13 jun, 2018 - 10:00 • Olímpia Mairos
Na aldeia de Poiares, concelho do Peso da Régua, não se fala de outra coisa. O colégio salesiano vai fechar portas. Uma medida que afeta 225 alunos, 25 funcionários, 21 professores e a economia local.
“É já um dado confirmado, não é ameaça, é mesmo realidade. O colégio, a partir de setembro não estará aberto”, diz à Renascença o vice-diretor, Fernando Coelho, que atribui ao Ministério da Educação a responsabilidade por este desfecho.
“O Ministério da Educação, ao longo destes anos tem feito um ataque cirúrgico a estas instituições. Tem retirado turmas de iniciação de ciclo, provocando graves constrangimentos financeiros a nível de indeminizações, a nível de desacreditar das escolas”, denuncia o professor, acrescentando que “este plano de fecho parece maquiavélico”.
“Não é feito de uma vez só, mas por etapas, é uma forma estratégica de fecho para não criar alarmismo social. É aos poucos, enfraquecendo a escola, até ao encerramento final”, acusa o vice-diretor.
Com as alterações aos contratos de associação, o colégio perdeu turmas e, devido às novas regras de domiciliação fiscal, os alunos de outros concelhos já não podem ir para ali estudar.
O professor Fernando é de Lousada, fixou-se na região há 17 anos e agora vai ter de partir, com todas as implicações que isso significa. Está triste e expressa a revolta que o invade.
“Estou triste por todo o investimento que aqui foi feito, por uma congregação que investiu aqui tudo o que tinha, pois todo o financiamento que recebeu está investido nas instalações, na melhoria constante do edifício, das condições pedagógicas e tudo isso não é válido e o Estado não faz a mínima distinção entre quem está a servir a causa pública”, diz.
O colégio de Poiares inclui um grande edifício, onde são lecionadas as aulas, um pátio que é um campo de jogos e um pavilhão gimnodesportivo. Todas as salas possuem computador, quadro interativo e livro de ponto online. Para aqui fluíam alunos da Régua, de Vila Real, de Santa Marta de Penaguião e de Sabrosa, professores e funcionários.
“Eles têm os nossos dados. O nosso colégio tem para cima de 50% de miúdos com apoio social escolar. Não se pode comparar a um colégio da linha de Cascais”, adverte o vice-diretor, esclarecendo que, “ao contrário do que dizem, não é para poupar dinheiro, porque estas turmas ao irem para outras escolas, têm um encargo associado”.
“Aqui o Estado não tem qualquer encargo com os equipamentos, com os edifícios, isso é tudo da responsabilidade dos salesianos. É fácil convencer as populações e dizer: ‘quem quiser um colégio, que o pague’, mas este colégio nunca foi colégio de pagar”, sublinha.
“É lícito fechar só por ideologia?”, questiona o professor, que não entende como é possível “deitar uma obra destas ao abandono, quando se fala tanto de combater o abandono das aldeias, da desertificação do interior”.
Um portão à entrada e à saída de Poiares e passa a ser a ‘Quinta de Poiares’
Jorge Teixeira, de 40 anos, aguarda no automóvel, à porta do colégio, a saída da filha que frequenta o 8º ano. Não compreende como é possível “um colégio que consegue, pela qualidade de ensino que pratica, atrair alunos das cidades da Régua e de Vila Real e das vilas de Santa Marta de Penaguião e de Sabrosa, não ser apoiado pelo Governo”.
Para este habitante local, “o colégio de Poiares tem que ser visto como um caso raro e único neste país”, argumentando que “este colégio, com a parceria entre público e privado, não pode entrar no rol dos outros colégios privados com apoio do Estado, deve ser visto como um caso isolado, porque fica numa aldeia e esta diferença de ensino consegue fazer um combate à desertificação.
“Porque é que estão a cortar as pernas a uma aldeia remota que atrai gente, quando dizem que estão contra a desertificação?”, questiona Jorge. “Esta aldeia vai morrer. O movimento dos professores, das pessoas que vêm trazer e buscar os filhos, das festas do colégio que proporcionam beleza à aldeia e criam dinamismo… Tudo isto vai morrer”, vaticina.
“Que nos ponham um portão à entrada e à saída de Poiares e que mudem o nome e nos passem a chamar ‘Quinta de Poiares’ e nós ficamos aqui mais um bocadinho isolados, todos quentinhos, ou, então, saímos todos daqui e vamos para a cidade, vamos ter com o senhor António Costa”, sugere.
Nos últimos anos, Poiares perdeu o centro de saúde, a escola primária, a farmácia e a casa do povo. Agora, se perder o colégio salesiano, Jorge entende que “mais vale fechar as aldeias, pegar em tudo que é nosso, nas nossas casas, e ir para a cidade”.
“Se é isso que o Governo pensa, se é isso que o BE quer, que foi o grande mentor dos cortes de apoios aos colégios privados, vamos todos para o parlamento, que é lá que estamos bem”, conclui.
Também Ricardo Castelo considera o encerramento “muito prejudicial para a aldeia” e teme consequências nefastas para toda a gente, nomeadamente para “as crianças e para o comércio local”.
Sem trabalho. A solução é emigrar
Carla Fernandes, de 46 anos, é professora de educação física no colégio, há 20 anos. Comprou casa a sete quilómetros e agora, como não sabe o que o futuro lhe reserva, já colocou a habitação à venda.
A professora manifesta “angústia, desolação, tristeza e impotência” e não compreende que, quando se “fala tanto no Interior e da necessidade de combater a desertificação, não se apoie uma instituição com 94 anos de existência, que foi feita à custa do suor das pessoas da terra”. “Na altura, fizeram-se leilões com tudo aquilo que tinham - batatas, vinho, azeite, para angariar fundos, para fazer com que isto pudesse nascer”, conta.
A docente atesta as condições de excelência da escola e acusa o Governo de lhes ter “tirado o tapete” e de “votar ao abandono mais quatro ou cinco aldeias, porque os poucos que cá possam ficar vão ter que imigrar ou emigrar, porque o Interior tem cada vez menos hipóteses para nós”.
“O turismo começa a trazer alguma coisa, mas não vai passar de uma paisagem e, se calhar, para alguns, uma miragem”, alerta a professora, questionando-se sobre que justiça e igualdade temos que “obriga os alunos desta área de residência a terem de percorrer mais quilómetros, a saírem de casa uma hora e meia ou duas mais cedo, e a chegarem a casa uma hora e meia mais tarde”.
Maria José, de 45 anos, é funcionária do bar. Trabalha no colégio há 27 anos. Vai perder o emprego e não sabe o que vai fazer à vida com “dois filhos pequenos que andam no colégio e que vão ter que ir para a Régua, contra a vontade deles”. “Se não arranjar trabalho, a minha solução é ir para o estrangeiro ou, então, para a porta do Governo: pode ser que me dê alguma coisa para sustentar os meus filhos”, desabafa por entre lágrimas.
Na cozinha do colégio encontramos Ana Cristina, de 47 anos. Trabalha ali há 26 anos. Está revoltada e culpa o Governo por toda a situação que está a viver. “Fechou-nos as portas, pôs-nos numa cadeia”, acusa a funcionária, acrescentando que o ambiente que se vive no colégio dilacera o coração.
“Os meninos andam tristes, choram porque não querem ir para outras escolas, nós andamos angustiados porque ficamos sem trabalho. Isto é a nossa morte. Estão a tirar-nos tudo da aldeia”, queixa-se Ana Cristina, que vai para o desemprego e não tem esperanças de conseguir um novo trabalho.
“Por aqui não há trabalho. Para irmos para um emprego somos velhos de mais, para nos darem a reforma somos novos de mais”, lastima.
O ambiente na região é de tristeza, angústia, desolação, desespero, impotência e revolta. Ninguém percebe e muito menos aceita o encerramento de um estabelecimento de “ensino de excelência” que “dava vida à aldeia”, que “sempre esteve ao serviço da região” e que alavancava “muitos e pequenos negócios”.
“A aldeia fica muito mais pobre e muito mais triste”
Emília Guedes, de 57 anos, considera que o encerramento do colégio “é muito mau para a terra”. “A aldeia fica muito mais pobre e muito mais triste. Agora veem-se crianças e jovens. Depois vai ficar uma terra de idosos, porque os mais novos vão todos para fora. Vai haver desemprego, porque muita gente trabalhava no colégio”, previne.
Maria Luísa, de 57 anos, teve um filho a estudar no colégio e tem um comércio na aldeia. Expressa tristeza, só de pensar que “um edifício tão bonito, feito com muito carinho e amor, vai ficar vazio”.
“Dá mesmo tristeza e até vontade de chorar. Vai ser muito mau, mesmo para o comércio, porque os funcionários de Poiares e das redondezas compravam aqui e indo para o desemprego já não vão poder gastar tanto”, diz à Renascença.
Também o padeiro Neca, que fornece o pão para o estabelecimento de ensino, antevê “dificuldades” para a sua padaria. “Vai ser mais complicado. Isto é muito mau para todos”, lamenta.
Orlando silva, de 45 anos, é motorista numa empresa que assegura o transporte escolar. Está a contrato e sente que está “na corda bamba”. “Acabando o colégio vou sofrer e muito. Certamente a empresa não me vai renovar o contrato”, afirma, alertando para o facto de “o transporte regular que existe entre Poiares e Vila Real ter também os dias contados. E quem vai sofrer mais são as crianças, que vão ficar mais tempo na escola à espera do autocarro”.
O motorista vive no Peso da Régua, mas faz grande parte da vida na aldeia de Poiares e não tem dúvidas que “tudo vai ser prejudicado, as crianças, os pais, o comércio, os cafés, os agricultores e os fornecedores”.
Apesar da gestão privada sempre foi escola pública
O presidente da Junta de Freguesia de Poiares, Paulo Primo, afina pelo mesmo diapasão e não aceita que a aldeia vinhateira do Douro perca o que lhe dá vitalidade.
“É uma machadada em Poiares e nas aldeias aqui à volta, mas, sobretudo, no Interior do país, porque, quando se fala em desertificação, quando se fala em arranjar incentivos para fixar pessoas eu presumo que os nossos políticos, os nossos governantes não se estivessem a referir a fechos como este porque, sem dúvida, isto é claramente uma das situações que vai potenciar a emigração, vai potenciar o abandono da região”, adverte.
O autarca, que também foi aluno no colégio, afirma que o estabelecimento de ensino foi ao longo de 30 anos de serviço uma escola pública de excelência, uma escola que oferecia e garantia a oferta publica de educação no concelho”.
“Apesar da gestão privada, os salesianos não estavam aqui pelo lucro, fizeram investimentos brutais, um pavilhão ao nível das grandes cidades que está aberto a toda a comunidade, criaram emprego, ajudaram os agricultores a escoarem os seus produtos, dinamizaram a economia local”, enumera.
Paulo Primo teme também que o encerramento do colégio conduza à saída dos salesianos da região, mas diz compreender que essa decisão venha a ser tomada uma vez que “a instituição não foi acarinhada pelo Poder Central para permanecer no Interior, onde fez grandes investimentos”. “Vai ser ainda mais penoso. Será a machadada final”, afirma o autarca.
A Renascença sabe que a congregação dos salesianos já solicitou ao bispo da diocese de Vila Real que liberte os seus sacerdotes das paróquias que lhes estão confiadas.
No entender do presidente da Junta de Freguesia, o Governo ainda está a tempo de impedir uma tragédia para a região. Basta que aprove “uma proposta que já vem de há uns meses, que é tornar a escola como parte integrante da área educativa de Vila Real e Peso da Régua”.
A Câmara Municipal da Régua já enviou a proposta ao ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, e aguarda uma reunião com a secretária de Estado da Educação.
“Olhem-nos com outros olhos, não nos comparem àqueles grandes contratos de associação”, suplica o autarca de Poiares.
“Socorro. Lágrimas que me cortam”
Paulo Costa, nasceu na aldeia onde fica situado o colégio. Quando soube que o estabelecimento de ensino ia encerrar, ficou destroçado. Afirma-se “incrédulo, sem palavras, trucidado pela brutal realidade que sucessivamente vai dizimando o Interior a que também chamam Portugal” e lançou uma petição online para tentar evitar o fecho.
“Não vou ficar quieto, não consigo, não posso! Vou desafiar tudo, vou convidar todos os que vivem por bem para esta luta, pois não estamos a falar de um qualquer lobby, de uma qualquer negociata que dá milhões a um qualquer ex-político ou que enriquece um qualquer empreiteiro. Estamos a falar de vidas humanas, estamos a falar de Território, estamos a falar de passado, presente e futuro”, lê-se no texto que acompanha a petição.
O impulsionador da petição esclarece que é “defensor do ensino público” onde os filhos “andam em infantários, assim como nasceram em hospitais públicos”, referindo que não pode “aceitar que esta instituição não seja excecionalmente considerada de total dedicação ao Serviço Público, porque o é, sem qualquer dúvida”.
Paulo Costa afirma ainda que “comparar esta instituição a um qualquer colégio da Linha, daqueles em que os motoristas vão levar os filhos de limusine, é pura e simplesmente um ato atroz, cobarde e maldoso, um ato de um país que não se ama a si próprio”.