13 out, 2017 - 21:05
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José Sócrates diz que o Ministério Público (MP) não apresenta qualquer prova de que tem uma fortuna escondida na Suíça. “Não fui [um primeiro-ministro corrupto], honrei sempre o meu cargo com aquilo que me pareceu ser o interesse do país”, afirmou em entrevista à RTP.
“Como é que o MP prova aquilo que diz?”, afirmou o ex-primeiro-ministro na primeira entrevista desde que foi acusado formalmente da prática de 31 crimes, entre os quais corrupção passiva enquanto detentor de cargo público. "Grande parte desta acusação não passa de insultos do MP", garante.
Com as quatro mil páginas da acusação na mesa do estúdio da RTP, José Sócrates afirmou que na acusação não há nenhum testemunho ou
documento que prove que tem uma “fortuna escondida na Suíça” – o “embuste
inicial do MP”. “A minha pergunta é: com base em que facto o MP pode fazer uma
acusação desta? Com base em nenhuma?”
A identificação dos beneficiários das contas de Carlos Santos Silva – outro dos acusados pelo MP na "Operação Marquês" – indica apenas um beneficiário: o próprio Carlos Santos Silva, frisou o ex-líder do PS. “[Na acusação] Encontra muitos papéis e documentos que provam justamente o contrário”, afirma. Ou seja, que o dinheiro é de Carlos Santos Silva, o seu "melhor amigo fora da política", que o MP acredita ser um testa de ferro.
Para Sócrates, aquilo que o MP fez não foi uma perseguição a um crime, mas sim “uma perseguição a um alvo”. Até porque, sublinhou, o MP “escondeu que nenhuma conta tinha o nome de José Sócrates”.
Sócrates diz que é "amigo do engenheiro Carlos Santos Silva" há 40 anos. Admite que houve transferências de dinheiro de Santos Silva para ele, mas meros empréstimos de um amigo ao outro. "Eu devo ser a única pessoa no mundo que é acusado de ter uma fortuna escondida e que pediu três empréstimos à CGD", ironizou o antigo governante, sublinhando que "isso é posto de lado" na acusação.
Sócrates negou qualquer benefício às empresas do Grupo Lena, assegurando que o então administrador Carlos Santos Silva nunca lhe falou de nenhum concurso em que estivesse envolvido. Segundo adiantou, enquanto liderou o Governo, Sócrates nunca aceitou qualquer empréstimo do empresário com quem o Estado tinha negócios. “Isso seria censurável e eu não o faria”, declarou.
Questionado sobre a razão pela qual os alegados empréstimos de Carlos Santos Silva eram feitos em numerário e não por transferência bancária, Sócrates considerou que se tratava de uma relação normal e que explicou que essa decisão lhe foi pedida pelo empresário. “Não foi para ocultar de ninguém”, afirmou, adiantando que “as quantias eram muito modestas”, tendo apenas uma vez chegado aos 5 mil ou 7.500 euros.
“Para o Ministério Público não interessa nenhuma explicação”
Questionado sobre se falava com Carlos Santos Silva em código (palavras como “dossiê”, “livros” e “fotocópias” seriam, segundo o MP, usadas como sinónimo de dinheiro), Sócrates negou e contra-atacou: “Foi por isso que me prenderam?”
Sobre a alegada existência de contas na Suíça que, em caso de morte de Carlos Santos Silva, seriam herdadas em 80% por um primo de Sócrates. “É outra falsidade”, respondeu. “Essa conta foi encerrada em 2008.”
Para cada alegação citada pelo jornalista, Sócrates deu
uma resposta. Mas, defendeu, “para o Ministério Público não interessa nenhuma
explicação”.
Rejeitando as várias acusações de corrupção passiva enquanto primeiro-ministro, José Sócrates negou ter defendido os interesses de Ricardo Salgado e do BES, ter tido qualquer intervenção na aprovação do empreendimento de Vale de Lobo ou na Oferta Pública de Aquisição da PT pela Sonae ou ter sido quem nomeou Armando Vara para a CGD.
Sobre o alegado entendimento entre o ex-presidente do Banco Espírito Santo entre 1 de Março e 18 de Abril de 2006, disse: “Durante as minhas funções
como primeiro-ministro nunca me encontrei com o doutor Ricardo Salgado até 13
de Outubro de 2006”. E reforçou: “Nunca fui ao banco do doutor Ricardo
Salgado, nunca fui a casa do doutor Ricardo Salgado, nunca almocei com o doutor
Ricardo Salgado.”
Segundo a acusação, Salgado terá corrompido Sócrates para controlar o grupo Portugal Telecom, do qual o BES era accionista. Para isso, o ex-presidente do BES terá feito transferências para contas na Suíça com dinheiro vindo de "offshores", camuflando o dinheiro com ajuda de Hélder Bataglia, que se encarregou de o movimentar pela Europa.
Sócrates nega qualquer envolvimento nestas transferências de capitais entre estes e outros arguidos da "Operação Marquês". E voltou a repetir a sua tese de que esta acusação tem contornos políticos: o Ministério Público quer "criminalizar um período político".
“Um Estado democrático do
dinheiro põe-me nesta situação de ter de ser eu a provar que sou inocente. Mas,
no fim da acusação, não vai sobrar folha sobre folha”, sublinhou. “Quero que
todos os portugueses saibam que este processo não foi um processo justo, foi um
processo excepcional. A lei dá um prazo de inquérito de 18 meses. A minha
prisão foi efectuada não para os objectivos consagrados na lei, mas para
investigar.”
31 alegados crimes
O ex-primeiro-ministro foi acusado de 31 crimes: três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada. Segundo a acusação, Sócrates terá ainda recebido indevidamente mais de 34 milhões de euros, que foram depositados em contas na Suíça entre 2006 e 2009.
A acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.
Além de Sócrates, foram acusados na "Operação Marquês" o empresário Carlos Santos Silva, o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, os antigos administradores da PT Henrique Granadeiro e Zeinal Bava e o ex-ministro e antigo administrador da CGD Armando Vara.
A acusação deduz um pedido de indemnização civel a favor do Estado de 58 milhões de euros a pagar por José Sócrates, Ricardo Salgado, Carlos Santos Silva, Armando Vara, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, entre outros arguidos.
No total, na Operação Marquês foram acusados 28 arguidos, 19 pessoas e nove empresas, por um conjunto de 188 crimes.