17 nov, 2017 - 19:26 • Elsa Araújo Rodrigues
As famílias das vítimas exigem a divulgação de parte do relatório em falta sobre os incêndios em Pedrógão Grande, elaborado por uma equipa coordenada pelo especialista Domingos Xavier Viegas.
Não se sabe quantas páginas tem, só que será um dos maiores capítulos do relatório encomendado pelo Governo. A parte que já se conhece tem mais de duas centenas de páginas e na página 149 lê-se que o conteúdo do texto “será disponibilizado oportunamente”, por motivos relacionados com a protecção de dados pessoais.
A presidente da Associação de Familiares das Vítimas de Pedrogão Grande, Nádia Piazza, considera que “o final do mês já é tempo mais do que suficiente”.
À Renascença, Piazza considera que o capítulo em falta é o "mais importante" no que "diz respeito aos familiares das vítimas. E vai mais longe: "Mal seria, se todos os relatórios têm sido tornados públicos, que esse não fosse."
O capítulo seis terá relatos do que aconteceu com as vítimas, mas, seja qual for o conteúdo do texto, Piazza garante que a associação vai assumir uma posição.
O Estado já assumiu uma quota-parte de responsabilidade na tragédia, mas para os familiares das vítimas, ainda há muito para apurar. "Tardou, demorou, esperou pelos relatórios, mas assumiu", diz Nádia Piazza. "Essa questão relativamente ao Estado já superámos, não tivemos que ir a tribunal, não vamos a tribunal", assegura.
“Ainda temos chão para andar”
A associação das vítimas não tenciona agir judicialmente em relação ao Estado, mas não descarta a possibilidade de o fazer em relação a outras entidades.
Todos os lesados e, em especial, as vítimas têm o direito a apurar a verdade – “sejam associadas ou não”, frisa a presidente da associação e mãe de um menino de cinco anos que perdeu a vida na tragédia.
Para além do capítulo em falta, Piazza destaca que “também são importantes as investigações da Polícia Judiciária". "E cá estaremos, se for caso disso, para intentarmos acções contra outro tipo de entidades”, acrescenta.
E enumera quais. “Designadamente a EDP, mas não só. Também temos indícios de que não houve gestão dos combustíveis junto da estrada e apurados os factos, também temos aqui uma palavra a dizer relativamente à Ascendi, por isso ainda temos algum chão para andar nessa matéria.”
O relatório concluiu que o incêndio mais grave resultou das ignições em Escalos Fundeiros e Regadas, que terão sido causadas por contactos entre a vegetação e uma linha eléctrica de média tensão. Além da EDP, há críticas à Ascendi, concessionária de estradas. “A falta de limpeza da envolvente das estradas permitiu que muitas pessoas fossem colhidas em plena fuga, pelo fumo e pela radiação do incêndio, pelas chamas da vegetação em redor e mesmo por árvores caídas na própria estrada”, aponta o texto.
“Era importante que essas entidades, que são cotadas em bolsa e têm accionistas, que também tomem a iniciativa de vir ter connosco e conversar", defende.
Para já, Piazza admite que o tempo é de espera: “Vamos aguardar pelo relatório [da PJ] e pelo capítulo sexto”. “O certo é que havendo responsabilidades, nós não vamos ficar quietos. Isso é certo,” frisa.
Vítimas não precisam do capítulo seis
Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e um dos autores do relatório, reiterou que o objectivo do documento é “trazer a público os factos”. “Não estamos a acusar ninguém, nem a apontar responsabilidades de ninguém”, clarifica.
Questionado sobre se a matéria do capítulo seis poderá conter dados e informação que sustentem um eventual processo legal das vítimas e suas famílias, o professor da Universidade de Coimbra considera que, “de um modo geral, talvez as famílias não necessitem do relatório para levantar este tipo de questões.”
O investigador explica que o que ainda não foi divulgado tem uma “parte relativa a acidentes com pessoas, com vítimas e que isso é o que nos foi evocado como motivo para que esta parte dos relatórios fosse reservada”.
No entanto, apesar de os relatos do capítulo seis darem conta do que realmente aconteceu às pessoas apanhadas pelos fogos de 17 de Junho, Xavier Viegas não compreende a razão para que não sejam tornados públicos. “Em nosso entender, esses relatos, por um lado, são anónimos, portanto não referem nomes de pessoas, e, por outro lado, os factos são mais ou menos do conhecimento público”, afirma.
Sem querer discutir as questões invocadas pelo Ministério da Administração Interna para o corte no relatório, Xavier Viegas defende a relevância do texto em falta porque “pode trazer elementos importantes não apenas para a população, para o público saber aquilo que se passou, mas também para outras entidades, nomeadamente entidades operacionais poderem desses relatos, retirar, extrair lições para modificar o comportamento futuro".