09 jun, 2017 - 06:17
O ministro da Saúde afirmou que um governo responsável não pode ser confrontado com “situações de queima-roupa”, como a ameaça dos enfermeiros pararem os blocos de parto, e disse que se tal acontecer terão de ser assumidas responsabilidades.
Em entrevista à agência Lusa, Adalberto Campos Fernandes falava a propósito da ameaça dos enfermeiros que, segundo a Ordem que os representa, poderão deixar de fazer partos em Julho se não forem remunerados como especialistas
“Alguém compreenderá que se faça uma espécie de xeque-mate com uma ameaça de abandono dos serviços, se o problema não for resolvido amanhã, ignorando que há procedimentos legais, administrativos, orçamentais e até éticos?”, questionou.
Para o ministro, este é um problema “que tem décadas” e uma questão na qual “os sindicatos têm, inclusive, uma posição diferente da própria Ordem”, a qual acusa de estar, nesta matéria, “a assumir uma posição sindical”.
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros anunciou que cerca de 2.000 enfermeiros estão neste momento a exercer funções de especialistas, mas sem estarem a ser remunerados como tal. Serão estes que, segundo Ana Rita Cavaco, estão disponíveis para deixar de assegurar estas tarefas.
“Os governos não podem estar reféns de atitudes intempestivas”, afirmou, reconhecendo as razões destes profissionais, mas não a ameaça.
“Os enfermeiros têm o direito de se sentir indignados por um processo que se arrasta há dez anos, têm direito a fazer ouvir a sua voz, dentro de um quadro do cumprimento das regras, das leis e da ética da própria profissão”, disse.
O ministro acredita que os enfermeiros não vão concretizar a ameaça, até porque ainda tem agendadas reuniões com os sindicatos e a própria Ordem. Contudo, admite que a concretização da ameaça teria consequências: “A responsabilidade política do governo será assumida pelo governo, a responsabilidade profissional, individual e corporativa terá de ser assumida por quem a terá de assumir”.
Mais protestos
Além do protesto dos enfermeiros, o ministro já foi confrontado com vários protestos de outros profissionais do sector, os quais disse compreender. “Em todos os ciclos políticos, ao longo de quatro anos, existem momentos em que as tensões sociais se acentuam por razões compreensíveis e que resultam muito da reivindicação justa e legítima das forças sindicais e das expectativas dos grupos profissionais”, declarou.
Para Adalberto Campos Fernandes, “a saúde foi apenas o sector onde de forma mais visível essas tensões começaram, mas rapidamente se têm estendido, da justiça à educação e outras”.
Sobre o diploma da execução orçamental publicado em Diário da República na segunda-feira que determina que os hospitais têm de cortar pelo menos 35% nos gastos com a contratação de médicos tarefeiros, externos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), o ministro referiu que este “não é um corte absoluto”.
“O país anda há demasiado tempo a gastar de uma forma pouco razoável com médicos que não estão incluídos no sistema, sem especialidade e em alguns casos a receber valores completamente desproporcionados e ilegítimos do ponto de vista da comparabilidade com médicos que integram as carreiras do Estado e o SNS”, disse.
Sobre estes profissionais do SNS que alegadamente exercem outras funções de forma ilegal, o ministro disse que as autoridades são alertadas sempre que os casos são conhecidos.
Saúde terá mais dinheiro em 2018
O ministro da Saúde acredita que terá mais dinheiro disponível no orçamento do próximo ano e reitera que há um “alinhamento perfeito” com o Ministério das Finanças.
“A minha expectativa é a de que em 2018 possamos ter mais dinheiro para a saúde, dentro do que é a capacidade que o país tem de distribuir pelas diferentes áreas os recursos, que infelizmente ainda não são os que gostaríamos todos”, declarou.
Sobre a relação entre Ministério da Saúde e das Finanças, que recentemente tem sido questionada nomeadamente pela oposição, Campos Fernandes refere que tem um “alinhamento perfeito” com Mário Centeno.
“Trabalhamos regularmente e estamos fixados no mesmo objectivo de devolver ao país a soberania económica, o respeito internacional, autonomia nos mercados financeiros, fazer com que Portugal, tão cedo quanto seja possível, veja o ‘ranking’ melhorado, que a economia cresça acima dos 3% e continuemos a fazer o trabalho que temos feito: criar emprego como nunca se tinha sido criado nos últimos anos e dar consistência à esperança”, afirmou.
Assumindo que não tem medidas bloqueadas pelo Ministério das Finanças, Adalberto Campos Fernandes recusa entrar na dicotomia de “polícia bom e polícia mau”.
“Seria para mim muito fácil e simpático e far-me-ia popular se eu quisesse fazer o papel de polícia bom e o meu colega das Finanças de polícia mau, mas isso é absurdo, porque eu tenho o orçamento que negociei no final do ano passado, com a consciência de que é um orçamento limitado, como foi limitado para outras áreas”, referiu.
O ministro recordou que em 2016 e 2017 a área da Saúde teve mais recursos financeiros, lembrando também que hoje há mais quatro mil profissionais do que no início da legislatura.
Numa apreciação ao trabalho dos hospitais portugueses, o governante lembrou que “muitos dos administradores gerem os hospitais em cima do fio da navalha”.
“Imagine o que é gerir um hospital como o Médio Tejo ou Santarém, onde a falta de um anestesista significa que o bloco não trabalha e, no entanto, existem cirurgiões. Mais de que uma cultura de perseguição, dizendo que os administradores são maus ou bons, o importante é dar-lhes os meios, a autonomia e a responsabilização individual”.