20 abr, 2018 - 07:59 • Ana Rodrigues
A contaminação de solos na ilha Terceira é conhecida desde 2008, altura em que foi divulgado um relatório das forças norte-americanas, dando conta dos locais afectados pelas infiltrações de petróleo decorrentes da actividade da Base das Lajes. Dez anos depois, apesar das muitas denúncias e apelos, nada foi feito.
Uma das vozes que mais tem alertado para o que diz ser “um grave crime ambiental” e um “risco para a saúde pública” é o professor da Universidade dos Açores António Félix Rodrigues. Para este especialista em poluição, não restam dúvidas “do elevado grau de contaminação na ilha, provocada pela utilização da base das Lages".
Félix Rodrigues garante, em declarações à Renascença, que a contaminação “está a pôr em risco a saúde das populações, que, devido à longa exposição a materiais como o chumbo, amianto, solventes, hidrocarbonetos, podem vir a desenvolver doenças, como é o caso de cancros ou arritimias".
O especialista da Universidade dos Açores diz não compreender a razão ou razões que levam as autoridades, regionais e nacionais "a empurrar o problema para debaixo do tapete, quando já ninguém pode questionar a contaminação”.
O professor açoriano já foi ouvido por autoridades militares e civis ao longo dos anos e a todos tem dito sempre o mesmo: “É preciso agir rápido para conter o risco. Mas, primeiro que tudo, é preciso dizer às pessoas onde estão os locais contaminados e o que lhes pode estar a provocar doenças sem que o saibam”.
Félix Rodrigues aponta que “a contaminação da Terceira é idêntica à de outros locais no mundo onde há bases militares", mas face ao caso das Lajes, há uma diferença: "Nesses locais, não se esconde o problema e a descontaminação dos solos é feita”.
Deixar de trabalhar na base para poder falar
Quem também não se conforma com este “silêncio” das autoridades perante a contaminação específica na área da Praia da Vitória é o antigo funcionário da base americana Orlando Lima. Foi o primeiro a apresentar provas da contaminação dos solos e aquíferos da região e garante que não vai desistir enquanto não se fizer uma descontaminação das áreas poluídas.
Na Base das Lajes, Orlando Lima trabalhou durante 18 anos como inspector de construção e gestor de programas ambientais. Resolveu "bater com a porta" e rasgar o contrato que o obrigava ao dever de sigilo porque “não podia, enquanto açoriano, pactuar com o desinvestimento no programa de limpeza dos solos e com o branqueamento das autoridades competentes”.
Segundo este antigo funcionário da Base das Lajes, o “crime ambiental é gigantesco”, sendo que “era comum, até 1995, fazerem-se aterros de lamas químicas”.
Os norte-americanos “despejavam, em campos abertos, combustíveis e águas contaminadas das lavagens dos tanques” e, hoje, nessas áreas, é possível ver, frequentemente, vacas a pastar. "Houve um abandono deliberado de combustível nos 'pipeline's que atravessam a Praia da Vitoria”, reforça.
Se a contaminação pode estar a atingir os solos e os aquíferos, o mar também não escapa. Segundo Orlando Lima, foi há tempos encontrado em terra material militar da II Guerra Mundial que tinha sido “despejado no mar pelos norte-americanos.
Estas e outras denúncias têm sido, de acordo com Orlando Lima e António Félix Rodrigues, sistematicamente desvalorizadas e, por vezes, até desmentidas. Contudo, mais recentemente, foram aprovadas na Assembleia da República seis projectos de resolução, por todos os partidos, que recomendam ao Governo que inicie um processo de descontaminação e reparação dos danos ambientais provocados pela utilização da base por parte dos Estados Unidos.