13 abr, 2018 - 11:07 • Liliana Carona
Veja também:
A aldeia de Vila Nova, na freguesia de Ventosa, concelho de Vouzela, vai ter saneamento básico pela primeira vez. Depois dos incêndios de outubro, a autarquia começou a empreitada.
“Face ao que aconteceu nos incêndios, vai decorrer a instalação do saneamento básico nesta aldeia em particular e vai também ser retomada nas aldeias próximas”, garante o autarca Rui Ladeira à Renascença.
Lurdes Carvalho, moradora da aldeia, observa da janela. “Há umas máquinas que andam a tratar do saneamento. Eu nem máquina de lavar tenho. Há aqui uma fossa, mas tenho receio que ela encha” – mostra na casa que ocupa desde que se lembra de existir.
Em Vila Nova, a paisagem ainda é marcada pelo negrume e a dor da perda. O fogo levou a vida a quatro vizinhos. Passados seis meses, o guarda-chuva de Fernando e Laurinda continua pendurado à porta de casa, queimado pelo fogo, numa das paredes que se mantém firme à força da chuva e do vento.
A casa lá está, abandonada, sem vida, porque “de acordo com os critérios de elegibilidade das casas, se as pessoas que lá viviam morreram, não será enquadrada a sua recuperação”, explica o autarca de Vouzela, Rui Ladeira.
Na Rua de Baixo, Lurdes Carvalho, 67 anos, sente a ausência dos vizinhos, numa aldeia onde a perda de quatro habitantes, tem muita força. A solidão é preenchida pela companhia da gata “Gilinha”.
“A falta daqueles ninguém ocupa, mas a gata é uma companhia muito grande”, afirma à Renascença, pegando na gata ao colo enquanto poisa uma carrada de couves.
“Tenta-se sobreviver, mas ver as coisas como víamos, não voltamos a ver. Infelizmente, o lume queimou tudo, tive que ir a Negrelos buscar as couves, porque aqui está tudo queimado. Safaram-se duas cabras”, lamenta.
Em Vila Nova morreram centenas de animais nos incêndios. Alberto Pereira, 62 anos, dá graças a Deus por ter conseguido salvar a cadela Luna.
Alberto vai cortar os pinheiros queimados que de pouco ou nada valem. “Isto está abalado demais, nunca vimos isto na nossa vida. Vamos cortar os pinheiros queimados, deitá-los abaixo, não temos mais nada. Não podemos culpar o Governo, temos de dar o tempo ao seu tempo. Onde vão eles arranjar dinheiro para as despesas totais, tudo ao mesmo tempo?”, questiona.
Conceição Marques, de 61 anos, só agora teve coragem de começar a cortar os cachos de uvas queimados. “Mudou muita coisa: ficámos sem azeite, sem milho, sem vinho, sem comida para os animais... mas, se Deus nos der saúde, vamos ultrapassar isto”.
“O importante é não se esquecerem de nós”, realça a moradora de Vila Nova que assume ter recebido apoios para as perdas na agricultura. “Não foi muito, mas recebi”.
Também Agostinho Amaral, de 88 anos, está pessimista face ao futuro. A família tinha um aviário que foi consumido pelas chamas e que poderá em breve ser reconstruído, através do seguro.
Mas a tristeza não se apaga do seu rosto. “As videiras arderam, os pinheiros também, fiquei sem nada...”, diz.
Na aldeia, as placas sinalizadoras continuam pintadas de negro, à espera de financiamento comunitário. Enquanto o negro não desaparece, há quem tente disfarçá-lo. João Miguel, de 12 anos, aproveita o tempo livre para, na velocidade da sua bicicleta, percorrer a aldeia.
“Este menino é um companheiro”, admite Lurdes Carvalho.
“Eu e mais um rapaz e uma rapariga, andamos de bicicleta a falar com as pessoas”, diz João a sorrir enquanto vai pedalando pela aldeia de Vila Nova, sem que ninguém lhe peça, para à soleira de uma porta dar dois dedos de conversa.
“Então, João já vieste da escola?”.