27 out, 2017 - 17:06
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A petição pública que apela à tomada de posição do Conselho Superior de Magistratura e do Provedor de Justiça sobre a argumentação de um juiz da Relação do Porto num caso de violência doméstica já conta com 17.237 assinaturas.
Na fundamentação do acórdão, a violência doméstica praticada contra a mulher é minimizada pelo facto de esta ter cometido “adultério”.
Os signatários da petição, que pelas 16h15 desta sexta-feira, segundo a página da internet Petição Pública, já reunia 17.237 assinaturas, dizem-se “chocados com a argumentação” apresentada, manifestam repúdio, pedem ao CSM e ao Provedor de Justiça que tomem posição e apelam a uma "reflexão urgente e séria" sobre a necessidade de alterar o sistema de e/ou avaliação dos juízes, "para que casos como este sejam evitados no futuro".
“Dirigimo-nos aos órgãos adequados porque julgamos esta decisão demasiado grave e insultuosa para a sociedade portuguesa e na esperança de repor a confiança nas instituições, principais defensoras do Estado democrático que, acreditamos, vigora em Portugal”, defendem os peticionários.
As petições que devam ser agendadas para apreciação em Plenário da Assembleia da República, ou seja, as que sejam subscritas por mais de 4.000 cidadãos ou, independentemente do número de subscritores, aquelas relativamente às quais seja aprovado relatório nesse sentido, devidamente fundamentado, devem sê-lo no prazo máximo de 30 dias após o seu envio pela Comissão ao Presidente da Assembleia da República.
Do debate é dado conhecimento ao primeiro signatário da petição, com reprodução do número do Diário da Assembleia da República em que o mesmo se mostre reproduzido, a eventual apresentação de qualquer proposta com ele conexa e o resultado da respectiva votação.
Tratando-se de uma petição subscrita por um mínimo de 1.000 cidadãos, a mesma é obrigatoriamente publicada no Diário da Assembleia da República.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que manteve as penas suspensas para o marido e o amante da mulher vítima de violência doméstica, é invocada a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher.
No texto, os autores referem: “Sabemos que a desigualdade e a subalternização das mulheres é uma realidade quotidiana da sociedade portuguesa. Mas não contávamos vê-la assim expressa de uma forma tão óbvia e tão indigna por parte de um órgão de soberania”.
Consideram que as considerações dos juízes devem ser sempre balizadas pelos valores constitucionais, como a igualdade entre mulheres e homens, e questionam: “A argumentação utilizada neste acórdão não é ela própria uma violação dos Direitos Fundamentais, remetendo para um quadro de valores discriminatório, humilhante e abusivo para as mulheres?”.
“Podem as considerações dos juízes citar a Bíblia, sendo Portugal um estado laico? Podem as considerações dos juízes exemplificar práticas de outros países que claramente violam a Declaração Universal dos Direitos Humanos – subscrita por Portugal – e são rejeitadas pela comunidade internacional?”, questionam ainda.
Lembrando que "não intervém, nem pode intervir", em questões jurisdicionais, o Conselho Superior da Magistratura considera, contudo, que as sentenças dos tribunais devem realizar “a justiça do caso concreto sem obediência ou expressão de posições ideológicas e filosóficas claramente contrastantes com o sentimento jurídico da sociedade em cada momento, expresso, em primeira linha, na Constituição e Leis da República, aqui se incluindo, tipicamente, os princípios da igualdade de género e da laicidade do Estado".
O órgão responsável pela gestão e disciplina dos juízes realça ainda que nem todas as "proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes" constantes de sentenças assumem relevância disciplinar, cabendo ao Conselho Plenário pronunciar-se sobre tal matéria.
Ao final da tarde desta sexta-feira realizam-se, no Porto e em Lisboa, manifestações contra o teor do acórdão.