25 out, 2017 - 11:40
A associação de psicologia forense PsiJus advertiu, esta quarta-feira, que acórdãos como o da Relação do Porto, que minimiza a violência doméstica contra uma mulher, “estão longe de contribuir” para a prevenção do crime e para a “dignificação da magistratura”.
No acórdão da Relação do Porto, datado de 11 de Outubro, o juiz relator faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério.
O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante.
Em comunicado, a PsiJus - Associação para a Intervenção Juspsicológica manifesta o “mais veemente repúdio” pelo teor das considerações feitas no acórdão, que, afirma, “constitui um atentado grosseiro aos direitos fundamentais das pessoas e à dignidade humana”.
Para a associação presidida pelo psicólogo criminal Carlos Poiares, “acórdãos como este estão longe de contribuir para a prevenção geral e menos ainda para a dignificação da magistratura e da justiça portuguesas”.
“Efectivamente, tal acórdão mais não faz que repetir argumentos que eram já reputados néscios no tempo de Camilo e Ana Plácido, mais parecendo que o autor material daquela peça se equivocou no século em que trabalha e decide – para mal de todos nós”, sublinha no comunicado.
A associação adianta que “nenhuma decisão de órgãos de soberania está imune à liberdade de crítica, como acontece em qualquer Estado de direito democrático”, e que a “comunidade de pessoas livres não se pode silenciar face ao absurdo daquele nada douto aresto”.
“Enquanto profissionais, cabe-nos o dever de não nos reduzirmos à passividade; impende sobre nós, como cidadãos de um país livre, a obrigação de denunciar, como outras instituições estão a fazer, a natureza retrógrada das considerações judicialmente produzidas sobre o adultério feminino, dicotomizando as mulheres entre as honestas e as adúlteras, e com tristes referências a um tempo em que o homicídio era justificado pelo adultério. Uma vergonha”, salienta a PsiJus.
Sustenta ainda que, ao contrário do que o autor da decisão parece acreditar, “o casamento não cria laços de propriedade e o marido não é dono da mulher”.
Várias entidades, entre as quais a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, já se manifestaram contra a fundamentação do Tribunal da Relação do Porto.
Também o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, padre Manuel Barbosa, lamentou o recurso à Bíblia na fundamentação de um acórdão e defendeu que “não se pode atenuar ou justificar qualquer tipo de violência, mesmo em caso de adultério”.
Está também a correr uma petição, que já foi assinada por mais de 5.000 pessoas, que pede uma tomada de posição do Conselho Superior de Magistratura e do Provedor de Justiça e apela a uma "reflexão urgente e séria" sobre a necessidade de alterar o sistema de e/ou avaliação dos juízes, "para que casos como este sejam evitados no futuro".