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Da água ao fogo. Porque não fechou a N236-1, a "estrada da morte"?

21 jun, 2017 - 08:20 • João Carlos Malta (texto) e Joana Bourgard (fotografias e vídeo)

Muitos dos que perderam a vida, cerca de 47, passaram a tarde na praia fluvial das Rocas, em Castanheira de Pêra. Entraram em pânico e ao querer fugir do fogo foram ao encontro dele. Há quem acuse a GNR de ter indicado o caminho para a morte, mas as autoridades defendem-se: as chamas foram mais rápidas do que alguma vez se podia imaginar. Haverá inquérito.

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Da água ao fogo. Porque não fechou a N236-1, a "estrada da morte"
Da água ao fogo. Porque não fechou a N236-1, a "estrada da morte"

Faltava pouco para as 19h00, Hélia estava com os pés de molho na piscina da Roca, em Castanheira de Pêra. O neto andava a chapinhar pela água. Via-se o fogo, mas lá longe ainda. Nada que metesse medo. No entanto, os raios anunciavam uma tempestade seca. O director da piscina mandou todos saírem da água. Por precaução. O espaço estava prestes a fechar.

Muitos dos que passaram a tarde a banhos eram de fora da povoação, estavam hospedados no Lagar do Lago. Lá estavam José e Sandra, dois empregados do hotel em que estavam alojadas 37 pessoas. Lembram-se de tudo se precipitar num instante. De repente, as chamas já circundavam a vila.

Passados poucos minutos, o que os dois empregados viram foi algo de brutal. O pânico em estado puro começou a apoderar-se das pessoas. Houve famílias a sair dos quartos e a deixar as malas para trás. Só queriam ir dali para fora.

Uns metros à frente, no café-restaurante Gil, Lurdes Henriques descreve o mesmo filme. "Muitos turistas até jantaram cá, mas depois entraram em pânico. Queriam ir para Lisboa, só falavam em Lisboa. A uns ainda lhes disse para irem para o lado da Lousã [local contrário à direcção das chamas], a outros, um casal com duas crianças, tanto lhes pedi para não irem. Ainda levaram uma garrafa de água", lembra.

Todos afluiram à saída de Castanheira de Pêra na direcção de Figueiró dos Vinhos. A GNR estava no local. O IC8 foi cortado. A EN 236-1 estava aberta.

"Houve uma falsa indicação, muitas pessoas queriam sair mas não sabiam para onde ir. Houve alguns militares da GNR que estavam a indicar [o caminho] para a morte. Foi um fim-de-semana de horror", enfatiza Sandra, empregada do hotel.

A gravidade do que aconteceu na "estrada da morte" já levou o primeiro-ministro a reagir. Em entrevista à TVI na noite de terça-feira, António Costa revelou a versão que a GNR lhe deu dos acontecimentos.

"Que eu tenha conhecimento, não há nenhuma instrução específica para o encerramento daquela via conforme aqui diz a GNR", avançou.

Segundo o líder do Governo, a GNR justifica o que aconteceu com a "forma totalmente inesperada, inusitada e assustadoramente repentina" com que o fogo tomou a estrada, "surpreendendo todos, desde as vítimas aos agentes de Protecção Civil, nos quais se incluem os militares da Guarda Nacional Repúblicana".

Nem a GNR nem o Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria quiseram responder a nenhuma questão sobre este assunto colocada pela Renascença.

Horas antes, a vice-presidente da Câmara Municipal de Castanheira de Pêra, Ana Paula Neves, alinhava na mesma versão.

"Penso que ninguém contava, não era provável, nem imaginável que houvesse um fenómeno que actuasse com esta rapidez e destruição", afirmou a autarca à Renascença. "Penso que se fez tudo o que se devia ter feito", defende.

Hélia, que esteve na piscina, mas não saiu de Castanheira, onde mora, também não quer fazer uma caça às bruxas. Acredita que tudo foram desmandos da natureza. "Agora as pessoas põe a culpa a uns e a outros, mas foi tudo muito rápido. Não foi falta de A, de B, de C ou de D", afirma, enquanto bebe um café no Gil.

A dona do café discorda da cliente. Sabe-se agora que já havia mortes naquela estrada, pergunta porque é que ninguém a cortou. "A GNR podia ter evitado muitas mortes. Fechava a estrada e evitava muitas mortes", repete. "Se calhar, não valorizaram nada. Aqui as pessoas chegavam em pânico a dizer que iam morrer todas", recorda a mulher, que confidencia que desde a tragédia que não vê nem lê nada sobre o assunto. "Não consigo."

Mas lembra-se de tudo com uma certeza. Se, por um lado, responsabiliza os guardas, por outro, não compreende a decisão das pessoas. "Se tivessem ficado na piscina ou aqui no centro [da vila] as pessoas tinham ficado a salvo. Eu dizia aos turistas para não se irem embora, que aqui não estávamos em perigo. O fogo anda para ali e as pessoas vão em direcção ao fogo?", pergunta incrédula.

A revolta é tanta que, passados alguns minutos, volta a disparar. Desta vez, até o Presidente da República leva um remoque. Diz que gosta dele, mas não gostou de o ver desta vez.

"Para acompanhar o Marcelo já há muitos carros de polícia e 'show-off', até gosto do Marcelo, mas não sei para que é que precisa de tanta polícia. É um aparato que até revolta a população. Na altura em que era preciso não se via ninguém. Agora vêm todos."

O comandante dos Bombeiros Voluntários de Castanheira de Pêra, José Domingues, também defende que não havia informação que levasse a um encerramento da via EN 236-1. "Penso que ninguém contava, ninguém pensava que isto acontecia com tanta rapidez", argumenta.

"Não era provável, nem imaginável que houvesse um fenómeno que actuasse com este nível de destruição", acrescenta.

José Domingues não quer ajudar a arranjar culpados. "Se alguém mandou avançar viaturas fê-lo a pensar que iam em toda a segurança", sustenta, sublinhando que com todos os anos que tem de serviço nunca pensou assistir a um fenómeno desta magnitude.

Questionado sobre se a qualidade das explicações dadas pela GNR o satisfazem, o primeiro-ministro garante que "a resposta final vai surgir no devido tempo". Ainda assim, Costa diz que a justificação da Guarda é consonante com o que lhe foi dito no terreno pelos autarcas, técnicos das câmaras e populares.

No final, só depois do inquérito, se poderá dizer com toda a certeza como e porque foram tomadas as decisões de não cortar aquela que se tornaria tragicamente conhecida como a "estrada da morte".

Comentários
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  • Leão de amsterdam
    22 jun, 2017 Amsterdam 11:57
    Estamos a falar de uma calamidade não é um fogacho qualquer.o sr tristeza não deve fazer ideia o que é um incendio destas dimensões a uma velocidade vertiginosa tocado pelo vento onde todos foram apanhados de surpresa até os mais cautelosos,é facil apontar o dedo aos outros,seriam os criticos capazes de fazer melhor?
  • Tristeza
    22 jun, 2017 09:24
    Como é possível continuar a dizer que não há culpados quando obviamente nada funcionou. A GNR não sabia que havia risco e enviou famílias inteiras para a morte. Essa é a questão a GNR DEVIA saber que havia risco. A proteção civil DEVIA saber que havia risco. E essa a sua obrigação. Calcularam mal o risco e falharam sã com consequências monstruosas. Da Há obviamente culpados pela magnitude desta tragédia e Tem obrigatoriamente de haver consequências
  • Maria Cecília
    21 jun, 2017 Loulé 17:31
    Para mim foi uma infelicidade para todos os que ali se encontravam. De assim não fosse porque ficaram Bombeiros feridos do qual já faleceu um deles?, É tão fácil falar mal do que os outros fazem, têm prazer em criticar o que os outros!!! Isto só o faz quem não tem o que fazer. Sempre houve que não vive com a vida que tem mas com a vida dos outros, nem merecem que se perca tempo a comentar os seus disparates...
  • P/RR
    21 jun, 2017 do jardim das tabuletas 17:13
    Isto não se devia chamar RR mas sim RC radio censura, será que até falar em urina já merece ser censurado? Irra, cada vez percebo menos esta RR Se não respeita a opinião e a liberdade de expressão, então o melhor era acabar com os comentários. Tenham vergonha!
  • Alberto
    21 jun, 2017 FUNCHAL 14:38
    Porque os Autarcas preferem fazer Pavilhões "multiusos", Concertos do "Toni Carreiras" e Rotundas, em vez de "Abrigos Multiusos" e Depósitos de água pré-posicionados.
  • Leão de Amsterdam
    21 jun, 2017 Amsterdam 14:32
    Agora vai começar a caça ás bruxas,vão incriminar o governo do Costa a Ministra ou o Ministro por não ter acionado o alarme da AR? os GNRs que indicaram mal o caminho ás vitimas?,ao Marcelo que foi ao local quando devia ter ficado em casa mas se não comparecesse era criticado por não ter aparecido,caros srs e sras quando estas coisas acontecem ninguem está preparado para tal imergência cada um faz o seu melhor não há planeamento para combate a situações desta natureza recordemos o Tsunami na Indonesia,o terramoto no Japão ou o furacão em Lova Orleans Não aconteceram em territorio Português todos devemos apoiar as vitimas sem ter e apontar o dedo a alguem ninguem foi culpado
  • Pra Maria Santana
    21 jun, 2017 Portugal 14:29
    O seu comentário é de um frieza brutal. Até nem sei se é humana. Então fica assim tão insensível com a morte de 64 pessoas?? Ainda acha que não tem que haver culpados?? A culpa é da trovoada?? A não ser que tenha 4 anos de idade... FORCA PARA OS ASSASSINOS!
  • Jonas
    21 jun, 2017 Alto 14:17
    Em Pedrogão foram assassinadas 64 pessoas. É o maior genocídio perpetrado em Portugal. A escumalha anda de farda. De hoje em diante só me apetece a passa-los a ferro!!
  • Manuel Guedes
    21 jun, 2017 Porto 13:34
    Ao menos pela memória dos inocentes que perderam a vida ,as autoridades que não tenham receio e investiguem profundamente onde , e sobretudo como começou este fogo. Os habitantes da região sabem é só a PJ ir lá perguntar...porque o que divulgou parece desfasado no tempo e na realidade dos factos.
  • JSilva
    21 jun, 2017 Viseu 12:24
    Há uma pergunta que alguém ainda não fez, alguém ainda não respondeu e talvez haja muita gente interessada em não a fazer muito menos responder, é o seguinte: Se toda a gente sabia que naquele dia, naquela zona haveria risco de incêndio máximo, segundo já li até já tinham decretado ALERTA VERMELHO para aquela zona, porquê que assim que se soube das ignições fossem elas naturais ou criminosas porquê que não se fez logo uma intervenção musculada para tentar acabar logo ali com o flagelo? Sinceramente isto começa a ser um vergonhoso habito, toda a gente sabe que determinada zona está sob o alerta máximo mas depois ninguém enfrenta a coisa na máxima força possivel, por vezes fico com a sensação de que "alguém " deixa que os incêndios tomem proporções gigantescas e só depois actuam em força e com tudo! Se toda a gente sabia que naquela zona, naquele dia e de certo modo em todo o país haveria risco elevadíssimo de incêndio porquê que não colocaram todos os meios de prevenção? Ou será que cuidado e prevenção é só lero, lero? Outra coisa que nunca entendi nem quero entender é porquê que no país há várias designações, datas e atitudes para com os riscos de incêndios falo das famosas Fases Alfa, Bravo e Charlie, ora se fazem tanto alarido em torno disto, porquê que no passado Sábado mesmo sabendo que o país estava em risco máximo de incêndio a Fase Charlie que é a fase de maior risco ainda nem sequer tinha sido activada?

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