23 nov, 2017 - 20:34 • João Carlos Malta (texto), Teresa Abecasis (imagem)
Jorge Reis estava na casa senhorial plantada no meio de mais de quatro hectares de vinha que se estendem pela encosta quando ouviu o som mágico. Primeiro mais lento, depois mais rápido. Era a chuva. Em Viseu ela já não caía assim há muito tempo. De um pulo saltou para a rua. Quis senti-la no corpo.
“Este ano, a sério só choveu uma semana. Estando em casa e começando a ouvi-la, quis absorvê-la pela cara abaixo”, recorda o ex-presidente do Hospital de Viseu, que há mais de uma década se tornou uma referência nos vinhos do Dão, depois de ter adquirido a Quinta de Reis.
A chuva que sempre foi banal, tanto que o ex-médico se habituou a tratar a terra em que nasceu como o “penico das Beiras”, tornou-se rara. Muito rara. Ao ponto de criar sentimentos especiais.
“Senti uma sensação de alegria como já não tinha há muito tempo”, afiança.
A queda de água que começou de madrugada estendeu-se por toda a manhã com alguma intensidade, parou durante o período da tarde para voltar a cair durante a noite desta quinta-feira.
Luís Simões, professor da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu, e especialista em temos de hidrografia, usa uma metáfora à qual retira o sarcasmo. “Um dia de chuva é apenas uma gota no oceano”.
“Quanto é preciso de chover? Precisaríamos de voltar a uma série alargada de anos com precipitação equivalente àquela que tínhamos antes das alterações climáticas se fazerem sentir”, avança. O tema da água, e da sua escassez, garante que está para ficar.
Os meses de Março e Novembro, que normalmente são os mais fortes e importantes em termos de pluviosidade no distrito beirão, foram este ano anormalmente baixos no que diz respeito à queda de água. Um dia de chuva é bom, dois será melhor, uma semana seria fantástico. Mas há um desafio estrutural que a chuva não resolverá.
“O risco é que depois de 15 dias a chover nunca mais ninguém se lembre da escassez do recurso. Temo que isso aconteça. Mas se isso acontecer até pode vir um 2018 bastante chuvoso, mas teremos o problema em 2019, 2020”, alerta.
Nas margens do rio Dão, junto à barragem de Fagilde, que nos últimos dias tem sido palco da maior operação de sempre de transporte de água no país, está Amadeu Teixeira, de 65 anos, lado a lado com o amigo e companheiro de pesca Henrique Marques.
A chuva até chama o peixe, mas até às 13h00 ainda não tinha nada no balde. “Se chovesse torrencialmente todo o dia de hoje a amanhã, como o rio tem dois afluentes, era capaz de encher um bocadinho o Dão”, acredita Amadeu, ao mesmo tempo que sinaliza que esta chuva apenas mantém o nível da água anormalmente baixa da barragem.
Mas a fartura de chuva seria mesmo positiva, como Amadeu pede? O professor Luís Simões defende que não. O motivo faz-nos recuar mais de um mês.
“Esta região foi fustigada por incêndios florestais e se houver uma precipitação intensa em curtos períodos de tempo e intensa, a erosão do solo, o transporte e arrastamento para linhas de água e o assoreamento são riscos enormes”, garante.
Riscos reais, mas que se poderiam evitar se se tivesse trabalhado na fixação dos solos. Isso aconteceu? “Não se fez nada para evitar isso”, remata o vice-director do departamento de Ambiente da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu.
Este trabalho é um excerto de uma reportagem sobre os efeitos da seca na cidade de Viseu que a Renascença está a preparar.