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GIPS

Os duros exames físicos e psicológicos para salvar o país das chamas

27 abr, 2018 - 16:11 • João Carlos Malta (texto), Teresa Abecasis (imagem)

São uma das grandes prioridades do Governo para o ataque aos fogos este verão. Durante 12 semanas, pouco mais de 400 recrutas vão ter quase 16 horas de treino diárias. Muitas flexões, muita corrida, muitas elevações, roçar mato, abafar o fogo com batedores e saltar de helicópteros. Testes que, claramente, não são para meninos.

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A dureza dos treinos para salvar o país das chamas
A dureza dos treinos para salvar o país das chamas

Uma, duas, três repetições. O abdominal é para trabalhar e o instrutor marca o ritmo. A seguir vem o bícepe. O suor começa a pingar, apesar de ainda passar pouco das 8h30 e de a temperatura não ser muito alta no centro de formação da GNR na Figueira da Foz. Um dos 14 pelotões − que durante dois meses e meio se vai preparar para os fogos de Verão − estará pelo menos uma hora nesta sessão de trabalho físico.

Mas não se fica por aqui a dureza do treino dos 408 elementos da GNR, a maioria com entre 25 e 35 anos, que concorreram às vagas que abriram para o Grupo de Intervenção Proteção e Socorro (GIPS). Haverá corrida que pode chegar às duas horas seguidas. E ainda a ida para o mato, na qual os ancinhos e as enxadas vão ser os segundos pares de mãos na arte de roçar mato.

No fim, o ataque direto ao fogo. Primeiro em equipas de quatro ou cinco elementos, tentando recriar o que vai ser a missão no terreno, quando as chamas não forem a brincar. Depois no ataque transportado por helicópteros.

Tudo sai do corpo dos recrutas, mas para quem viverá situações limite, os limites do corpo têm de ser puxados para níveis superiores.

Em muitos dias, a formação pode chegar a 16 horas contínuas. Até pode ser intervalado com algumas aulas teóricas, mas 'extenuante' é uma palavra que qualifica o que se vai passar no centro do país no âmbito daquela que, este ano, vai ser uma grande aposta do Governo, senão a maior, no combate aos incêndios florestais.

Os 408 elementos − a que se vão juntar mais 92 que apenas vão fazer uma formação de reciclagem de conhecimentos por já terem pertencido à unidade − quase que vão dobrar o efetivo do GIPS: vão passar a ser 1100 no total. São eles que vão fazer o primeiro combate aos fogos para impedir que as chamas ganhem a dimensão daquelas a que se assistiu no ano passado em Pedrógão Grande e, a 15 de outubro, em toda a região Centro.

Não é para todos

Mas nem todos aguentam a dureza física e psicológica. A caminho do final da quarta semana, o diretor do curso, o capitão João Fernandes, anuncia que já houve pelo menos 51 desistências: uma média superior a um em cada dez candidatos. A maior parte “caiu” na primeira semana. Os rigorosos testes físicos derrotaram uns, as entrevistas de avaliação psicológica outros e os exames médicos fizeram o resto da seleção natural. Esses, explica, vão voltar aos seus postos de origem na GNR.

“Nem todos aguentam porque não estão preparados nem fisicamente, nem psicologicamente”, afirma João Fernandes, que depois se sente na obrigação de explicar que o treino é “difícil”, sem dúvida, dada a natureza dos desafios que enfrentarão no terreno. A isto contrapõe que a “integridade física dos militares nunca é posta em causa”. A história dos comandos ainda está muito fresca na cabeça de todos.

A introdução de stress nas atividades é essencial, os treinos têm de gerar cansaço físico e mental porque “é isso que vai acontecer no teatro de operações”.

“Nunca se sabe quando acaba, apenas quando se inicia. Os militares têm de estar preparados para passar algumas carências nutricionais”, destaca.

É verdade que uma formação é sempre um teste e que só no terreno é que a realidade traz desafios que, muitas vezes, não são programáveis. João Fernandes tem consciência disso.

“A gestão do stress nem sempre é fácil, mas neste curso preparamos os militares para isso com uma palestra do centro de psicologia da GNR que visa dar um conjunto de ferramentas para gerir a tensão no teatro de operações”, explica.

Reconhece, no entanto, que simular algumas das situações reais ia “pôr a integridade dos militares em causa” - e esse não é o objetivo.

É verdade que o principal objetivo desta força é o de combater fogos, mas o montanhismo, os conceitos gerais de combate radiológico, nuclear, biológico e químico, o resgate em estruturas colapsadas e o mergulho são outras das valências que os militares vão adquirir. A diversidade dá, segundo o capitão, o que os militares querem e que se pode resumir numa palavra: ação.

“Aquilo que nos parece que é a grande motivação é uma vertente mais operacional, mais física, de maior ação. Não é por acaso que a escala etária que mais procura este curso é a dos 25 aos 35 anos”, exemplifica. Ao nível do género há ainda um grande desequilíbrio, apenas 12 mulheres se candidataram.

O capitão João Fernandes também não exclui a ideia de que os incêndios de 2017 tenham motivado alguns elementos a querer reforçar o GIPS. Pensa que os elementos da GNR tinham uma ideia muito genérica sobre esta força.

“No ano passado, pelas piores razões, este grupo teve uma visibilidade ímpar, o que levou muitos militares a perceberem ‘in loco’ o trabalho que os seus pares realmente faziam. Em alguns casos, foi a própria casa deles que foi protegida pelos GIPS.”

Quatro em linha

Se o treino físico é uma parte importante por dar a base ao militar para desempenhar as suas funções, o treino com fogo é a peça central do treino. Na Figueira da Foz, os militares sobem do nível do mar em passo de corrida até à montanha da Serra da Boa Viagem para um exercício de simulação de fogo.

Distribuídos em grupos de quatro ou cinco homens, alguns vão desbastar a vegetação. Para isso, usam utensílios agrícolas. O trabalho é feito arbusto a arbusto. Numa situação real teriam viaturas pesadas que fariam a parte mais intensa do trabalho.

O objetivo é retirar combustível ao fogo e criar barreiras que impeçam as chamas de avançar. Outros combatem pequenos focos de chamas. O ataque é feito ali, com quatro homens em linha e um chefe de equipa que coordena a ação. Minutos antes, o capitão João Fernandes antecipava o que ia acontecer.

“Há dois militares com extintores dorsais com 20 litros de água e dois militares com abafadores e batedores. Os extintores visam diminuir a intensidade da chama, atuando através da água. Os outros dois militares tiram oxigénio ao fogo para o extinguir”, explica. E assim foi.

No terreno o instrutor dispara: “O ataque. O ataque é como? Se está com muita intensidade há dois bombeiros que vão à frente. Se eles estivessem a trabalhar a 100% baixavam a intensidade das chamas, mas não podem parar. Eles vão largando a água e progredindo, porque se param o efeito do batedor não se faz sentir. Se pararem o incêndio vai sempre ganhando terreno.”

Poucos minutos depois, o efeito do trabalho começa a ver-se. Os gritos de motivação começam: “Vamos, embora, ele está a ceder. Motive os homens, chefe. Tem de ter atenção à retaguarda, tem de ver o flanco todo. É isso, é isso…”

Este é um treino que faz parte do fogo tático e contrafogo que estas equipas terão de executar. O primeiro serve para queimar uma zona que sirva de tampão às chamas, no segundo a ideia é fazer com que o fogo provocado pelos militares avance em direção ao incêndio principal para o extinguir.

No trabalho destas equipas há 90% de análise do fogo e apenas 10% de uso do fogo. “A primeira ferramenta é analisar o comportamento das chamas, para onde é que o fogo vai consoante mude o vento, a orografia e a exposição solar”, detalha João Fernandes.

Mas o uso do fogo no combate aos incêndios é algo que estes homens terão de esperar alguns anos para fazer. Apenas militares com muita experiência é que o executam, todos com mais de dez anos de atividade.

A imprevisibilidade do real

A pouco mais de 40 quilómetros de distância, surge o terceiro ponto de treino destes 408 militares que vão reforçar o dispositivo do GIPS. No meio de uma mata, numa zona industrial de Pombal, está quase a aterrar um helicóptero.

No interior seguem cinco homens. Passados poucos minutos, a equipa de apoio no terreno começa a ver a aeronave a descer. Em pouco tempo aterra, os homens saltam e põem as botas no terreno. É mais uma simulação de uma situação real. A ideia é proteger uma grande fábrica a centenas de metros de distância.

O helicóptero há-de ir abastecer de água para apoiar o primeiro combate. A água é lançada sobre a coluna de fogo e, como numa dança coordenada, os homens no terreno aproveitam a ajuda que veio do ar. Desta vez correu bem, em ações reais nem sempre é assim.

“A formação prepara-nos", remata o diretor do curso. "Mas há situações limite em que nenhum de nós sabe qual será a nossa reação.”

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  • dora
    28 abr, 2018 lisboa 14:57
    O ano 2018 vai ser pior que 2017.Questoes climáticas , politica agressiva, não regulamentada devidamente e com pés e cabeça a lei 124/2006,já há 4 mortes e uns quantos incendiários que iniciarão funções logo que possível.Fica mais barato e sustentável queimar floresta do que limpar da forma exigida e conservá-la..Os terrenos das faixas de proteção ficam improdutivos e dao despesa deveriam passar pró estado com faz REN/EDP e margens dos rios.Ou tornar rentável as limpezas.A PRIORIDADE devido á calamidade que se aproxima é EVACUAR atempadamente o POVO antes que morra assado.
  • lucio brito
    28 abr, 2018 torres novas 14:47
    E verdade e muito duro? eu não aguentava?

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