, um processo e as suas consequências nada ou muito pouco têm a ver com o crime praticado mas sim com quem o julga. Quer dizer que a absolvição ou a condenação dependem do juiz que nele calhou e não do acto criminoso. A meu ver isto é péssimo. Os juízes não devem ser clonados. Mas exageradamente díspares, nunca! A formação é a mesma, o conhecimento igual, e a postura e zelo devem ser semelhantes. Não é por acaso que se discute ou ridiculariza o juiz escolhido.
  • Joana
    27 mai, 2017 Lisboa 22:59
    Três notas breves: 1. Os Juízes são independentes; o Ministério Público é autónomo. Tenham a bondade de estudar o que significa uma coisa e outra, pois são diferentes. 2. Os Juízes não são "nomeados" nem "escolhidos". Existem movimentos judiciais e concorrem, sendo colocados em função da sua nota e da sua antiguidade; e, naturalmente, das vagas disponíveis em cada momento: as que são abertas e as que surgem pela dinâmica do próprio movimento. 3. Os processos da competência de cada Tribunal são objecto de distribuição electrónica absolutamente aleatória, e é desse modo que são atribuídos aos Juízes. Uma pergunta final. Sendo o Conselho Superior da Magistratura um Órgão onde se encontram já em maior número não Juízes, pessoas indicadas pelos partidos, do que Juízes de carreira, onde está a "falta de transparência na gestão dos Juízes"?
  • 27 mai, 2017 21:32
    Este sujeito ou é ignorante ou está de má fé. Às questões que coloca têm fácil resposta, mas não as quer porque tem uma agenda.
  • Para refletir...
    27 mai, 2017 Almada 21:32
    Com base nesta frase "(...) cujos prazos de acusação têm vindo a ser sucessivamente ultrapassados." Eu entendo que está a haver uma violação da lei e mais ninguém diz nada a começar por quem fez a lei. E a imprensa continua a divertir o povo e não faz perguntas! Não é o MP que precisa de reforma, é toda a justiça. Depois a grande responsabilidade do que se passa na justiça é do poder político e da imprensa. Não compreendo esta frase "Não queremos um juiz que decida em função daquilo que um ministro lhe diga para decidir”. Para mim o juiz decide em função da lei e se cumprir a lei não se pode desviar. Ou então a Assembleia da República anda a perder tempo a aprovar leis. Para terminar eu pergunto, e os casos de pessoas anónimas que a imprensa (que são muito corretos) ignora?
  • Rui
    27 mai, 2017 Lisboa 20:17
    A Justiça em Portugal, realmente não está nada bem, e por vários motivos, quer seja dos funcionários judiciais, quer pelos procuradores, quer pelos Juízes, não esquecendo o ministério público em paralelo com o Supremo ! Mas na realidade o que realmente "emperra" a Justiça, é o rol de Leis existentes, muitas anuladas por novas, outras (meio) alteradas por força de novas Leis, etc. etc. Enquanto não pegarem e redigirem novos códigos de processo penal e civil (mais pequenos e sem aquelas alíneas todas, e outras coisas mais), fazendo "encurtar" para metade do que existe hoje (pelo menos), acho que não vamos lá. Outra situação decorrente da enormidade desses códigos, é que permite várias interpretações da mesma Leis, ou se pode encontrar alguma que consiga anular a outra, que se iria aplicar. Por isso tantas vezes se vê condenações, que depois de recursos, e troca de Juízes por vezes, resulta em absolvição ! Isto é terreno milagroso para políticos, corruptos e outros tais, de que tanto se tem falado nos últimos anos. Nada que eles não saibam, afinal, muita dessas Leis, foram mandadas fazer por eles e publicadas em D.R. ! Para terminar, quando não é o extenso rol de testemunhas, que nada mais fazem ou se pretende do que atrasar o processo, muitas vezes até há sua prescrição mesmo, e pior do que isso, a quantidade de recursos que se podem usar, pois é outro "atraso" nos processos. Depois ainda temos o problema das cartas rogatórias, que por vezes nem resposta tem !

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