01 fev, 2018 - 08:00 • Elsa Araújo Rodrigues
Não é um ministro que resolve o problema da solidão, considera o médico António Coimbra de Matos. Em entrevista à Renascença, o psiquiatra especialista na depressão considera que a solidão é mais do que viver sozinho, é sentir que não se tem pessoas a quem recorrer.
Concorda com a medida do Reino Unido de criação de um Ministério da Solidão?
É um assunto para pensar, mas não penso que é um ministro que resolve isso ou ter um ministério. No problema que se põe sobre a solidão é preciso distinguir o seguinte: [o problema] não é a solidão externa, o facto de não ter pessoas com quem falar. O problema é a solidão interna. A pessoa não ter relações mais sólidas e pensar nos amigos, nas pessoas que conhece, nos amores e não ter pessoas com quem pode contar. Isso é que é um problema na sociedade actual e não se resolve criando um ministério.
No Reino Unido, os números indicam que 9 milhões de pessoas se sentem sós. E em Portugal?
Isso não me preocupa, não acho que seja um problema. As pessoas dizem [que sentem] solidão, mas resta saber que tipo de solidão é essa. O que acontece actualmente é que as pessoas têm relações pouco sólidas. Zygmunt Bauman, um conhecido sociólogo e filósofo polaco, falou nas relações líquidas e no amor líquido, que é um bocado o que caracteriza as sociedades actuais. As pessoas têm relações, mas são relações com pouco compromisso, pouco vinculadas, portanto não podem contar com essas pessoas com quem se relacionam. E essa é que é a verdadeira solidão, essa é a que nos preocupa.
E como é se pode resolver?
Resolve-se com sociedades mais solidárias, mas para haver sociedades mais solidárias é preciso mais reciprocidade. Só se resolve com convívio e com uma mudança de mentalidades, de cultura e de educação.
As redes sociais têm impacto nesse sentimento de solidão?
Não, o problema também não é esse. O problema não é das redes sociais, o problema é outro. O problema é que as pessoas têm relações mais frágeis, a começar na própria família. Uma das razões é porque não têm tempo, os pais chegam a casa tarde demais. Há pais que saem de casa quando os filhos ainda estão a dormir e entram em casa quando já estão de novo a dormir. Mesmo que perguntem como correu o dia, não têm tempo para brincar, para falar, para terem uma relação mais profunda e ampla e com outro tipo de afectos.
É uma definição de solidão mais alargada.
A solidão da pessoa que vive sozinha, que não tem um número grande de amigos, essa não é a solidão importante. A grande solidão é a solidão interior. É uma pessoa ter uma doença e não saber se pode contar com os amigos ou com a família.
Na sua prática clínica, vê muitos pacientes com esse tipo de solidão?
As pessoas normalmente não se exprimem desse modo, nós [médicos] é que somos capazes de ver isso. Normalmente, não é a pessoa que se queixa disso porque quando percebe isso também sabe porque é que se sente só e tenta resolver. Quando não percebe é que nos procura.
Hoje em dia, as pessoas não sentem que têm com quem possam contar.
Sim, faltam relações sem essa solidão interior. Essa coisa de pôr um ministro é uma palhaçada, não resolve literalmente, nada. Confundem. As pessoas julgam que sentir solidão é viver só, não ter companhia em casa. Quando a solidão é outra coisa: é não ter pessoas a quem a gente tenha a certeza que pode recorrer, que pensam em nós, que nós pensamos nelas, em que há relações comprometidas. Hoje as relações são líquidas, não são sólidas.