13 mar, 2018 - 13:46
O partido Pessoas Animais e Natureza (PAN) não recua e vai manter o projeto de lei sobre eutanásia, apesar do parecer negativo do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV).
A notícia foi avançada esta terça-feira à Renascença pelo deputado André Silva, sublinhando que o parecer do CNECV não é vinculativo e que, para a “maioria dos constitucionalistas”, o diploma do PAN não viola a Constituição da República.
“Este é um parecer não vinculativo do Conselho, que é constituído por uma minoria de pessoas que tem uma visão única da vida e do modo de se proceder nestes aspetos. Este parecer encerra, em alguns aspetos, pouca consistência e pouco rigor. Desde logo do ponto de vista jurídico-constitucional que não consegue argumentar do ponto de vista da inconstitucionalidade, na medida em que a maioria dos constitucionalistas já vieram dizer que, de facto não há nenhuma inconstitucionalidade”.
O PAN mantém a intenção de agendar a discussão do projeto de lei sobre eutanásia para o final da atual sessão legislativa.
André Silva defende a legalização da morte medicamente assistida a par com a resolução do défice ao nível dos cuidados paliativos.
“Todos nós, no Parlamento, estamos de acordo, e a sociedade portuguesa está de acordo com a necessidade de se reforçar os cuidados de saúde paliativos. E de facto, estes são de enorme importância, no entanto, isso não significa que isto possa permitir a morte medicamente assistida quando tivermos melhores cuidados paliativos. Até porque existem doentes que não querem recorrer, por efeitos associados a estes tratamentos, como náuseas e alterações de consciência que podem comprometer a autonomia e qualidade de vida dos pacientes”, defende o deputado.
André Silva considera que Portugal deve prosseguir “dois caminhos ao mesmo tempo”: apostar nos cuidados paliativos e autorizar a morte medicamente assistida.
Tratar as duas questões ao mesmo tempo, havendo défices entre regiões nos cuidados continuados, não vai criar desigualdades? André Silva responde que “não”.
“São dois debates que devem ser feitos ao mesmo tempo. O Estado deve continuar a apostar em cuidados continuados de saúde, mas deve permitir abrir mais uma opção. Deve dar uma resposta e este parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida esquece-se da resposta central ao problema: a primazia da autonomia da pessoa doente e da ilegitimidade em impor certas formas de morrer.”
Questionado sobre o princípio de que a vida é inviolável, o deputado do PAN defende a “autodeterminação das pessoas e que estas devem ter opções que neste momento não têm na forma e na altura de um processo de morte que é irreversível e que encerra sofrimento invisível”.
“Não podemos continuar a impor uma visão única de sociedade. Esta proposta o que visa é abrir mais um direito. Este projeto nada impõe. Apenas visa dar uma liberdade às pessoas para optarem por um final de vida diferente e que os cuidados paliativos em nada encerram. Os cuidados continuados por melhor que sejam, em certas circunstâncias, em nada dão resposta”, argumenta.
O PAN considera que o debate na sociedade portuguesa sobre a eutanásia “já existiu e tem existido”.
“A maioria das pessoas está informada acerca deste assunto. A maioria das pessoas é favorável a esta proposta. E por isso vamos manter esta proposta”, remata André Silva.
O que diz o parecer do Conselho de Ética
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida deu parecer negativo ao projeto de lei do PAN favorável a despenalização da eutanásia. Começa por referir que "a proposta de legalização da morte a pedido abrirá uma lacuna de relevante significado ético e social, pela assimetria das condições disponibilizadas" aos cidadãos "no acesso aos cuidados de saúde".
O parecer, de 10 pontos, lembra que caberia ao próprio doente manifestar a intenção de pedir a morte "medicamente assistida". No entanto, a legitimação e a validação desse pedido, seria sempre realizada por terceiros - o que levanta problemas, uma vez que, segundo o documento, "a condição de indignidade da vida em determinadas circunstâncias, como fundamento ético para pedir a morte" é percecionada de forma diferente por cada pessoa - o que levanta dificuldades no momento de validação de um pedido.
O documento afirma que os pareceres médicos sucessivos vão permitir validar o pedido de morte, significariam um sofrimento adicional para o doente e faria aumentar o peso da burocracia.
Conclui o parecer que "o projeto atribui ao médico a decisão final sobre o pedido de morte. Logo, o fundamento do principio do respeito pela autonomia da pessoa que faz o pedido fica claramente comprometido."
Os autores sublinham que a responsabilidade do Estado é a de promoção das boas práticas clínicas. Defendem, ainda, que no projeto não se referem, de forma clara, os procedimentos destinados a avaliar a capacidade para o exercício livre da autonomia.
"O texto remete apenas para a capacidade legal (idade, interdição, inabilitação por anomalia psíquica), o que fica muito aquém da real expressão de autonomia que fundamente a verdade" no momento de pedir a morte.
Referem ainda que, no projeto de lei, "a morte provocada a pedido é apresentada como a única resposta para o sofrimento considerado como intolerável", ao mesmo tempo que "parece colocar o respeito pelos pedidos de morte no mesmo plano das situações de respeito pelas decisões de recusa de tratamentos, de abstenção ou suspensão terapêuticas", usando como fundamento "realidades que merecem valorações éticas muito distintas".
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida critica a nomenclatura utilizada no projeto e diz que a proposta legislativa, "centra a fundamentação na afirmação de um direito" que é questionável: o direito de alguém ser atendido quanto a um pedido para ser morto.
Para além destas dúvidas, dizem os autores, tal direito iria conferir uma contrapartida de obrigações para lhe dar satisfação, tanto no que respeita à atuação dos médicos como do Estado na organização técnica, jurídica e administrativa do processo.
O mesmo documento refere que o código de conduta profissional dos médicos não admite a intervenção nestas práticas.
Conclui, ainda, que o "Estado não pode concentrar os seus deveres na legalização e regulação de pedidos de morte", escusando-se das preocupações de satisfazer as carências existentes quanto aos cuidados paliativos. Dizem os autores que "é gravosa em Portugal, a carência" deste tipo de cuidados.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, diz ser necessária uma reflexão profunda e esclarecida sobre o tema, até porque os valores da Constituição têm, de ser compatibilizados com os valores da liberdade e autonomia individual sobre a própria vida.
É a resposta ao parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida que alega que esta proposta não resolve o problema da falta de apoio às pessoas em final de vida.