18 dez, 2017 - 22:05 • Rosário Silva
“A Criação de Valor Estratégico nas Instituições Sociais da Igreja em Portugal” é o título do livro de Tiago Abalroado. Um trabalho de investigação feito pelo presidente da Unitate - Associação de Desenvolvimento da Economia Social e que teve como estudo de caso a Cáritas portuguesa e 75% das Cáritas diocesanas.
Como surge este livro?
É o resultado de uma investigação efectuada com o propósito de elaborar a minha tese de doutoramento. Considerei importante a sua publicação para que não fiquemos apenas pelo meio académico e, assim, possa dar um contributo prático para a realidade das instituições sociais da Igreja. Espero que seja produtivo e inspirador.
“A Criação de Valor Estratégico nas Instituições Sociais da Igreja em Portugal”. Pedia-lhe que “desmontasse” este título para compreendermos melhor a base da publicação. Estamos a falar, exactamente, de quê?
Estamos a falar, exactamente, da missão das instituições. Quer as instituições, quer as empresas, têm um intento claro que é criar valor para a sociedade. No caso específico das instituições sociais da Igreja, são chamadas a uma missão complementar. É que para além do valor económico para a sua subsistência, elas têm também de, na sua missão e identidade, criar valor social. Pode dizer-me que esta é uma dimensão que surge em comum com a generalidade das instituições do país, não são só as da Igreja, mas a minha investigação traz uma terceira dimensão: o valor coesivo, para gerar coesão social e que decorre, directamente, da identidade, inspirada na Doutrina Social da Igreja (DSI), e materializada nesta predisposição natural para acorrer a todos os problemas, a todas as situações, a todos os casos de carência. Portanto, há aqui um elemento de valor para a sociedade que não está subjacente a mais nenhuma organização a não ser da Igreja.
Portanto, esse é o princípio. No caso, a investigação explora a forma como isso acontece, isto se, efectivamente, acontece mesmo?
Sim, tem esse objectivo, porém não acontece tanto como seria desejado. O que acaba por se concluir no decurso deste trabalho é que a identidade está lá, as instituições estão preparadas para isso, mas por força da “desorganização” que subsiste muitas vezes, elas não conseguem cumprir em termos efectivos a sua missão, porque não conseguem maximizar o valor que criam nestas três dimensões.
Com que instituições trabalhou para perceber essa realidade?
Esta investigação teve como estudo de caso a Cáritas portuguesa e um conjunto alargado das Cáritas diocesanas. Foram exploradas cerca de 75% das Cáritas diocesanas do país e que servem de amostragem à realidade desta instituição, em concreto, em Portugal.
E que caminhos aponta para combater essa “desorganização”?
A investigação sugere que possa haver por parte das instituições sociais da Igreja um repensar das suas dinâmicas tendo por base esta reflexão. E é aqui que se cruzam dois aspectos: a identidade e a questão económica. O desafio que se lança é que as instituições procurem maximizar a utilização dos seus recursos no sentido de potenciar as três dimensões de valor. Utilizando ferramentas estratégicas para a criação de valor social e coesivo vão conseguir ter um melhor desempenho.
Não há, então, qualquer incompatibilidade entre a dimensão identitária e a económica?
De forma nenhuma. A identidade das instituições está enraizada nos princípios que estão na base de toda a ciência económica. Repare, nós temos o princípio do bem comum, o princípio da solidariedade, o princípio da subsidiariedade e o respeito pela dignidade da pessoa humana. Estão inscritos na DSI, mas são também, em última instância, a razão de ser dos modelos económicos. São duas realidades que não podem ser dissociadas.
Mas transpondo para a realidade concreta, isso não se verifica.
O que vemos é que, tanto nas empresas como nestas organizações, os diferentes recursos são escassos. Ora, o que temos de fazer é olhar para estes poucos recursos e organizarmo-nos da melhor forma para maximizar o rendimento que poderemos extrair deles para cumprir a nossa missão. Naturalmente que, numa empresa dita normal, o objectivo é gerar mais lucros, no caso das instituições sociais da Igreja é, exactamente, criar mais valor social, gerar mais coesão social e incrementar o nível de bem-estar das comunidades que apoiamos, sem desagregar os aspectos identitário e económico.
Além de que muitas destas instituições da Igreja Católica chegam onde o Estado não consegue chegar…
Sim, há aqui o princípio da subsidiariedade. Estas instituições surgem como substitutas no contexto do apoio social às comunidades. Há logo aqui uma missão de princípio. O Estado paga para que o passam substituir, mas devemos ter em conta que o apoio chega igualmente das próprias famílias ou até de mecenas. Estas instituições têm uma obrigação, face a estas diferentes fontes de financiamento, de proporcionar um melhor serviço às comunidades. O importante é que também tenham a noção da sua grande responsabilidade. Esta investigação é também um alerta para chamar à atenção para a importância do trabalho que fazem e a necessidade de monitorizarem esse trabalho.
O caso Raríssimas, não sendo instituição da Igreja, está a dar muito que falar. Mas a própria Igreja já se viu confrontada com suspeitas de alguma gravidade. Este modelo organizativo, também, pode servir para clarificar a gestão dessas organizações?
Sem dúvida. Subjacente a toda esta análise há um horizonte de transparência que ganha com processos organizativos eficientes e eficazes. E isso é importante para que não surjam casos de dúvida, de suspeições. Temos este caso recente da Raríssimas, mas a verdade é que temos tido casos de suspeições muito graves, quer sobre instituições da Igreja, ou fora dela e, se calhar, as instituições estando isentas de culpa não conseguem demonstrar esta isenção, simplesmente porque os seus processos organizativos esqueceram a dimensão da comunicação.
E, de facto, não há caminho feito no âmbito da comunicação. É necessário para que possa existir transparência?
Quando somos chamados a prestar contas, temos de prestar essas contas e mostrar que não temos nada a esconder. Não queremos enganar ninguém no trabalho que fazemos em benefício das comunidades. Muitas vezes as suspeições decorrem de um aproveitamento por parte de alguns agentes a quem interessa aproveitar-se destas lacunas organizativas que temos de melhorar, com urgência.
Estão lançadas pistas com esta sua investigação. É o início de um trabalho que deve sair do papel e ir, de uma vez por todas, para o terreno?
Claramente. Penso que deve haver também por parte da própria hierarquia da Igreja um maior envolvimento na realidade das organizações. É preciso que exista uma clarificação daquilo que a hierarquia pretende que sejam as instituições da Igreja católica, para que não haja vários pesos nem várias medidas. Isso exige por parte das estruturas eclesiais, uma melhor comunicação entre si e uma reflexão, para que se possa passar uma imagem mais positiva para a sociedade, compatível com aquele que é o trabalho que estas instituições desenvolvem.
Tiago Abalroado é doutorado em Gestão, Estratégia e Desenvolvimento Empresarial pelo ISCTE-IUL, Pós-Graduado em Gestão - Marketing pela Universidade de Évora e Licenciado em Gestão e Administração de Empresas pela Católica Lisbon School of Business & Economics. É presidente da Direcção da Unitate - Associação de Desenvolvimento da Economia Social e da UDIPSS-Évora - União Distrital das Instituições Particulares de Solidariedade Social de Évora. Exerce ainda funções de Vogal do Conselho Executivo da Cáritas Arquidiocesana de Évora.