28 set, 2017 - 18:29
Quem, o quê, quando, onde, como e porquê. Três meses depois de o desaparecimento de material de guerra da base de Tancos ter sido revelado, o país ainda não tem resposta para a maioria destas perguntas. O maior furto de armas de que há memória em Portugal pode até nem ter sido um furto e também há um relatório que ninguém oficialmente reconhece.
O início de tudo
O alegado furto de material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos, em Santarém, foi detectado ao final da tarde de 28 de Junho, por uma patrulha de rotina, anunciou o Exército, em comunicado divulgado no dia seguinte.
Os militares davam conta da “violação dos perímetros de segurança dos Paióis Nacionais de Tancos e o arrombamento de dois paiolins”.
O que desapareceu?
Na primeira informação sobre o maior furto de armas de que há memória em Portugal, o Exército referia o desaparecimento de “granadas de mão ofensivas e de munições de calibre 9 mm”, mas acrescentava que a lista ainda não estava fechada.
Dias depois, o jornal "El Espanol" divulgou na internet a lista completa de material desaparecido, que inclui um vasto arsenal composto também por explosivos, granadas foguete antitanque carro 66 mm, entre outros.
O caso ganhava uma dimensão ainda mais grave e o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o general Pina Monteiro, admite que o caso foi um "soco no estômago" dos militares.
No final de uma reunião com o primeiro-ministro, disse que o prejuízo ascende a 34 mil euros e adiantou que algum material estava indicado para abate.
Falhas de segurança
O alegado assalto a Tancos revelou problemas graves de segurança nas instalações onde estava guardado parte do material de guerra do país.
A videovigilância não funcionava há, pelo menos, dois anos no local onde estavam as armas e a vedação, que apareceu cortada, não era suficientemente resistente devido e estava a precisar de substituição.
Algumas semanas antes do assalto, o Ministério da Defesa tinha autorizado uma despesa de 316 mil euros mais IVA para a reconstrução da vedação.
Em Agosto, são conhecidos mais detalhes sobre a falta de segurança em Tancos. As rondas serviam para “descansar”. Eram feitas por um pequeno grupo de militares sem treino específico para a missão, que traziam as armas descarregadas para evitar “acidentes”.
O chefe de Estado Maior do Exército, Rovisco Duarte, acabou por anunciar a transferência de material militar guardado em Tancos para outras instalações militares.
Um ministro debaixo de fogo
O CDS pediu a demissão do ministro da Defesa e o PSD estranhou que tal não tenha acontecido
Mas o primeiro-ministro, António Costa, deu um voto de confiança a Azeredo Lopes e mostrou-se solidário com o chefe de Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte.
As críticas ao ministro intensificaram-se depois de Azeredo Lopes, em entrevista ao “Diário de Notícias” e TSF, ter admitido que "no limite, pode não ter havido furto" em Tancos.
"No limite, pode não ter havido furto nenhum", porque "não existe prova visual, nem testemunhal, nem confissão. Por absurdo podemos admitir que o material já não existisse e que tivesse sido anunciado... e isso não pode acontecer", declarou o ministro da Defesa.
Azeredo Lopes tinha afirmado anteriormente que desconhecia os problemas de falta de segurança em Tancos e nem tinha que conhecer, porque considera que essa é uma matéria da responsabilidade do Exército.
Falhas de comunicação
Apesar das implicações para a segurança nacional, as secretas souberam do caso de Tancos pela comunicação social, um dia depois de o Exército ter dado pelo desaparecimento do armamento, revelou a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, Helena Fazenda, numa audição no Parlamento.
Nesse dia, tentou falar com o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, general Pina Monteiro, que "estava ausente, em Bruxelas", e só conseguiu entrar em contacto com ele cerca das 24h00 desse dia.
Na altura, descreveu, o furto de material foi tratado com um "nível de preocupação grande" e na reunião participou o CEMGFA.
Segundo Helena Fazenda, um relatório dos serviços de informações equacionou como "cenário plausível" o envolvimento de crime organizado português ou estrangeiro, terrorista ou extremista.
Houve demissões?
O caso de Tancos resultou, até agora, em duas demissões. Cinco responsáveis da base foram também exonerados e mais tarde reintegrados.
O comandante do Pessoal, tenente-general Antunes Calçada, e o comandante das Forças Terrestres, tenente-general António Menezes, bateram com a porta em rota de colisão com as chefias.
No início de Julho, o chefe do Estado-Maior do Exército anuncia a exoneração de cinco comandantes de Tancos para não interferirem na investigação, que seriam reintegrados cerca de duas semanas depois.
O caso está a ser investigado pela Polícia Judiciária, pelo Ministério Público e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pediu "uma investigação total", "doa a quem doer e não deixando ninguém imune".
Alegado relatório sobre alegado furto
O mais recente condimento da polémica à volta do desaparecimento de armas em Tancos é um alegado relatório atribuído a “serviços de informações militares” avançado pelo semanário “Expresso”, mas que Governo, Presidente da República e Forças Armadas desconhecem.
O documento, datado de Julho, elabora três cenários e motivos muito prováveis: tráfico de armamento para África, um assalto promovido por mercenários portugueses contratados e a possibilidade do furto de armas ter como destino os jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico.
O relatório arrasa a actuação do ministro da Defesa em todo o processo. Azeredo Lopes é acusado de “grande ligeireza, quase imprudente”, sendo-lhe apontadas “declarações arriscadas e de intenções duvidosas” e uma “atitude de arrogância cínica”.
O ministro da Defesa admite que o documento tenha sido "fabricado" e que possam existir "objectivos políticos" na sua divulgação.
O director do jornal “Expresso”, Pedro Santos Guerreiro, garante que o relatório existe, é real e promete novas revelações.