17 ago, 2017 - 20:26 • André Rodrigues
Domingos Xavier Viegas é coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, da Universidade de Coimbra e dirige a equipa multidisciplinar que está no terreno a fazer o levantamento das causas e das consequências do fogo em Pedrógão Grande.
Em entrevista à Renascença, dois meses depois do grande fogo de Pedrógão Grande, que matou 64 pessoas e feriu mais de 200 feridos, o perito diz que há queixas de apoio psicológico aos familiares das vítimas e avança propostas para evitar tragédias como esta.
O que tem sido feito e ainda falta fazer em Pedrógão Grande, dois meses depois do incêndio?
Eu e a minha equipa estamos concentrados no estudo do que aqui se passou, no levantamento de dados de informação. Neste momento, estou aqui com a minha equipa próximo do local onde o incêndio se originou, para perceber quais as condições da sua propagação inicial, e temos também falado com imensas pessoas que eram ligadas às vítimas.
Vemos que já está muita coisa a fazer-se, nomeadamente as pessoas procuraram recuperar a sua vida, tentaram levá-la o mais possível na normalidade, reconstruir casas, mas também há muitas marcas, sobretudo, no espírito das pessoas, em particular, daquelas que perderam entes queridos. Para todos aqueles que passaram por isto, seguramente, o futuro não vai ser o mesmo.
As pessoas já sentem no seu dia-a-dia os efeitos da enorme onda de solidariedade nacional que se seguiu aos incêndios? Essa ajuda já chegou ao terreno?
Devo confessar que não temos tido a percepção dessa ajuda. Naturalmente, aquela onda de outro tipo de ajuda, daqueles bens de primeira necessidade que foram enviados maciçamente e que chegaram a muitas pessoas, isso teve reflexo. Tem-se falado muito da reconstrução das casas e dos danos que houve nas propriedades.
Agora, creio que as pessoas sentem – pelo menos tenho ouvido algumas manifestações disso – a falta de algum apoio psicológico e de acompanhamento das pessoas e das famílias. É o que falta ainda aqui no terreno, um pouco.
Após Pedrógão Grande, o país não deveria ter já tirado ilações para evitar a onda de incêndios que está a acontecer?
Há aqui duas coisas que queria distinguir. Uma é aquilo que está a acontecer após Pedrogão, todos estes incêndios que têm sido uma onda devastadora e que são fruto, em boa parte, das condições meteorológicas muito severas deste ano e que não dependem das pessoas.
Agora, há outras coisas que se poderiam e deveriam ter feito mesmo antes de Pedrogão, nomeadamente em matéria de prevenção, de preparação das populações e isso continuamos a ver por estes dias os incêndios a chegarem a aldeias, as pessoas a serem ameaçadas. Felizmente, temos visto uma resposta mais própria, mais presente dos bombeiros, porque tem havido essa possibilidade, se calhar também as condições de propagação desses incêndios, embora sendo graves, não foram tão graves como as que tivemos em Pedrógão.
O incêndio de Pedrogão, naquelas primeiras horas, teve uma propagação que é qualquer coisa de fora [do comum]. Temos dados que evidenciam isso e, infelizmente, em Pedrogão não houve tempo para responder, não houve capacidade para responder.
Desde então tínhamos tempo para evitar o actual cenário?
Há coisas a fazer que não se fazem de um dia para o outro. O trabalho de prevenção, de preparação da floresta e das nossas comunidades rurais para enfrentar este tipo de situações são coisas que demoram tempo. Não é à última hora que se vai preparar as pessoas de que quando recebem uma ordem para sair têm que sair. Isso são coisas que não podem ser ditas em cima da hora. E isso, julgo eu, continua a faltar para não falar de muita outra coisa em matéria de prevenção e limpeza da floresta.
E os trabalhos de limpeza devem ser feitos, sobretudo, no resto do ano…
Claramente, durante todo o resto do ano. Julgo que ainda há muito por fazer e, oxalá, não seja necessário continuar com estes dias terríveis, como estamos a ter. Todos os apelos que se façam são poucos para que as pessoas não façam uso do fogo nestes dias porque qualquer pequeno descuido pode ser digamos um desastre.
A Protecção Civil indicou na quarta-feira que 38% das ocorrências na última semana ocorreram à noite. Que tipos de soluções dissuasoras dos fogos postos podem ser adoptadas? Patrulhas do exército, parece-lhe uma solução?
É uma das soluções, mais presença de pessoas com autoridade no meio do espaço rural que possam servir como dissuasor. Outro modo é sistemas técnicos, nomeadamente câmaras de videovigilância, que façam a monitorização – não podemos ter pessoal em todo o lado. Infelizmente, não podemos evitar em absoluto esse tipo de comportamentos.
Quando se quer obrigar as populações a efectuar a limpeza dos seus terrenos, devemos ter em conta que muitas das propriedades florestais nessas zonas são detidas por pessoas idosas, com baixas reformas e que não têm a possibilidade de contratar esses serviços de limpeza. Que alternativa defende para situações como esta?
Pode haver muitas soluções. Uma das que estamos a trabalhar é a criação de serviços, equipamentos, máquinas que façam essa limpeza em modo automático ou semiautomático, máquinas com controlo remoto que possam fazer essa limpeza a volta das habitações e que ajudem a reduzir essa carga de combustível, com menor emprego de mão-de-obra, a custos mais reduzidos. Esse serviço pode ser disponibilizado por entidades e autarquias.