10 fev, 2018 - 12:09
É uma ideia “absolutamente inverosímil, pateta e impossível”. É assim que Eurico Reis, juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, classifica a ideia de que o seu colega Rui Rangel possa ter influenciado as decisões de outros juízes, como tem sido tornado público.
Em declarações ao programa Em Nome da Lei da Renascença, o juiz desembargador contesta a ideia, “que está a ser transmitida na comunicação social, de que há um juiz que influenciou outros juízes”.
“Eu não digo que o doutor Rui Rangel fosse um pária, mas houve quem até mudasse de secção só para não estar ao pé dele. Essa ideia de que ele anda a influenciar os juízes, para além daquela de que os juízes são influenciáveis desta maneira, é insultuosa, absolutamente inverosímil, é pateta. É impossível”, garante Eurico Reis.
O juiz Eurico Reis aceitou comentar a “Operação Lex”, em que são arguidos os seus colegas Rui Rangel e Fátima Galante, acusados de corrupção e tráfico de influência, para defesa da honra dos juízes portugueses, cuja independência e honorabilidade está a ser posta em causa neste caso.
“Há uma campanha populista contra a Justiça aproveitada pelos políticos”
Maria Matos, também juíza desembargadora, mas no Tribunal da Relação de Guimarães, levanta o seu dever de reserva para afirmar que está em curso uma campanha para denegrir a imagem da Justiça, que tem sido levada a cabo por vários comentadores, alguns deles operadores judiciários, e que tem sido aproveitada pelo poder político.
“A imagem de quem ocupa o órgão de soberania que são os tribunais está arrasada. A comunicação social não é um todo, há órgãos de comunicação social, há comentadores, muitos deles titulares de operadores judiciários, que estão a fazer uma campanha populista contra o papel da Justiça. É de tal forma vergonhosa esta campanha que também está a ser aproveitada pelos políticos.”
Na opinião e Maria Fernanda Palma, professora de Direito Penal na Faculdade de Direito de Lisboa, este processo transmite para a população uma ideia de generalização de comportamentos criminosos que é muito negativa para o Direito.
“A ideia de que, no fundo, todos são corruptos, ou até os juízes são corruptos… Esse tipo de representações são argumentos que enfraquecem as motivações da população relativamente ao cumprimento do Direito”, diz Maria Fernanda Palma.
O juiz Rui Rangel estará a ser investigado por ter dado decisões a troco de dinheiro e outros benefícios. Alegadamente, terá tido a conivência de um oficial de Justiça, também constituído arguido, que manipulava a distribuição de processos.
O juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, Eurico Reis, também considera que esta acusação não faz qualquer sentido.
“Os funcionários das secções de processos não têm nada que ver com isto e se há alguém que poderá, eventualmente, influenciar é no sistema informático, sendo certo que os informáticos do Tribunal da Relação não têm acesso direto àquele lado concreto. É um sistema global. Terá que ser alguém de fora do tribunal a mexer”, explica Eurico Reis.
Quanto ao facto de os acórdãos que poderão estar em causa terem a assinatura de outro juiz, Eurico Reis diz que o problema está na forma como as pessoas são recrutadas para a profissão. O desembargador defende que “é preciso escolher muito bem quem ocupa determinados cargos ou funções porque não podemos estar 24 horas a vigiá-los”.
Rangel tinha "ligação insana ao Benfica"
No programa Em Nome da Lei Renascença, o advogado penalista José António Barreiros critica o facto de terem de ser agora apenas dois, e não três, os juízes que assinam as decisões judiciais na área criminal. Isso abriu a porta a que alguns juízes possam assinar de cruz, lamenta.
José António Barreiros defende que, se ficar provado o nexo de causalidade, algumas decisões de Rui Rangel podem vir a ser anuladas, mas nunca poderia haver um efeito de contaminação geral das decisões daquele juiz.
O advogado penalista acha inaceitável que só os juízes de primeira instância sejam sujeitos a inspeções, quanto ao mérito das suas decisões.
O juiz desembargador Eurico Reis revela, no Em Nome da Lei da Renascença, que esteve na fundação de uma associação “Juízes pela Cidadania”, entretanto extinta, de que fazia parte o seu colega Rui Rangel. Eurico Reis confessa que viu coisas de que não gostou, nomeadamente, as ligações ao Benfica e ao futebol, que considera inaceitáveis.
“Na altura, vi algumas coisas que não gostei, pedi explicações que não me foram dadas e depois, ainda por cima, havia aquela insana ligação ao Benfica. Eu coloquei esse problema numa reunião da Associação de Juízes pela Cidadania, os meus colegas acharam que eu estava a exagerar e eu saí. E desde essa altura que não falo com o doutor Rui Rangel. Afastei-me porque vi coisas que não gostei, nomeadamente, esta questão do futebol. Acho absolutamente inaceitável que um juiz esteja ligado à estrutura económica do futebol, tal como ela existe neste momento”, defende Eurico Reis.