02 nov, 2017 - 06:01 • Graça Franco (Renascença) e Lurdes Ferreira (Público)
Veja também:
O ministro do Ambiente diz que a tragédia dos fogos deixou-lhe um “peso enorme na consciência”. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal “Público”, João Pedro Matos Fernandes, admite que há coisas para as quais ainda não conseguiu encontrar explicação.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) “tem de ter necessariamente mais meios e capacidade de organização muito mais próxima do território”, defende o governante. Novos projectos para Montesinho, Portas de Ródão, Tejo e Douro Internacional e Malcata.
A prevenção, como a limpeza das matas, foi vista pela comissão independente como essencial à redução dos incêndios. Ela é da sua responsabilidade através do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), mas quase não o vimos durante a crise. Qual a sua quota-parte neste desastre?
Vamos separar as coisas. Em primeiro lugar, o que aconteceu foi uma tragédia, morreram 100 pessoas. O meu peso na consciência é enorme e, de facto, há coisas que não consigo explicar a mim próprio. Quem tem a responsabilidade do combate aos incêndios são as estruturas que dependem do Ministério da Administração Interna, quem tem a responsabilidade do ordenamento florestal é o meu colega ministro da Agricultura e Florestas. A responsabilidade do Ministério do Ambiente, que tutela parcelarmente o ICNF...
Que vai continuar a ter tutela dupla?
Não há nenhuma razão, nenhuma proposta, no sentido de a alterar. A responsabilidade do Ministério do Ambiente tem a ver com os parques e com as áreas protegidas. No ano passado aconteceu que no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) houve um número impressionante de área ardida, para o qual foi definido um plano-piloto, que tinha um conjunto de objectivos e acções concretas: primeiro, dotar o parque todo com antenas de telecomunicações (das sete previstas, cinco estão feitas e uma está em construção) e contratar 50 sapadores. No PNPG, até à data, a área ardida é em 50% inferior à do ano anterior. E por isso, a proposta concreta do Ministério do Ambiente em Conselho de Ministros foi estender a quatro outros parques e áreas protegidas esta lógica.
Porquê a esses e não a todos?
É para estas, para já, para as quais conseguimos ter um orçamento directo. Muito para além disso está a contratação de 100 novas equipas de sapadores, que significam mais 500 pessoas que estarão também nas áreas protegidas. A recuperação dos habitats é absolutamente fundamental para tornar a floresta e outras zonas de matos como áreas mais resilientes e mais capazes de resistir aos incêndios. Fizemos um projecto-piloto que correu bem e estamos a fazê-lo em mais quatro parques com a expectativa de que o sucesso seja igual.
Quando falamos que 72% do monumento natural das Portas de Ródão ardeu, que mais de metade da serra da Gardunha ardeu, que 80% da serra do Açor 80%, estamos a falar de quê exactamente?
O caso das Portas de Ródão é um dos quatro casos para os quais vamos construir esses novos projectos. São as Portas de Ródão e o Tejo Internacional por serem contíguos, Montesinho, que teve um número de incêndios superior ao do ano passado, o Douro Internacional, que foi dos parques naturais aquele em que, do ponto de vista da área ardida e dos valores naturais, a situação foi mais complicada ao longo deste ano, mais a serra da Malcata, onde temos de recuperar o viveiro de espécies autóctones. São a grande aposta que o Ministério do Ambiente vai fazer.
O ICNF esteve no centro das críticas dos incêndios, desde investigadores ao presidente da Liga dos Bombeiros. Com meio milhão de hectares de floresta para gerir vai continuar como está?
O ICNF tem de ter necessariamente mais meios e uma capacidade de organização muito mais próxima do próprio território. A estratégia para a conservação da natureza di-lo de forma clara, como o projecto que está neste momento em curso no Tejo Internacional de partilha da gestão com as autarquias, com as organizações não-governamentais do ambiente (ONGA's) e com as universidades. Devemos pensar sempre no prazo de uma mudança estrutural que tem de ser feita. O ICNF não vai ficar como está, a partir do momento em que a intenção com a qual concordo em absoluto de separar o combate do incêndio florestal da protecção das pessoas. Vai fazer com que o ICNF tenha uma responsabilidade muito acrescida.
Quantas mais pessoas vão ter no próximo ano?
Enquanto funcionários não lhe sei dar a resposta. Enquanto sapadores que vão ajudar a fazer a prevenção estrutural, a fazer o primeiro combate a incêndios e depois o rescaldo, vai ter mais 500 pessoas ao longo do próximo ano.
Já tem um plano B para o caso de se verificar uma contaminação generalizada das águas com cinzas dos incêndios, como esperam vários especialistas?
Temos um plano A. As estações de tratamento de água que existem em Portugal estão absolutamente tratadas para tratar água com mais carga orgânica e por isso alguns problemas que possam existir na qualidade da água de consumo são absolutamente pontuais. O que isto quer dizer é que se vai gastar mais energia e mais reagentes. Vai ficar mais caro às entidades gestoras, mas não vai ter de ficar mais caro aos cidadãos. Não há qualquer razão para temer a pioria da qualidade da água: 99% das análises feitas em qualquer ponto do país dão água segura.
Essa é uma garantia: podemos todos abrir a torneira?
Podemos, usando-a com muita parcimónia, porque o problema que temos neste momento é seca. Quem está na agricultura já se apercebeu que assim é, mas não o comum das pessoas.
Não é culpa do Governo? Não devia ter-se avisado desde Março quando se tornou óbvio que o país ia entrar em seca?
Em Julho fizemos os avisos todos que podíamos e estamos a repeti-los. É verdade que agora tivemos mais eco. Mas desde Junho que, com a criação pela primeira vez de um plano de contingência para a seca, que estamos a trabalhar com o objectivo claro de nunca faltar água na torneira. Sendo fundamental que os portugueses a usem da forma o mais poupada e mais regrada possível. Esta é uma área em que o Governo agiu em tempo.
Então como é que a comissão responsável pelo programa nacional do uso eficiente da água nunca reuniu em quatro anos, pelo menos até Agosto?
É um programa que merece um outro olhar. O que deixo como testemunho é o que temos feito e que faz com que, apesar de uma situação tão dramática de seca, nenhum português tenha sentido a falta de água. O que estamos a fazer em Viseu, liderado pela autarquia e co-financiado pelo Fundo Ambiental, é uma acção concreta planeada no tempo e para a qual existe, sim, um plano B. Acreditamos que não vai ser necessário, se as albufeiras que estão perto de Fagilde não conseguirem compensar a falta de água que hoje se sente em Fagilde. O plano B é, a partir do Entroncamento, em comboio, fazer chegar a água a Mangualde.